domingo, 11 de setembro de 2011

A Mão de Fátima

Título: A Mão de Fátima
Autor: Ildefonso Falcones
Tradutor: Pedro Carvalho, Sérgio Coelho e J. Espadeiro Martins

Sinopse: Há mais de meio século que desapareceu o último reino muçulmano da Península Ibérica, Granada. Os muçulmanos, cuja presença remontava a oitocentos anos, vêem-se convertidos numa minoria explorada e humilhada nos seus costumes e religião, que se vêem obrigados a abandonar.
Em 1564, fartos de tanta injustiça, lançam uma ofensiva contra os cristãos. Entre os sublevados está Hernando, filho de uma moura e do sacerdote que a tinha violado. Hernando - desprezado por ambos os povos - procura conquistar a liberdade e o respeito, mas depara com a brutalidade dos dois. Entretanto, conhece aquela que seria o amor da sua vida, Fátima, uma bela mulher de olhos negros.
Após a derrota da insurreição, Hernando é deportado para Córdova, a bonita cidade que ainda conservava o legado do seu passado árabe. Aí, Hernando tenta recomeçar a vida, que será uma nova etapa na luta pela tolerância e pela concórdia entre as duas culturas.

Opinião: Um romance de proporções épicas, pelo número de páginas e pelo assunto que tão bem retrata: um conflito de religiões, que opõe a fé muçulmana e a fé cristã numa batalha que destaca a ganância e a visão abertamente dogmática de cada facção.

O autor fá-lo de forma bastante inteligente, ao criar uma personagem aparentemente ambígua, ainda que firme nas suas convicções religiosas, do princípio ao fim. Essa personagem é Hernando Ruiz/Hamid Ibn Hamid, filho de uma muçulmana, Aisha, e de um pároco cristão, que violou a sua mãe. É logo aqui que começa a ambiguidade de Hernando, já que tem feições muçulmanas que não conseguem esconder indiscutíveis traços cristãos, como os seus olhos azuis. Isto faz com que seja educado na religião muçulmana, principalmente em casa de Hamid, um alfaqui disfarçado, ao mesmo tempo que recebe mais atenções do que o normal da parte dos cristãos, que vêm nas suas feições e na sua ascendência paterna uma grande esperança para a evangelização.

Esta ambiguidade, embora lhe salve a vida por diversas vezes, vai-lhe trazer maioritariamente problemas, uma vez que entre os muçulmanos é conhecido como "o nazareno" e é um alvo fácil para as desconfianças daquele povo renegado; enquanto que entre os cristãos, não deixa de ser mouro, o que lhe dá um estatuto social praticamente inexistente. Ao longo do livro assistimos à luta de Hernando, que se encontra quase que encalhado entre as duas religiões (mesmo no final do livro, literalmente encalhado entre duas... religiões), ora a lutar com unhas e dentes pela sua fé verdadeira, a muçulmana, ora a apresentar-se como o mais cristão dos cristãos, para passar impune aos olhos da sociedade cordovesa.

Hernando, enquanto personagem, é um dos grandes trunfos do autor neste romance, a par das boas descrições e da excelente reconstituição histórica, pois ao contar a história do ponto de vista de um muçulmano integrado numa sociedade cristã à força, permite que se tenha uma visão bem diferente da mais habitual, a visão cristã, que nos diz que os mouros eram um povo terrível e sanguinário, hereges que atentavam diariamente contra a palavra de Deus. Neste livro podemos ver como a única diferença entre os mouros e os cristãos era não estarem no poder. Ambos os povos eram igualmente sanguinários, brutais e mais anti-convicções-do-inimigo do que pró-as-suas-próprias-convicções.

Vemos como Hernando, que cresce com a obra, se vai apercebendo disso mesmo, lutando cada vez menos pela imposição da fé muçulmana, e cada vez mais pela convivência pacífica de ambas as religiões, ao tentar uni-las através de um elo de ligação, um qualquer ponto de ambas as doutrinas que esteja em comum, uma tarefa que não se vai revelar fácil e que tem, logo à partida, poucas probabilidades de sucesso.

Um excelente livro, que retrata na perfeição a luta de religiões, muito bem enquadrada em termos históricos, e que demonstra quase matematicamente, página a página, a inutilidade desta mesma luta, que só leva a mortes e a derramamento de sangue, ambas as coisas sem qualquer sentido, e justificadas perante uns e outros com ténues explicações baseadas em conceitos vãos, como meras desculpas para chacinas verdadeiramente estúpidas.

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