sábado, 6 de outubro de 2012

Ler em tempo de crise


Finalmente uma crónica aqui no blog sobre a crise. Sinto-me um estóico resistente por ter demorado tanto tempo a escrever algo directamente relacionado com este assunto. Mas está na altura.

É que a crise é tão falada porque afecta realmente tudo. A leitura não é excepção. Com tantos cortes e desgraças económicas e sociais afins, gastar entre 15 a 20 euros para comprar um livro torna-se um autêntico luxo. Eu que o diga. Além de leitor compulsivo, gosto de comprar livros. Poucas são as coisas que me satisfaçam mais do que passar uma tarde rodeado de estantes repletas de livros, a folhear, a reconhecer nomes e a descobrir títulos, a descartar hipóteses e a criar uma lista mental do que gostava de ler, ainda que essa lista seja normalmente demasiado longa para eu me lembrar do início, quando a acabo, se é que alguma vez a acabo verdadeiramente.

E agora com esta história da crise, o dinheiro escasseia e guarda-se mais religiosamente que a água, um bem aparentemente inesgotável. Quando antes uma pessoa normal podia acordar e decidir que ia a uma livraria comprar um livro, sem que nenhum mal viesse ao mundo, essa decisão actualmente não é tomada de ânimo leve. A maior parte das vezes nem sequer é tomada.

A leitura, como todas as outras vertentes culturais, é normalmente a primeira a sofrer, nestas coisas. Ir a concertos, a museus, comprar livros, CDs ou DVDs, entre outras coisas do mesmo estilo, são vistas como coisas secundárias, e acabam por o ser de facto, quando postas em jogo com a alimentação, por exemplo. É mais ou menos verdade que Erasmo de Roterdão disse que quando tinha dinheiro, comprava livros, e com o que sobrava, comprava comida, mas nem toda a gente é assim.

Mas... Será que isto é assim tão verdade? Será que ler é assim tão caro? Pois bem, eu acho que é uma pergunta complicada. Toda esta conversa que se segue pode ser aplicada, com as devidas adaptações a qualquer outra vertente cultural, mas limitar-me-ei à literatura, que conheço melhor.

Eu pessoalmente acho sinceramente que ler nunca foi tão barato. Não posso falar muito quanto a outras regiões do país, mas em Lisboa proliferam os sítios onde se vendem livros baratos e bons! A cada meia dúzia de estações de metro, há uma banca. Em alguns sítios estratégicos, como na estação do Oriente, há feiras como aquela em que comprei um livro do David Soares relativamente difícil de encontrar, por 2.5€, feira essa em que também vi livros recentes e livros de qualidade, não só de conteúdo como de edição, a preços irrisórios, muitas vezes um terço ou um quarto do preço de loja.

E já mencionei as bibliotecas? Mais uma vez limito-me a Lisboa, mas ainda no outro dia me inscrevi, e ganhei acesso imediato a um catálogo extenso de obras antigas, recentes, conhecidas, obscuras... Demasiados para que eu consiga digerir com facilidade a quantidade de livros que agora tenho disponíveis para ler!

Não quero com isto dizer que ler é barato. Se quiserem andar sempre em cima das novidades e não forem fãs de livros usados (ainda que em perfeito estado), têm a vida complicada. Mas se não se importarem de ter um livro nas mãos uns meses ou uns anos depois da sua publicação, se não forem excessivamente picuinhas com a quantidade de pessoas que já manuseou os livros, e ainda se estiverem à vontade com o inglês... ler é baratíssimo!

Sou capaz de ir a qualquer altura a uma Fnac e de sair de lá com 10 livros nas mãos sem ter chegado a gastar 40 euros. E livros de qualidade, ainda para mais. Se esperar pela Feira do Livro, há lá Argonautas a 1 euro. Se não quiser gastar dinheiro de todo, posso ir agora mesmo ao catálogo das bibliotecas de Lisboa escolher 5 livros que queira ler e pedir que sejam entregues na biblioteca que me der mais jeito, para requisitar e reservar, ficando assim 1 mês para ler 5 livros sem qualquer encargo.

E tudo isto sem falar nas mais diversas iniciativas, como a da Biblioteca Orlando Ribeiro, de troca de livros, e muito menos de empréstimos de amigos... Todos nós, leitores assíduos, conhecemos pelo menos 1 pessoa com toda uma biblioteca que provavelmente não se importa de disponibilizar, da mesma forma que nós disponibilizamos a nossa.

Com tanta coisa, ler em tempo de crise acaba por se tornar mais fácil, pois as pessoas tornam-se mais criativas e mais engenhosas no que toca a arranjar livros para ler. Acho que nunca estas coisas me correram tão bem como nos últimos tempos, em que cada vez tenho menos dinheiro para gastar em livros.

Só consigo pensar no potencial que estes hábitos criados à força têm para um futuro mais desafogado que espero, tal como todos, esteja aí a chegar...

5 comentários:

Sara disse...

O preço dos livros em Portugal é um absurdo. Para mim isto é um facto, agora quem gosta realmente de ler arranja sempre alternativas. Eu passei a comprar muito mais usados do que novos e não sou nada picuinhas: já comprei livros com páginas a cair, quase sem capa...Aproveito toda e qualquer promoção inclusive feiras do livro. Passei a estar muito mais atenta. Também há muitos livros que peço emprestados. Consigo poupar porque lá está, não sou picuinhas em relação ao estado dos livros e não tenho grande interesse nas novidades à excepção de um ou outro livro...Acaba por depender muito do genéro de leitor que somos.

cumps

Rui Bastos disse...

Sim, obviamente, os preços são de uma forma geral um verdadeiro absurdo, concordo plenamente... Mas é como dizes, quem gostar mesmo de ler arranja alternativas, e foi isso que tentei transmitir neste texto.

Falo por experiência própria, que cada dia me espanto mais com as coisas que descubro em feiras e afins!

Unknown disse...

Concordo "gastar entre 15 a 20 euros para comprar um livro torna-se um autêntico luxo." Mas também é uma grande verdade quando dizes que existem biblioteca e alternativas acessíveis para quem quer ler.
Ter uma biblioteca privada em casa é um luxo, mas acredito que a cultura ainda está ao alcance de todos :)
A Educação, já é outra história... :P

Unknown disse...

Olá,
Concordo com tudo. Se bem que eu tive um percurso um pouco diferente: ao longo da minha infância, adolescência e mesmo durante os primeiros anos da idade adulta não tinha grandes hipóteses de comprar livros. Se me esticava um mês e comprava um ou dois livros havia coisas que ficavam por comprar. Por isso fico espantada (e feliz) por ver que tanta gente nova compra livros. Actualmente não posso dizer, felizmente, que não posso comprar os livros que me apetece mas já não tenho tempo para os ler. Por isso e como a crise é mesmo para todos opto por não comprar (quase) nada até acabar de ler tudo o que tenho lá por casa... e como sou completamente a favor da troca de livros com os meus amigos, provalvelmente consigo passar anos sem comprar um livro novo (mas não vou resistir, óbvio)

Rui Bastos disse...

Liliana, é exactamente isso... Eu pessoalmente tenho a sorte de ter montes livros em casa que já cá estavam antes de eu nascer, ou coisa que o valha... Vantagens de ter uma mão de Letras :) E nem vou entrar nessa discussão da Educação, já quase que dou isso como uma causa perdida xD

Patrícia, infelizmente já não compro tantos, mas ainda compro mais do que a maioria das pessoas da minha idade, porque enfim, leio. E esse tipo de esquemas facilita sempre as coisas :)