terça-feira, 30 de outubro de 2012

O Fado da Sombra

Título: O Fado da Sombra
Autor: Filipe Faria

Sinopse: Os deuses estão mortos, e a sua queda deixa Allaryia à beira de uma espiral de desordem e destruição. As sementes dos planos d'O Flagelo germinam em segredo, e Aewyre Thoryn e os seus companheiros são os únicos que estão cientes da insidiosa ameaça, bem como os únicos em condições de a combater. Dá-se então início a uma desesperada corrida contra o tempo, enquanto servos renegados de Seltor conspiram para levarem a cabo a queda de Ul-Thoryn. Uma ameaça de tempos imemoriais acerca-se entretanto da Pérola do Sul, ameaçando cortar pela raiz a resistência contra O Flagelo. A norte, ventos gélidos prenunciam a guerra iminente e uivos nas serranias norrenas anunciam o despertar de um poder anciano, que tanto poderá ser a salvação dos reinos humanos, como a sua ruína derradeira. O ponto de viragem da Oitava Era, após o qual nada será como dantes em Allaryia, é o penúltimo capítulo da saga, que neste sexto volume levanta a parada num inesquecível épico de acção e aventura.

Opinião: Maior guerra que a que se ameaça abater sobre Allaryia, foi a que eu tive para ler este livro, e maior ainda será a que vou de certeza ter para ler as 600 páginas do próximo e último volume. A leitura não foi complicada, e não acredito que a próxima o seja, e este sexto livro é, até agora, o meu favorito, confirmando a qualidade ascendente da saga, o problema foi o de sempre: falta de tempo.

Parecendo que não, e com alguma pena minha, a minha vida não é só ler. E embora tenha tido um início de semestre deveras tranquilo, as coisas começam a apertar e ameaçam estrangular ligeiramente nos próximos tempos. Daí ter levado 2 semanas a ler este e levar provavelmente outras 2 (e tal) a ler o próximo.

Mas isso não importa. O que interessa realmente é que as coisas começam a encaixar umas nas outras! Após 5 livros de porrada, demandas, sangue e tripas, inimigos caídos que regressam, companheiros separados e um vilão de desígnios completamente inescrutáveis, começa-se a ver... algo. Ao início não se percebe absolutamente nada, tão intrincados e retorcidos estão os fios narrativos, mas vê-se claramente que a história está a tomar uma certa direcção. Lá mais para o fim começa-se a perceber, e eu nesta segunda leitura topei demasiado bem qual é a essa direcção, algo que me tinha escapado por completo na primeira... A capa do último livro ajuda a perceber, também, se estiverem curiosos!

É que finalmente as coisas começam a encaixar, a fazer sentido, todas a alinharem-se na antecipação daquilo que promete ser um final absolutamente estrondoso! Embora seja ligeiramente previsível. Pelo menos algumas partes. Não interessa! Eu sempre fui fã do Filipe Faria, mas cada vez gosto mais dele... Aquilo que começou por ser uma história quase infantil e aleatória é agora uma história sólida com desenvolvimentos marcantes e reviravoltas de suster a respiração. As personagens continuam a ser a melhor parte (SELTOR! SELTOR! SELTOR!), bem trabalhadas, algumas hilariantes, algumas assustadoras, todas a funcionarem bem umas com as outras, e com uma profundidade psicológica apreciável, em contraste com as mentes lineares que demonstravam no início, em particular no primeiro livro.

Com tanta coisa que já foi acontecendo ao longo destas (eu contei) 3086 páginas, as personagens amadureceram, amarguraram, endureceram e enlouqueceram. O que, do meu ponto de vista, apenas pode significar que se tornaram mais interessantes. Sejamos honestos, personagens felizes da vida, a cantarolar canções de amor de mãos dadas com as suas caras metades, enquanto saltitam alegremente por prados verdejantes raramente são interessantes. As melhores são as personagens loucas e amarguradas, as maléficas e cruéis, as ambíguas e imprevisíveis! E nesse campo, as Crónicas de Allaryia estão bem entregues. Entre Seltor, que é para mim a melhor personagem e o melhor aspecto desta saga, e Culpa, uma personagem absurdamente genial, ainda há espaço para uma quantidade enorme de personagens interessantes.

Já para não falar da escrita, mais madura e bem trabalhada, violentamente melhorada em relação aos primeiros livros, em especial ao primeiro. Filipe Faria já ameaçava ser um bom escritor, ainda que não tremendamente literário e a léguas de um David Soares ou de um Gonçalo M. Tavares, só para citar nomes mais recentes, escreve bem, é capaz de construir uma boa história e a de a desenvolver em condições, mesmo que a tenha começado com alicerces algo periclitantes. Nesse aspecto em particular, os meus sinceros parabéns ao autor.

Para terminar queria só dizer que este livro tem um tremendo defeito. Um defeito absolutamente horrível e doloroso, um defeito capaz de me magoar fisicamente, um defeito tão execrável e pestilento que nem tenho palavras para o descrever. É que após estes 6 livros relidos, e com a história fresquíssima na cabeça, este penúltimo volume deixou-me extremamente curioso para ler a conclusão. Quando digo extremamente não estou a exagerar. Se a curiosidade fosse uma ideologia política, eu era um fascista anarquista, neste momento. Espero que compreendam a dor que é começar a ler este livro em vésperas de ter 4 testes, 2 laboratórios, um projecto e um mini-teste em 10 dias.

Só sei que vai valer a pena.

sábado, 27 de outubro de 2012

Troca de Livros na Orlando Ribeiro


Eu já há algum tempo que sou fã desta biblioteca, nem que seja por ser aqui que se tem realizado o Fórum Fantástico. Mas foi depois de descobrir a iniciativa da Troca de Livros que me rendi incondicionalmente.

É simples, na última semana de cada mês há umas mesas com livros em cima, nesta biblioteca. As pessoas vão lá, deixam livros seus e levam livros diferentes para casa. Podem simplesmente levar ou simplesmente deixar, mas ir lá e trazer um livro sem deixar nenhum em troca não me parece boa coisa.

Eu pessoalmente já beneficiei de 4 livros. "Os Anagramas de Varsóvia", de Richard Zimler, "O Príncipe e o Pobre", de Mark Twain, "O Dragão de Sua Majestade", de Naomi Novik, e "Viagens ao fundo dos mares", de Jean Albert Föex.

Aproveitem! É uma excelente oportunidade para se desfazerem de livros que não gostaram, por exemplo, e dos quais alguém pode vir a gostar, ao mesmo tempo que ganham livros novos para ler. Se isto não é uma oportunidade vantajosa, não sei o que vos diga!

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Ciência e Literatura


A minha antiga escola deu início a um projecto chamado E o céu aqui tão perto, sobre o diálogo entre a Ciência e a Literatura, e fui convidado a dizer umas palavras para o arranque da iniciativa, no passado dia 18. Como devem imaginar, ter a oportunidade de ir falar sobre Ciência E Literatura foi mais do que suficiente para me deixar, digamos, feliz da vida.

Devo dizer que acho o projecto extremamente interessante, e tenho muito pena de não ter tido algo do género quando lá andei. Houve outras coisas, como é óbvio, que também apreciei bastante, mas este era o tipo de projecto capaz de me enlouquecer ligeiramente, de tão espectacular.

Espero apenas que os alunos das turmas envolvidas, bem como toda a escola, aproveitem bem esta rara ocasião de cooperação entre áreas e de entendimento entre a Ciência e a Literatura, que não é complicado, de todo... Apenas faltam as "pontes", pessoas como eu, por exemplo, passe a arrogância. Alguém de Ciências apaixonado por aquilo que faz, e igualmente apaixonado por Literatura. Ou o caso inverso. Alguém ou alguma coisa que facilite a troca de ideias entre alunos de ambas as áreas, para que percebam que não são duas zonas do conhecimento que se excluam uma à outra. Antes pelo contrário!

Acho que o melhor é mesmo deixar-vos com o texto que preparei para este dia:

As diferenças entre a Ciência e a Literatura dificilmente podiam ser maiores. Se por um lado as Ciências exigem rigor, objectividade e o seguimento de regras exactas, as Letras são muito mais liberais, subjectivas e com uma certa tendência para o desprezo pelas regras. E no entanto são duas áreas que não só se misturam frequentemente, como o fazem facilmente, devido a uma série de pontos comuns que as ligam apesar das diferenças.

Por exemplo, de um lado temos a Matemática e do outro a Poesia. Duas coisas tão absurdamente diferentes que a maior parte das pessoas falha por completo em ver as semelhanças. Afinal, o que é que Euler e Gauss podem ter a ver com Pessoa e Poe? Aparentemente, nada. Mas qualquer professor de Matemática que se preze vos pode falar da beleza quase poética que a Matemática pode ter, assim como qualquer professor de Português vos pode atormentar com o rigor quase matemático que a Poesia pode ter.

Ou seja, não é complicado. Literatura e Ciência, Ciência e Literatura… Uma coisa não exclui a outra, antes pelo contrário. E há uma área em particular que é tão misteriosa e tão sublime que só um esforço conjunto destas duas áreas a pode entender minimamente. Falo da Astronomia. É impossível compreender o Universo sem fazer uso de uma Física extremamente complicada que escapa ao entendimento da maioria das pessoas, mas é também impossível descrever as maravilhas nele contidas sem ter que recorrer à subjectividade e criatividade específicas das Letras.

É complicado de perceber e de conceber que nós e tudo o que nos rodeia é constituído por elementos químicos que foram formados em vários tipos de reacções no coração de uma estrela, mas se a acompanhar isto se disser que “somos todos feitos de poeira estelar”, pouco mais é preciso dizer. Por outro lado, tentar explicar por palavras o que é um buraco negro ou o que é o infinito não é fácil, mas há equações que descrevem o primeiro e trabalha-se frequentemente com o segundo nos diversos ramos da Ciência.

Pessoalmente acho que é algo complicado de explicar, mas a Astronomia, para mim, é um exemplo perfeito da união e da complementaridade de ambas as áreas. Ainda para mais quando essa sintonia resulta num género literário como a Ficção Científica, do qual sou um aficionado e que já me providenciou das melhores leituras da minha vida. Livros como 2001 – Odisseia no Espaço, de Arthur C. Clarke, são para lá de geniais… Este em particular é uma verdadeira obra-prima da literatura, com algumas das melhores descrições do espaço que eu já li. A forma como o autor nos faz viajar por entre as estrelas, como se estivéssemos de facto a espreitar pela janela de uma nave espacial é divinal. E o livro tem um rigor científico fora do comum para uma obra de ficção.

Já para não falar de Júlio Verne e dos seus livros Da Terra à Lua e À Roda da Lua, com uma Ciência minimamente plausível e descrições espaciais, nomeadamente lunares, simplesmente fascinantes e perfeitas. E a quantidade de livros sobre os quais ainda podia falar torna ridícula a ideia de que a beleza não existe na Ciência, ou de que a Literatura é incapaz de captar a sua essência. Porque ambas as áreas não passam de duas faces da mesma moeda, ou de duas abordagens diferentes para fazer exactamente a mesma coisa: perceber o Mundo que nos rodeia.

Isto leva a que da mesma forma que posso dizer que há poucas coisas tão diferentes como a Literatura e a Ciência, posso também afirmar sem qualquer peso na consciência, que ainda é mais complicado encontrar duas coisas que sejam, ainda assim, tão semelhantes.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Biblioteca Digital do DN


Uma iniciativa tremenda do Diário de Notícias. É só registarem-se no site e irem lá de vez em quando buscar uns contos inéditos de autores portugueses. De David Soares a João Barreiros, passando por João Tordo e Rui Zink, entre outros tantos, a diversidade e qualidade dos nomes é fenomenal. Aproveitem!

sábado, 20 de outubro de 2012

O tamanho das Crónicas


Por mais espectacular que esta saga se esteja a tornar com o passar do tempo, nada lhe tira o seu tamanho a tender para o descomunal. Há sagas bem maiores (estou a olhar para ti, Robert Jordan, com os teus 15 volumes de A Roda do Tempo), mas estes 7 livros em que o mais pequeno tem 444 páginas são grandes o suficiente.

É que eu, muito sinceramente, não tinha esta ideia. Já andava a planear fazer esta releitura para ter uma leitura decente do sétimo e último volume, mas pensava que despachava cada livro no máximo em 3 ou 4 dias. Qual quê! Quando me pus a ler o primeiro ainda fui de férias, durante as quais pouco li. O segundo foi de facto mais rápido, mas por altura do terceiro já as aulas estavam a começar. Foi o descalabro. Esse, o quarto e o quinto levaram-me pelo menos 1 semana a ler, e este sexto promete arrastar-se ainda mais.

E já nem falo do sétimo volume, que pelas minhas contas vai cair mesmo em cima dos 10 dias mais maravilhosos de sempre, em que tenho 4 testes, 2 dos quais ao Sábado e todos eles provavelmente a horas indecentes, 1 trabalho para fazer e sei lá mais o quê. Não me estou propriamente a queixar de ter tanta coisa para fazer, assim é que eu gosto, com pressão e tudo, para sentir que estou de facto a trabalhar. Estou-me a queixar que para isso, tenha que perder tempo de leitura. Muito tempo de leitura.

Já me tinha acontecido algo parecido quando me decidi a fazer a minha Temporada Épica. Achei muita piada à ideia de ler Os Lusíadas, o Beowulf, Fausto e A Divina Comédia todos seguidinhos, "ah e tal, isto num mês despacho isto". Ingénuo. Tolo. Idiota. Demorei quase 3 meses a ler tudo. Claramente não sabia o que me esperava.

Com estas Crónicas está-me a acontecer mais ou menos o mesmo. Tinha planeado ler tudo em, vá, 2 ou 3 semanas. Passado quase 2 meses (comecei as leituras no início de Setembro, as opiniões é que só começaram a aparecer no fim), ainda cá ando. E relativamente longe de acabar.

Tendo dito isto, não me arrependo minimamente do que estou a fazer. É verdade que estou a morrer um bocadinho por dentro todos os dias, ao ver as minhas prateleiras de livros a ler a encherem em vez de esvaziarem, o que é ridículo, tendo em conta que já nem sequer compro livros, mas esta releitura está a valer pena cada segundo cada vez mais mais valioso que gasto.

Não digo que seja como estar a ler livros diferentes, mas tenho definitivamente uma perspectiva bastante diferente dos livros, o que me leva a ter uma segunda leitura e uma segunda opinião que pode divergir bastante da primeira. Basta ver o caso do primeiro livro, que na altura adorei e delirei por completo, e que agora achei abaixo de mediano, safando-se apenas se se tiver em conta a tenra idade do autor na altura e a minha afeição especial pela saga em si. Nisso e no agora notório aumento de qualidade proporcional do número do volume, algo que não tinha achado da primeira vez.

Ou seja, isto tudo só para dizer que parece que nunca mais acabo de ler as Crónicas, o que é verdade, e que estou em pulgas para começar a desbaratar as minhas estantes, o que é ainda mais verdade, mas que não me arrependo desta ideia como em certa altura me arrependi ligeiramente de quando me pus a ler as epopeias. Foi um processo muito mais moroso e foram leituras extremamente mais complicadas.

Filipe Faria está-se a tornar num dos meus autores portugueses favoritos, não ao nível de Saramago ou de David Soares e João Barreiros, nunca na vida, mas um escritor de qualidade, um pioneiro do género em Portugal, e claramente um autor que ainda tem potencial para muita coisa, o que me tira o ligeiro peso na consciência que tinha por estar a gastar tanto tempo com os seus livros.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Porquê reler?


Uma grande questão que já me pus a mim mesmo muitas vezes, é exactamente esta do título. Porquê reler um livro? Se já foi bom, já foi bom, se já foi mau, já foi mau, se já foi indiferente, já foi indiferente, acabou!

Que lógica tão... palerma. Há uma carrada de motivos para alguém reler um livro. Por exemplo, eu já li a Trilogia d'O Senhor dos Anéis. Há uns 6 ou 7 anos, tinha eu uns 12 ou 13. Alguém no seu perfeito juízo acha que eu me lembro de alguma coisa? Nem é tanto por ter sido há meia dúzia de anos, é mais por serem 3 livros densos e pesados, com uma escrita e uma temática complicada, que eu li no início da adolescência... Não ficou cá nada, por muita coisa que eu diga.

Outro motivo é aquele que me levou a cometer a loucura de reler As Crónicas de Allaryia todas. Não é que não me lembre da história, mas não me lembro dos detalhes. E pôr-me de repente a ler o sétimo e último volume, ia ser como cair de pára-quedas já quase no fim da saga. E isso claramente não pode suceder.

E há ainda um terceiro e um quarto motivo, que me deixam curioso para reler alguns livros: o facto de ter crescido e (teoricamente) amadurecido, e o ler na língua original. O primeiro deixa-me com vontade de reler coisas como A Aparição, de Vergílio Ferreira, e até mesmo O Principezinho, do Exupérry, pelo simples facto de querer comparar a minha leitura de agora com a leitura de há uns anos, e ver se a opinião se mantém ou quão diferente é.

Já o querer ler um livro na língua original, depois de o ter lido na versão portuguesa, tem motivos ligeiramente diferentes. Falando por experiência própria, é sempre diferente, e acho que é sempre melhor, ler algo na língua original. Acho que é uma leitura mais fiel, pois uma tradução já implica, de certa forma, uma adaptação. Eu próprio já traduzi vários textos, por diversos motivos, e não é um trabalho nada objectivo... E nestas coisas, basta optar por uma palavra em vez de outra, que sem alterar o seu significado, se altera de certa forma a frase a ideia original do autor.

Mas sinceramente, este último caso já não considero propriamente uma releitura. Para mim é quase como se fossem 2 livros diferentes. Pode até acontecer que as leituras não sejam muito diferentes, como foi o caso do Flatland, que li primeiro em português, e uns anos depois em inglês, mas há autores que são quase intraduzíveis... Não acredito que se ler o Este País Não É Para Velhos, do Cormac McCarthy, na sua versão original, a leitura seja a mesma, de todo. Tem um estilo demasiado peculiar para isso. Digo o mesmo do Carrie, do Stephen King. E deste autor posso adiantar mais! Não li ainda nenhum livro dele nas duas versões, mas já li coisas em português e coisas em inglês, e é muito diferente. É bastante mais agradável ler em inglês...

Portanto, tirando este caso particular, fico com pelo menos 3 motivos que me parecem bastante válidos para uma releitura. Podia talvez acrescentar o facto de ser um livro tão bom que volta e meia apetece pegar nele. Mas tal nunca me aconteceu, provavelmente porque todos os livros realmente bons que tenha lido, li-os nos últimos anos, não tive tempo para ter, vá, saudades. Ainda por cima com tanto livro promissor à minha espera!

Falando da releitura da Crónicas do Filipe Faria, tem sido uma experiência de que certeza não me vou arrepender, apesar de serem livros grandes o suficiente para me fazerem demorar mais tempo do que gostaria a acabá-los, agora com as coisas da faculdade a começarem a precisar de serem feitas. Mas a verdade é que estou a gostar muito mais desta leitura. O primeiro livro, que tinha adorado, achei abaixo de mediano. Muito abaixo. Mas a partir daí tem sido sempre a subir, com o quinto, Vagas de Fogo, a ser de facto um bom livro. Como é óbvio, isto deixa as minhas expectativas para os últimos dois bem lá em cima...

Ou seja, isto tudo para dizer que há muitos e bons motivos para se dar início a uma releitura. Pode parecer contra-intuitivo, tanto livro para ler e ainda perder tempo a reler alguma coisa, mas eu pessoalmente ainda não encontrei nenhuma releitura que tenha considerado tempo perdido.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Vagas de Fogo

Título: Vagas de Fogo
Autor: Filipe Faria

Sinopse: As Crónicas de Allaryia são já um clássico da high fantasy portuguesa, aproximando-se, com este quinto volume, do furioso clímax da odisseia iniciada cinco anos atrás. As hostes d'O Flagelo despertaram do seu torpor e estão de novo à solta no continente. A Cidadela da Lâmina foi arrasada. Sirulia foi posta a ferro e fogo. Aves de mau agouro sobrevoam Nolwyn, enquanto Ul-Thoryn começa os preparativos de guerra contra Vaul-Syrith. Neste novo capítulo das Crónicas de Allaryia, os companheiros que deram início a uma quase ingénua demanda n'A Manopla de Karasthan estão separados, perdidos, desesperançados. Embora poucos o saibam, a esperança reside em Aewyre Thorin, mas cada um dos companheiros terá um papel a desempenhar no vindouro conflito, encontrando-se porém privados do poder da sua união. Perseguidos por algozes do seu passado, deixados à deriva em terras desconhecidas, ou aprisionados entre inimigos que julgavam amigos, vêem-se confrontados com a iminente imersão de Allaryia nas trevas que todos já julgavam desbaratadas. Porém, Seltor, o precursor destas, aprendeu com os erros do passado e os seus propósitos não mais parecem os mesmos; ou pelo menos, não aparentam de todo ser o que dele se espera...

Opinião: Com a saga a melhorar a cada volume que passa, este Vagas de Fogo é, até agora, o que achei melhor escrito e que tem a história melhor explorada. E só não digo desenvolvida, porque há momentos em que a coisa se arrasta um bocado.

Aquilo que eu mais me lembrava de ter achado pior aquando da minha primeira leitura, foi a dispersão das personagens e, consequentemente, das linhas narrativas. Algo que já tinha sucedido no quarto volume e que neste apenas se acentua, com 6 ou 7 linhas narrativas ao mesmo tempo. Isto traz óbvios problemas no que diz respeito ao seguimento das personagens. Há algumas, deveras interessantes, até, que aparecem 4 ou 5 vezes ao longo do livro, em capítulos pequenos e quase ingratos.

Mas nem é assim tão mau. Do que me lembrava, pensei que estivesse pior. Apesar da história dispersa e dos cenários tão díspares que parecia que estava a ler 2 ou 3 livros diferentes ao mesmo tempo, o autor conseguiu lidar bem com a situação. Claramente mais maduro, tanto a esse nível como a nível de escrita, Filipe Faria mostra muita qualidade neste livro, uma característica que tem vindo a aumentar de volume para volume. Mas acho que é também possível ver que ainda há potencial, e que tanto o escritor como as Crónicas ainda podem melhorar...

E afinal qual é que é a melhor parte deste livro em particular? Não me lembro se já aqui mencionei a minha afeição especial pelo grande vilão, Seltor, mas SEEEELTOOOOOR!! É uma personagem absolutamente fenomenal, e os seus planos vão cada vez mais ganhando forma e apontando numa direcção específica. Uma direcção absolutamente indecifrável, mas uma direcção. Não há uma única personagem no livro que faça a mais pálida ideia do que raio anda ele a maquinar, nem mesmo os seus servos mais próximos e leais. Quanto mais quem lê, não é verdade?

Eu pessoalmente tenho uma vaga ideia, mas parece-me demasiado estrambólica para ser verdade. E nem sei precisar qual é a ideia que tenho... Não consigo pensar em nada que faça verdadeiramente sentido. É demasiado estranho. Só posso ficar à espera dos desenvolvimentos e atestar a qualidade deste volume.

As personagens continuam como a melhor parte, claro. Seltor, enfim, nem digo mais nada. As outras são intrigantes, especialmente os maus da fita, mas muito sinceramente não tenho o mínimo de paciência para os amores e desamores das personagens. Basta a relação intempestiva entre o Quenestil e a Slayra... Aborreceu-me de morte.

Tirando isso, é um livro muito bom. E que apenas conseguiu acicatar a minha já de si gigantesca e acirrada curiosidade para saber o fim da saga. Só de imaginar que ainda me falta todo um livro até chegar ao último! Mas pelo menos é um livro em que vão acontecer umas coisas interessantes, se bem me lembro...

domingo, 14 de outubro de 2012

Máquinas de Fazer Livros


Eu já aqui teorizei que ler não fica assim tão caro, mas é apenas se nós, os leitores, formos diligentes e pacientes o suficiente para andar nas feiras de livros ou nas banquinhas aleatórias em busca de algo que nos interesse. De vez em quando também há umas promoções e algumas verdadeiras pechinchas em grandes livrarias, como a Bertrand e a FNAC, que não são nada de desprezar. Se juntarmos a esta diligência e paciência o à-vontade com o inglês, tem-se a vida facilitada.

Mas imaginem por um bocado que gostam de ter os livros assim que saem, novos e em português. Aí complicam-se as coisas. E eu não posso especificamente culpar as editoras ou as distribuidoras ou seja lá o que for, a única coisa que sei de facto é que não são os autores que se fartam de ganhar dinheiro com os seus livros... Mas eu pessoalmente culpo as editoras.

Há casos e casos, editoras e editoras, mas é cada vez mais visível a distinção entre editoras que são basicamente negócios, e editoras que mantêm o espírito que acho que uma editora deve ter, a paixão pelos livros que publicam. E uns indecisos pelo meio, vá.

Para o primeiro caso há um exemplo gritante, a Leya. Não digo que seja uma má editora, publica muitos livros de grande qualidade, mas não consigo gostar desta editora. É inevitável dar por mim a pensar nela e não a imaginar como uma gigantesca máquina de fazer livros. É que a Leya foi uma editora de crescimento bastante rápido, em virtude da sua tendência a comprar editoras menores, que deu início a uma lenta mas firme monopolização do mercado. E isso é perigoso.

Enquanto leitores, corremos o risco de ver o mercado dos livros completamente dominado por uma ou duas editoras. Pior que isso, por editoras, como a Leya, que se me afiguram como negócios especializados em produção e venda massiva de livros, do que quer que seja que esteja à mão. É um caso em que, para mim, a editora ultrapassou o tamanho que uma editora deve ter.

Eu compreendo que todas as editoras sejam, na prática, um negócio. Ninguém abre uma editora com o objectivo de ter prejuízos. Mas há editoras e editoras.

No espectro oposto ao da Leya, não posso deixar de referir a Tinta da China. É uma editora bem mais pequena (em termos de feira do livro, é uma banca contra uma catrefada delas ao dispôr da Leya), e que não é propriamente barata, comparativamente aos preços de outras editoras, mas ainda não encontrei um único livro desta editora que não tivesse uma edição cuidada e simplesmente espectacular. Todos os livros editados por esta chancela são aprimorados ao detalhe, sempre com um aspecto gráfico fenomenal. E publica coisas variadas, desde as crónicas do Ricardo Araújo Pereira, a clássicos intemporais.

Paixão pelos livros e pela literatura. É disso que se trata. A Leya é uma grande máquina despersonalizada, que parece apenas tentar sugar o maior número possível de livros para os poder produzir aos lotes e pôr à venda, quase todos com o mesmo aspecto e acabamento algo... banal. Por outro lado, a Tinta da China parece ter cuidado com o que publica, tratando cada livro como uma obra em si, soltando no mercado livros mais cuidados, com melhor aspecto e com grande qualidade de uma forma geral.

Mas é óbvio que há casos intermédios. 2 casos em específico chamam-me a atenção, nesta categoria: a Saída de Emergência e a Bertrand. A primeira tem a vantagem, chamemos-lhe assim, de publicar maioritariamente para um nicho de leitores, apostando forte na vertente Fantástica, embora venha cada vez mais a diversificar o seu catálogo. Nota-se que é uma editora em que os seus responsáveis gostam de facto deste género de Literatura e se esforçam por transmitir isso aos leitores, mas depois gostam de publicar coisas Twilightianas; costumam dividir livros grandes em 2 volumes, fazendo com que tenhamos que pagar à volta de 30 euros por algo que se pode comprar por 12, em inglês; e não é, de uma forma geral, muito barata.

Tem promoções óptimas, que aparecem do nada, e uma sempre em vigor no seu site, que oferece um livro na compra de quaisquer outros 2, além de ter iniciativa da revista Bang!, mas tem pormenores que não me deixam apreciar o seu trabalho como gostaria, especialmente tendo em conta que é a editora que tem publicado as obras do David Soares... Ainda por cima o ano passado, na Feira do Livro, aconteceu algo deveras desagradável. Uma das pessoas na banca da editora, disse-me que um determinado livro não fazia parte de uma promoção porque vendia muito. Literalmente. Não foi de certeza a única a pensar assim, mas foi a única que encontrei que cometeu o erro (inocente, admito), de ter lá alguém a dar respostas destas.

E a Bertrand também tem assim umas coisas... São várias as sagas que já ouvi dizer terem sido interrompidas a meio, e só há uma razão para isso: não deram dinheiro. Compreendo a opção, mas é um desrespeito pelos leitores que investem, ainda que poucos, e que de repente têm que começar a procurar pelas continuações em inglês, isto se estiverem à vontade com a língua! É normal que estas coisas aconteçam, mas não acho que seja viável que uma editora desta envergadura se dê ao luxo de simplesmente começar uma saga e parar de repente. E isto para além de ser, de uma forma geral, cara, apesar das suas edições jeitosinhas. Por exemplo, um livro do Stephen King publicado pela Bertrand anda entre os 18 e os 25 euros, e em inglês, o mais caro que já comprei foi o It, por 10 euros. Um livro de 1376 páginas.

Enfim, já tanto falei e não cheguei a mencionar as editoras verdadeiramente pequenas, demasiadas para as enumerar, que procuram o seu nicho no mercado e que por causa disso se esmeram nos livros que publicam... Ainda que seja apenas uma questão de tempo até que a maior parte venda a alma à Leya.

Ainda tenho esperança que este panorama mude... Os livros em Portugal são caros, não há volta a dar. A desculpa dada pode ser a pequenez do mercado, comparado com os mercados internacionais, mas não me serve. A quantidade de livros que eu, e de certeza outros como eu, já compraram em inglês (e outras línguas) e em feiras é enorme. Ou seja, os leitores continuam a comprar livros, mas cada vez ignoram mais as editoras, especialmente as grandes, porque simplesmente não vale a pena. E enquanto as editoras não percebem isso, só se vão safando com os sucessos comerciais completamente incompreensíveis...

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Tolkien escreveu poesia épica!


Abençoado seja o blog Blogtailors, pois graças à notícia desse link descobri que Tolkien tem um poema épico inédito sobre os últimos dias do Rei Artur que vai ser publicado em 2013, e relembrei-me que já escreveu pelo menos outro, cujo nome não me recordo... Sou o único que está ao saltos, neste momento?

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Nobel da Literatura 2012: Quem?

Haruki Murakami? Philip Roth? O improvável Bob Dylan? Nada disso!

Mo Yan.

De nome Guan Moye (Mo Yan é o pseudónimo), este escritor chinês é o 109ª laureado com o Prémio Nobel da Literatura, uma honra apenas concedida aos melhores escritores de sempre.

Se percorrem a lista dos laureados, deparam com nomes grandiosos desde Kipling a Vargas Losa, passando pelo nosso Saramago, por Garcia Márquez, Camus... Uma lista quase interminável de grandes vultos!

Mas por entre esses nomes podem ver uma segunda lista à qual o laureado de 2012 é a mais recente adição: ilustres desconhecidos.

E sim, eu sei que são ilustres desconhecidos para mim, ou para a maior parte das pessoas, e que nos meios em que se discute alta literatura e não sei quê, devem ser falados e lidos e comentados... Mas convenhamos. Uma boa parte da lista é constituída por autores de quem muita gente nunca tinha ouvido falar. Eu sei que isso não quer dizer nada, o facto de ser maioritariamente desconhecido não quer dizer que não mereça o Nobel, e não quero de qualquer maneira implicar que Mo Yan não é um vulto da literatura, até porque nunca li nada dele.

Mas um pouco de investigação revela que este autor é bastante activo em termos políticos, e luta activamente contra isto e contra aquilo. Mais uma vez, isto não quer dizer nada, só por si. Mas a Academia Sueca tem uma certa... tendência, para estas coisas. Os autores premiados são muitas vezes activistas ferrenhos de uma causa ideológica qualquer e tecem frequentes comentários sociais, normalmente através das suas obras.

E isto não tem nada de mal, eu sinceramente não me dei ao trabalho de pesquisar quais são os "requisitos" para ganhar este prémio, mas se ser um crítico social duro e ter uma causa ideológica bem assente são dois factores necessários, sem nunca descurar a qualidade da escrita e das obras enquanto literatura, porque é que Orwell nunca recebeu o prémio? Ou Huxley? Ou Zamiatine, Bradbury e tantos outros, que não só eram escritores BEM acima da média, como tinham obras com uma forte componente de crítica social... Bradbury em particular foi dos escritores mais geniais de sempre, e conseguiu sê-lo em praticamente todas as vertentes da literatura!

Enfim. Não quero com isto menosprezar o laureado deste ano. Mas também não lhe quero dar demasiado valor. Sinceramente, cada vez tenho menos confiança neste prémio, e pergunto-me sempre quão influenciadas por políticas e afins são as escolhas...

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O Tempo em Allaryia


Uma das coisas mais difíceis de gerir quando se escreve uma história, é o tempo. Especialmente se for uma história da envergadura das Crónicas de Allaryia. E infelizmente, acho que o Filipe Faria tem momentos muito pobres, nesse campo.

O problema vai-se diluindo, com o passar dos livros, o que é compreensível. O autor e a sua escrita cresceram e amadureceram, o que se nota muito claramente ao longo da leitura dos vários volumes, mas há sempre alguns momentos que me fizeram confusão. Momentos que se tivessem sido manipulados por outros autores, teriam de certeza tido outro tratamento e deixado a experiência da leitura absolutamente incólume.

Os piores casos aparecem quando mais para trás na saga se andar, atingindo o expoente máximo, como seria de esperar, no primeiro livro. A Manopla de Karasthan, aquele que é para mim o livro mais fraco destas Crónicas, tem saltos completamente incompreensíveis. De um capítulo para o outro passaram 2 semanas, e os próximos 4 decorrem ao longo de 12 horas.

Isto não é grave e raramente é de facto importante, num livro. Simplesmente não se nota. Excepto quando acontece constantemente. Os saltos temporais das Crónicas são, na sua maioria, incoerentes e algo atabalhoados, especialmente nos primeiros livros.

Volta e meia tive aquela sensação de que algo não estava certo. Estas mudanças bruscas quebram bastante a fluidez da narrativa e o próprio ritmo da história. E quem é capaz de passar 5 ou 6 páginas a descrever uma luta de minuto e meio, vários vezes ao longo dos livros, não se pode dar ao luxo de em duas linhas dizer que se passaram 2 ou 3 semanas... várias vezes ao longo dos livros.

Ainda para mais quando os protagonistas estão separados e ora estou a ler um capítulo de 30 páginas sobre 2 dias de umas personagens, ora estou a ler um capítulo de 7 páginas sobre 2 horas de outra personagem, em que o narrador comenta ao de leve aquilo que essa personagem andou a fazer... nos últimos meses. Em meia dúzia de linhas.

É demasiado desconexo. Não é uma falha de maior e é um pormenor que facilmente leva a "erros" deste estilo. Contar uma história é difícil, contar uma história ao longo de 1 ano e tal ou 2 anos, com tanta coisa a acontecer... é extremamente difícil. E fazer isso tudo numa história que se começou a escrever aos 16 anos? Não é de todo uma tarefa fácil.

No entanto, e apesar de quebrar o ritmo de leitura e chamar a atenção para si própria, esta pequena falha não é um obstáculo de maior. Pode ser ligeiramente aborrecido, mas há coisas piores, não é verdade?

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A Essência da Lâmina

Título: A Essência da Lâmina
Autor: Filipe Faria

Sinopse: Pearnon, o Escriba, continua zelosamente a contar a história de um mundo que um dia foi seu, ao longo de incontáveis e conturbadas Eras desde a sua criação. No livro anterior, a dolorosa e sangrenta demanda que levou Aewyre Thoryn e os seus companheiros através de Allaryia, saldou-se numa pesada derrota, apesar de terem conseguido escorraçar os exércitos de Asmodeon, pois O Flagelo regressou das sombras. Agora que o pai de Aewyre morreu para salvar o próprio filho, este parte para a Cidadela da Lâmina, um inquietante local de segredos ocultos. O jovem princípio terá de aprender a dominar a Essência da Lâmina, que aprtilha com Kror, ou lutar por ela com o drahreg num combate até à morte. Perigos milenares penetram insidiosamente uma vez mais em Allaryia e as tramas urdidas pel'O Flagelo começam finalmente a revelar-se, e os pesadelos passados ameaçam tornar-se um perigo muito real no presente. A única esperança reside no êxito que Aewyre e os seus companheiros obtiverem nas suas missões. Mas será possível vencer entidades tão superiores às suas forças?

Opinião: Enquanto lia este livro, a minha estranha memória fez questão de se lembrar da impressão que tive aquando da minha primeira leitura. E ou muito me engano ou não apreciei particularmente este volume. Agora vejo que usando esta informação num silogismo quase infantil, se pode provar que sou parvo.

É que se há coisa que este livro não é, é fraco. E não é, de longe, e apesar no que disse na minha primeira opinião, o mais fraquito até agora. Esse lugar está e estará inequivocamente guardado para A Manopla de Karasthan, a não ser que o Oblívio esteja tão mau que me apeteça ir bater no autor, por ter perdido tanto tempo com a saga.

O livro tem defeitos, como é óbvio. A divisão do grupo de protagonistas, a juntar aos maus da fita e companhia, leva a que a narrativa se fragmente em 6 ou 7 frentes diferentes. As consequências são óbvias. Filipe Faria já pode ser considerado um bom autor, pela altura deste livro, mas com pouca experiência, o que faz com que a já de si difícil tarefa de seguir tanta gente, se torne ainda mais complicada.

Senti muitas vezes que já não via determinada personagem há muito tempo. É esse, para mim, o grande defeito deste livro. Há personagens desenvolvidas até à exaustão e cuja história é seguida passo a passo, há outras menos visíveis, e há outras ainda que permanecem desaparecidas durante centenas de páginas para aparecerem e ficarmos a saber do que andaram a fazer em comentários quase levianos do narrador...

Enfim, tirando isso, tenho a dizer que fiquei com pena que a Cidadela da Lâmina não seja um cenário para livros futuros, por razões óbvias para quem tiver lido o livro. As personagens que lá se encontraram são das melhores desta saga, relativamente ao tempo de antena total que tiveram.

E a minha suposição mantém-se. A qualidade da saga aumenta de forma exponencial com o número de livros... Este é capaz de ser o melhor escrito até agora, ainda que acabe por, de certa forma, estagnar alguns aspectos da história em prol de um mais profundo desenvolvimento de algumas coisas que o autor quis frisar. A escrita está cada vez mais madura e bem trabalhada, e a história começa a mostrar um claro propósito, uma evolução bem demarcada, se quiserem. Nota-se que há um lento caminhar para algo, neste livro mais do que nunca... Os planos de Seltor estão em marcha e isso é claramente visível, o que me agrada bastante, já que Seltor é para mim a melhor personagem e muito provavelmente o melhor foco de espectacularidade das crónicas.

Agora vejamos o que me aguarda no quinto livro... Confesso que destes 4 primeiros tinha memórias mais intensas do que dos próximos 2, dos quais apenas tenho vagas ideias de alguns momentos. Acho que isto só vai fazer com que consiga retirar ainda mais prazer destas releituras, para além de aumentar a ansiedade em chegar ao último, o único que ainda não li e que guarda dentro das suas páginas uma saga que me é especial e que acompanho há vários anos...

sábado, 6 de outubro de 2012

Ler em tempo de crise


Finalmente uma crónica aqui no blog sobre a crise. Sinto-me um estóico resistente por ter demorado tanto tempo a escrever algo directamente relacionado com este assunto. Mas está na altura.

É que a crise é tão falada porque afecta realmente tudo. A leitura não é excepção. Com tantos cortes e desgraças económicas e sociais afins, gastar entre 15 a 20 euros para comprar um livro torna-se um autêntico luxo. Eu que o diga. Além de leitor compulsivo, gosto de comprar livros. Poucas são as coisas que me satisfaçam mais do que passar uma tarde rodeado de estantes repletas de livros, a folhear, a reconhecer nomes e a descobrir títulos, a descartar hipóteses e a criar uma lista mental do que gostava de ler, ainda que essa lista seja normalmente demasiado longa para eu me lembrar do início, quando a acabo, se é que alguma vez a acabo verdadeiramente.

E agora com esta história da crise, o dinheiro escasseia e guarda-se mais religiosamente que a água, um bem aparentemente inesgotável. Quando antes uma pessoa normal podia acordar e decidir que ia a uma livraria comprar um livro, sem que nenhum mal viesse ao mundo, essa decisão actualmente não é tomada de ânimo leve. A maior parte das vezes nem sequer é tomada.

A leitura, como todas as outras vertentes culturais, é normalmente a primeira a sofrer, nestas coisas. Ir a concertos, a museus, comprar livros, CDs ou DVDs, entre outras coisas do mesmo estilo, são vistas como coisas secundárias, e acabam por o ser de facto, quando postas em jogo com a alimentação, por exemplo. É mais ou menos verdade que Erasmo de Roterdão disse que quando tinha dinheiro, comprava livros, e com o que sobrava, comprava comida, mas nem toda a gente é assim.

Mas... Será que isto é assim tão verdade? Será que ler é assim tão caro? Pois bem, eu acho que é uma pergunta complicada. Toda esta conversa que se segue pode ser aplicada, com as devidas adaptações a qualquer outra vertente cultural, mas limitar-me-ei à literatura, que conheço melhor.

Eu pessoalmente acho sinceramente que ler nunca foi tão barato. Não posso falar muito quanto a outras regiões do país, mas em Lisboa proliferam os sítios onde se vendem livros baratos e bons! A cada meia dúzia de estações de metro, há uma banca. Em alguns sítios estratégicos, como na estação do Oriente, há feiras como aquela em que comprei um livro do David Soares relativamente difícil de encontrar, por 2.5€, feira essa em que também vi livros recentes e livros de qualidade, não só de conteúdo como de edição, a preços irrisórios, muitas vezes um terço ou um quarto do preço de loja.

E já mencionei as bibliotecas? Mais uma vez limito-me a Lisboa, mas ainda no outro dia me inscrevi, e ganhei acesso imediato a um catálogo extenso de obras antigas, recentes, conhecidas, obscuras... Demasiados para que eu consiga digerir com facilidade a quantidade de livros que agora tenho disponíveis para ler!

Não quero com isto dizer que ler é barato. Se quiserem andar sempre em cima das novidades e não forem fãs de livros usados (ainda que em perfeito estado), têm a vida complicada. Mas se não se importarem de ter um livro nas mãos uns meses ou uns anos depois da sua publicação, se não forem excessivamente picuinhas com a quantidade de pessoas que já manuseou os livros, e ainda se estiverem à vontade com o inglês... ler é baratíssimo!

Sou capaz de ir a qualquer altura a uma Fnac e de sair de lá com 10 livros nas mãos sem ter chegado a gastar 40 euros. E livros de qualidade, ainda para mais. Se esperar pela Feira do Livro, há lá Argonautas a 1 euro. Se não quiser gastar dinheiro de todo, posso ir agora mesmo ao catálogo das bibliotecas de Lisboa escolher 5 livros que queira ler e pedir que sejam entregues na biblioteca que me der mais jeito, para requisitar e reservar, ficando assim 1 mês para ler 5 livros sem qualquer encargo.

E tudo isto sem falar nas mais diversas iniciativas, como a da Biblioteca Orlando Ribeiro, de troca de livros, e muito menos de empréstimos de amigos... Todos nós, leitores assíduos, conhecemos pelo menos 1 pessoa com toda uma biblioteca que provavelmente não se importa de disponibilizar, da mesma forma que nós disponibilizamos a nossa.

Com tanta coisa, ler em tempo de crise acaba por se tornar mais fácil, pois as pessoas tornam-se mais criativas e mais engenhosas no que toca a arranjar livros para ler. Acho que nunca estas coisas me correram tão bem como nos últimos tempos, em que cada vez tenho menos dinheiro para gastar em livros.

Só consigo pensar no potencial que estes hábitos criados à força têm para um futuro mais desafogado que espero, tal como todos, esteja aí a chegar...

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Marés Negras

Título: Marés Negras
Autor: Filipe Faria

Sinopse: Nova incursão na fervilhante Allaryia, neste terceiro volume das suas crónicas, contadas pelo fiel escriba, Pearnon. Reencontramos Aewyre e os seus companheiros na cidade de Val-Oryth em Tanarch, a um passo do seu destino último: Asmodeon. Aí, Aewyre espera poder por fim descortinar o destino de seu pai Aezrel, o desaparecido campeão de Allaryia. O jovem príncipe e os seus companheiros aprofundaram entretanto os laços de amizade que os unem, mas não sem duros sacrifícios, dos quais resultaram feridas profundas que dificilmente sararão. Velhos inimigos regressam para atormentar o grupo, e nas sombras da própria Val-Oryth residem perigosos adversários que os companheiros desconhecem e que os submeterão a rudes provações. Não muito longe de Tanarch, as Marés Negras sobem uma vez mais, trazendo consigo memórias de um passado sombrio e pressagiando tempos conturbados para Allaryia e todos os seus habitantes.

Opinião: As minhas teorias confirmam-se! Esta saga vai de facto melhorando à medida que avança. Marés Negras é sem sombra dúvida o melhor até agora, especialmente se ignorarmos os desaires amorosos das personagens, para os quais não tenho a mínima paciência, tão à là telenovela que são, e nos focarmos na parte final do livro: o embate das hostes de criaturas malignas nas muralhas de Aemer-Anoth, a primeira linha defensiva de Allaryia, controlada pelos sirulianos.

A trama adensa-se a cada página, a história vai tomando contornos cada vez mais complexos, e há situações cada vez mais bizarras. Eu pessoalmente sempre achei que uma das cenas finais, que envolve Baodegoth, o moorul (esqueleto ambulante e sedento de sangue) possuído por udagais (espíritos maus das estepes), Hazabel, a harahan (mulheres das sombras, fígadívoras), e Ancalach, a Espada dos Reis, era hilariante, de tão bizarra...

Mas bem, antes que eu comece a regurgitar demasiados pormenores, deixem-me revelar só um, um grande, mas só um, e perdoem-me pelo spoiler, mas aparece o Seltor! O grande vilão, a melhor personagem das Crónicas! Seltor é o Anátema, o Flagelo, o Segundo Pecado... Filho de Luris, a Entidade primordial mais inclinada para o Mal, e de um humano, Seltor demorou praticamente 3 livros a aparecer e sei que vai continuar bastante desaparecido durante grande parte dos outros livros, mas não hesito em afirmar que é a melhor parte desta saga.

Diga-se o que se disser do Filipe Faria, da sua escrita e dos seus livros, ele conseguiu criar aqui um grande vilão. Eu sei do que falo, que sou fã de vilões e vilãs. As minhas personagens favoritas são habitualmente os maus da fita, pelas mais variadas razões, e isso volta a acontecer com Seltor.

Se calhar é melhor não falar tanto de Seltor e falar um pouquinho mais sobre o livro. Eu bem quero, mas é complicado. Ele mal aparece neste livro e o seu poder não só ensombra o futuro de Allaryia, como as suas Crónicas, fazendo o resto do livro parecer pálido e sensaborão quando em comparação. Se bem que o livro não é, de todo, mau. Não se deixem enganar pelas minhas palavras de admiração exagerada por Seltor, o livro é bom, é o primeiro desta saga que apelido de bom, sem que a voz me trema de insegurança.

E como bónus ainda tem a capa mais horrível de todos os 7. Tirando as últimas duas, nenhuma delas está nenhum portento da natureza, mas esta em particular... eugh. Enfim, ignorem isso e aventurem-se na leitura desta autêntica epopeia pioneira de high fantasy portuguesa de qualidade crescente!

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

3 pérolas macabras




Quando uma pessoa acha que não pode ficar surpreendida por livros aleatórios que lhe apareçam casualmente à frente, aparecem-lhe estes 3 incontráveis ao preço da chuva.

O Brinca Comigo! e As Trevas Fantásticas encontrei numa Feira de coisas, no Oriente, e o Mostra-me a Tua Espinha na loja da Kingpin, na Alameda.

Agora quero que vejam o saldo das coisas que tenho ali, que me custaram em média 4.67 euros cada um: dois livros de contos do David Soares, um dos escritores que consegue trazer ao de cima a minha faceta de fanboy excitadinho, e um livro de contos com um conto do João Barreiros, o pináculo da ficção científica portuguesa, um do David Soares, que enfim, e mais 2 de 2 autores que não conheço tão bem, mas que tenho a certeza que não me vão desapontar, tendo a companhia que têm

Portanto... YAY!

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

A Ficção Científica tem prazo de validade?


As pessoas que lidam comigo no dia-a-dia já me ouviram falar de Ficção Científica (FC) numa ocasião ou noutra. Quem acompanhar este blog sabe perfeitamente que sou um grande fã deste género literário. E eu próprio invariavelmente o incluo na resposta à sempre eterna pergunta: "Tu gostas de ler o quê?". No entanto não consigo dar uma definição decente de FC.

A Wikipedia, sempre com respostas prontas para tudo, define-a como a literatura que retrata principalmente o impacto da Ciência, real ou meramente ficcionada, na sociedade e nos indivíduos. Por falta de paciência, não pesquisei muito mais, mas há montanhas de definições, todas elas com pequenos detalhes que as diferenciam umas das outras.

Portanto, o que é a FC? A maior parte das pessoas pensa imediatamente em coisas do estilo do Star Wars, ou do Star Trek, enfim, coisas com naves espaciais de uma forma geral, normalmente com extraterrestres e lasers à mistura. Mas isto é apenas uma muito pequena parte da FC, um género literário com tantos sub-géneros e sub-géneros dentro de sub-géneros e por aí fora como qualquer outro género normalmente considerado superior.

E abrange coisas tão díspares como o steampunk, de popularidade recente e caracterizado pela predominância da tecnologia a vapor, normalmente em cenários da Inglaterra vitoriana; as distopias, aquele que é porventura o lado mais negro da FC, com os seus cenários ditatorialmente ideais; a space opera, que inclui, agora sim, naves, lasers, extraterrestres, porrada intergaláctica e afins; entre muitos outros!

Mantém-se a pergunta: o que é a FC? E mantém-se a dificuldade em responder. Podia ficar aqui a dissertar sobre vários sub-géneros, várias obras e vários autores, e não chegar a conclusão nenhuma. Pessoalmente tenho uma ideia acerca deste assunto, mas não é muito clara. É parecida com a definição wikipediana, por acaso. Para mim, dizer que um livro de FC é dizer que aquele livro retrata um mundo paralelo ao nosso, com pelo menos alguma coisa ligeiramente diferente, e que se preocupa em mostrar todas as consequências dessa diferença. Ou então retrata um hipotético futuro, fortemente condicionado por alguma coisa que aconteceu e que pode ainda não ter acontecido, nem vir de facto a acontecer, na realidade, e retrata as suas consequências.

Eu sei que é uma pseudo-definição confusa, mas eu comecei logo por dizer que não conseguia dar uma definição decente. Além disso aquilo faz todo o sentido na minha cabeça, como devem imaginar.

Mas o que é esta minha definição pessoal implica? Pois bem, implica que pode haver um livro perfeitamente encaixado em FC que não dê qualquer relevância particular à tecnologia e/ou à Ciência. Eu sei que parece um bocado paradoxal, ter Ficção Científica sem dar grande importância à Ciência, mas para mim faz sentido e espero estar a transmitir bem as minhas ideias.

Vejam este exemplo: Fahrenheit 451, de Ray Bradbury. Normalmente classificado como uma distopia, de forma bastante acertada, este livro tem pormenores tecnológicos como as televisões completamente envolventes e os cartazes de publicidade com centenas de metros de comprimento, para terem efeito nos condutores a alta velocidade, mas isso não é, de todo o mais importante. Isso são meras consequências que se tornam causas no grande ciclo vicioso da ignorância, falta de liberdade de expressão e desaparecimento do pensamento crítico. A história gira em torno de um bombeiro, profissão cujo papel enquanto apagador de fogos se tornou irrelevante. Neste futuro distópico, os bombeiros queimam livros, pois todos eles foram proibidos.

Este é para mim um exemplo perfeito daquilo que estou a tentar explicar. Há um acontecimento que (esperemos) nunca virá a acontecer, a proibição dos livros, e o livro retrata essencialmente as consequências desse acto. As tecnologias de que se fala são consequências/causas disso mesmo. Cá está uma obra claramente classificada como FC, na sua vertente de distopia, mas em que a Ciência e o seu impacto não é o mais importante, na sua essência.

Com isto em mente, vou tentar responder a outra pergunta que já fiz a mim mesmo várias vezes: a FC tem prazo de validade? A resposta mais imediata é dizer que sim. Se pensarem na vertente do impacto tecnológico, lembro-me de Jules Verne que, num dos seus livros, provavelmente no Vinte Mil Léguas Submarinas, mas não garanto, faz uso de escafandros com um sistema de respiração qualquer que na altura não existia. Podia-se considerar FC. Mas esse sistema é agora obsoleto.

Já se pensarem em futuro hipotéticos, bem, lembro-me do 1984 (1, 2), de George Orwell. Como o próprio título indica, o futuro distópico ali retratado já se tornou num passado por concretizar.

Ou seja, a FC tem de facto um prazo! É uma espécie de literatura que impõe uma restrição temporal a si própria, por causa das suas próprias especificidades! Ou será que não? Estes dois casos que mencionei são mais duas mostras de genialidade pura e que não deixaram de ser livros soberbos por supostamente estarem fora de prazo. O isolamento social do Capitão Nemo continua a ter a mesma intensidade, e a crítica política e social do livro que cunhou o termo Big Brother continua a ter a mesma força nos dias de hoje.

E isto porque a resposta mais imediata está absolutamente errada. A FC, ou melhor, a boa FC não tem prazo de validade. É que de forma alguma. Para começar, como qualquer livro, uma obra de FC tem que ser lida no contexto em que foi escrita. Os livros de Verne são inovadores e proféticos, tendo em conta a altura em que foram escritos. A distopia de Orwell foi uma crítica certeira, que vai dando mostras de estar certa, e que continua actual.

Além disso, um livro verdadeiramente bom de FC é intemporal. Acaba por estar situado fora de qualquer contexto social, político, económico, artístico, o que quer que seja, e por se tornar universal. É assim com Verne, com Orwell, com Bradbury, com Clarke, com Wells, com Huxley e com tantos outro que ia precisar do dobro do espaço que já ocupei, só para começar. Há autores que ficaram na história e autores que para lá caminham, que conseguiram escrever obras que de tão geniais se tornam clássicos instantâneos, dignos de Nobel, diga a Academia Sueca o que disser, sem qualquer tipo de prazo de validade.

É esta a minha opinião final, obviamente discutível. O meu gosto pessoal por FC retira-me praticamente toda a objectividade, mas também, quem é que quer ler um artigo de opinião inteiramente objectivo? A FC é dos meus géneros favoritos e faça eu o que fizer, não me consigo desligar disso. E o facto de responder negativamente à questão do prazo diz-me que os livros que já li e adorei vão continuar espectaculares e, mais importante ainda, que os que ainda não li vão continuar a ter a sua força e intensidade!

E tudo isto com o ocasional laser de bónus.