quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O Xadrez do Tempo

Título: O Xadrez do Tempo
Autor: James Blish
Tradutor: António Porto

Sinopse: James Blish é um dos autores de Ficção Científica mais originais e subtis, tanto nos temas como no estilo, e prova-o bem nesta sua obra. Imagine-se que, na busca de um meio capaz de assegurar instantaneamente, ou quase, as ligações com os outros mundos - que mesmo com as naves mais rápidas demoravam largos meses a chegar ao seu destino -, se descobria um transmissor que permitia comunicar não só através do espaço, mas também do tempo! Tendo diante de si um império interestelar em plena expansão, o Capitão Robin Weinbaum supôs que o transmissor Dirac seria a solução dos seus problemas. O pior foi quando o transmissor começou a receber mensagens ainda antes de elas serem emitidas.

Opinião: Este livro é bastante curioso. Para ser sincero, não sei bem o que dizer sobre ele. Isto volta e meia acontece-me, leio um livro e não sei bem o que escrever na opinião.

Sei dizer que não é um livro mau, de todo. Mas sei também que não posso afirmar que é um livro absolutamente fenomenal. E isso talvez esteja relacionado com o facto desta história ter começado como um conto, que foi depois expandido nesta novela (sim, é bastante pequeno, o livro). Essas coisas raramente correm bem.

Mas bem, o livro é interessante, e pelo que percebi tem vários conceitos que James Blish usa como universais ao longo de alguns dos seus livros: o cientista Haertel e as suas invenções, e o transmissor Dirac, por exemplo. É exactamente este último que toma um papel principal no enredo de O Xadrez do Tempo.

A ideia do transmissor Dirac é bastante simples, não passa de um transmissor de mensagens instantâneas. Muita gente agora pensa "mas isso é fácil, internet e não sei quê", mas desenganem-se. Não há nenhum tipo de transmissão de informação que se possa considerar  instantânea. Há apenas alguns que são tão rápidos, para os nossos padrões, que nos parecem instantâneas. Mas esses conceitos, como quase tudo, diluem-se e desvanecem-se quando estamos a falar do espaço. É que nada pode viajar mais depressa que a luz, e o Universo é bastante grande. Se algo está tão longe que a própria luz demora alguns anos a lá chegar, acho que é compreensível que a transmissão de informação para esse sítio é tudo menos instantânea.

Pois bem, o transmissor Dirac é um aparelho que faz uso de uma coisa qualquer bastante rebuscada e impossível (acho eu, física teórica a esse nível não é o meu forte) para transmitir mensagens de forma literalmente instantânea. A magia... Talvez seja melhor não falar de magia num livro de FC. A parte interessante é quando este transmissor Dirac começa a ser usado para fazer premonições. Não só dá para transmitir mensagens de forma instantânea, como recebe mensagens do futuro.

A parte curiosa é quando acaba por não acontecer absolutamente nada. Isto é descoberto, descobre-se também quem está por trás, uma pessoa que eu não estava nada à espera, depois há muito paleio e tudo acaba. Acho que podia ter sido um livro muito mais interessante se tivesse sido mais desenvolvido, se tivesse sido de facto um livro e não um conto maior que o normal.

De qualquer forma, a qualidade do autor, James Blish, é notória. Não que a escrita seja divinal, é até bastante mundana, mas pareceu-me consistente. Além de que o autor mostra uma boa imaginação, que além disso ainda é estranha. Fiquei bastante curioso para ler outras coisas, mas espero que este não seja o expoente máximo da sua qualidade literária...

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Que as citações nos caiam em cima [20]


O ponto forte deste conto de Edmond Hamilton é a perspectiva pouco habitual sobre as viagens espaciais e sobre ser um astronauta. E achei que este excerto em particular transmitia essa mensagem de forma particularmente eficaz...

"Astronauta - era o que eu era. Os jornais tinham começado a chamar-nos isso porque, segundo pensei, era uma palavra curta, boa para os títulos. Toda a gente nos chamava isso agora. Tínhamos passado o tempo a voar dentro de celas como as das prisões - mas agora chamavam-nos 'astronautas'."

Como é aquilo por lá?
Edmond Hamilton

sábado, 24 de novembro de 2012

Mensagens do Futuro [2]


Título: Mensagens do Futuro
Autores: Arthur C. Clarke, Brian Aldiss, Edmond Hamilton, Isaac Asimov, James Tiptree Jr., Kate Wilhelm, Mark Clifton, Robert Sheckley, Robert Silverberg, Ron Goulart
Tradutor: Eurico Fonseca

Opinião: Continuando onde acabei ontem: em Porquê?, de Robert Silverberg, a questão é tão simples quanto essa. Porquê? Porque é que insistimos em explorar, em sair da nossa zona de conforto e corremos riscos? Já morreram pessoas por causa das nossas ilusões de grandeza, o planeta inteiro tem actualmente problemas graves por sermos como somos. Mas não deixamos de ser curiosos, teimosos, de querer explorar tudo e conhecer tudo. Construímos as nossas naves e os nossos telescópios e tentamos perscrutar o Universo que nos rodeia, tentamos explorá-lo com objectivas potentes e naves massivas. E no fim do dia, fica a pergunta... Porquê? A resposta a que Silverberg chega é simples, e parece-me demasiado simples e óbvia para estar errada: porque podemos.


No conto seguinte, Ron Goulart mistura ficção científica e policial numa história que não achei nada de especial nem particularmente original. Que aconteceu ao Rosca-Moída? não passou, para mim, de um conto banal que tenta contar uma história bonita com características típicas da ficção científica.

Houston, Houston, estão a ouvir-me?, de James Tiptree Jr., que é afinal Alice Sheldon, desenvolve uma história sólida e algo assustadora, e é a prova escrita, como se tal ainda fosse preciso, de que a ficção científica e o terror são dois géneros quase siameses, tão facilmente se consegue oscilar entre um e outro, ou simplesmente misturar os dois numa história coerente. Eu pessoalmente já acreditava nisso, desde que li João Barreiros, mas este conto é mais uma evidência disso mesmo. E uma das que tem qualidade.

Essa sensação de quase simbiose entre FC e terror é continuada nesta penúltima história, Onde estiveste, Billy Boy, Billy Boy?, de Kate Wilhelm, um conto que o próprio Asimov descreve como "uma das histórias mais calmamente assustadoras que alguma vez foram lidas.". Eu compreendo o que ele quis dizer, há um certo tom de ameaça e de medo permanente ao virar de cada página, mas não me conseguiu convencer. Achei demasiado confuso e desconexo, especialmente tendo em conta o tamanho que tem. Talvez seja uma ideia que tivesse resultado melhor se tivesse sido contada num livro inteiro, mas falha o seu propósito ao apresentar-se como uma história tão curta.

E por fim, um conto do mestre em pessoa. Asimov presenteia-nos com A Pergunta Final, o único conto que não tem uma pergunta como título e que acaba por ser o mais alegórico de todos. No fundo não é bem um conto, li-o mais como um ensaio, parece um exercício literário e filosófico, que começa com uma premissa bastante simples de um mega computador que sabe responder a tudo, e que é desenvolvida passo a passo, à medida que o conto foi sendo escrito. Um conto/ensaio muito bom, a dar por terminada uma antologia muito boa de um género literário muitas vezes desprezado, e que aqui prova que consegue ser tão literário e filosoficamente activo como qualquer outro.

Fórum Fantástico 2012


Arrancou ontem mais uma edição do Fórum Fantástico, na Biblioteca Orlando Ribeiro, um excelente evento e que é cada vez mais um dos pontos altos do panorama literário português. Deixo-vos o programa, não se inibam em visitar! Mais logo lá estarei, para o Workshop de Escrita Criativa Fantástica. Aproveitem este evento!

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Mensagens do Futuro [1]


Título: Mensagens do Futuro
Autores: Arthur C. Clarke, Brian Aldiss, Edmond Hamilton, Isaac Asimov, James Tiptree Jr., Kate Wilhelm, Mark Clifton, Robert Sheckley, Robert Silverberg, Ron Goulart
Tradutor: Eurico Fonseca

Opinião: Antes de me debruçar sobre qualquer um dos contos reunidos neste antologia, quero mencionar 2 coisas. Não se deixem enganar pelo nome do autor que vem escarrapachado na capa. Mensagens do Futuro não é um livro de Isaac Asimov, ainda que contribua com um conto, mas sim uma colectânea de contos editada por ele, Martin Greenberg e Joseph Oladner, e que inclui contos de Arthur C. Clarke, Brian Aldiss, Robert Silverberg e todos os outros nomes sonantes mencionados ali em cima.

A segunda coisa é a genialidade e a criatividade por detrás deste livro. Como Asimov explica na introdução, o conceito é bastante simples: os contos aqui reunidos têm todos em comum a particularidade de terem uma pergunta como título e de serem, no fundo, a ilustração dessa pergunta, com a ficção científica a servir de pano de fundo perfeito para questões que atormentam a Humanidade há bastante tempo.

O primeiro conto Como é aquilo por lá?, é de Edmond Hamilton, um pioneiro da ficção científica norte americana, como diz Asimov na introdução que o antecede. Não sei se é de facto o melhor de Hamilton, como Asimov também menciona, mas é sem dúvida um óptimo conto e um dos melhores que já li dentro deste género. É acima de tudo um conto desiludido e que tenta mostrar o peso que é tomar consciência da imensidão do Cosmos e de quão fúteis e superficiais são as nossas tentativas de exploração do Universo.

Já em Quem poderá substituir o Homem?, de Brian Aldiss, a interrogação é mais directa e óbvia. Num mundo maioritariamente tecnologicamente avançado acabado de dizimar, quem é que manda? Como é que funciona a sociedade? Os robôs podem-se organizar, mas conseguirão sobreviver? Curto mas incisivo, este conto mostra que o Homem tem um papel importante no mundo, mas que não é, de todo, essencial à sua continuidade. E depois no fim há mais umas implicações, que deixarei incógnitas para não estragar a leitura, perdoem-me.

De seguida vem Que foi que eu fiz?, de Mark Clifton, um conto ao mesmo tempo optimista e negativista. O protagonista começa por combater uma ameaça à Humanidade, e acaba a perguntar-se se a verdadeira ameaça não é, afinal, a própria Humanidade. Uma das interrogações mais actuais que encontrei nesta colectânea, a pergunta que dá o título ao conto é apenas a ponta de um gigantesco iceberg das mais variadas considerações, acompanhadas lentamente, passo a passo. Primeiro a ameaça e a luta desesperada para proteger aquilo que o protagonista julga ter que sobreviver a todos os custos, a Humanidade. Depois uma lenta tomada de consciência, por contraste com a alegada ameaça, de que a Humanidade é uma ameaça por direito próprio. Muito bom.

O quarto conto é daquele que é para mim um dos maiores génios da literatura e que simboliza um dos expoentes máximos da ficção científica: Arthur C. Clarke. Já há muito rendido a este escritor, Quem está aí? apenas cimentou a minha opinião sobre ele, a de que Clarke é genial, genial, genial. Não há grandes interrogação filosóficas ou metafísicas, há, isso sim, uma situação bem contada e descrita, uma muito boa historieta contida em meia dúzia de páginas.

Você sente alguma coisa quando eu faço isto?, de Robert Sheckley, foi provavelmente o conto que achei mais fraco nesta antologia. Não passa de uma metáfora pouco subtil para a a evolução acelerada da tecnologia e dos choques que inevitavelmente vão existir entre pessoas e máquinas. Ou do uso exagerado de tudo o que seja maquinetas. Acho que só falha, em grande parte, porque isso não é o futuro, é o agora e é já algo aceite e ao qual oferecemos pouca resistência, enquanto espécie.

Até agora falei-vos de 5 dos 10 contos de Mensagens do Futuro, e tive apenas uma desilusão, o que me parece uma contagem final bastante positiva. Amanhã falo-vos dos 5 contos que faltam desta que se tornou numa das minhas antologias favoritas, não só pelos contos nela presente, mas pelo conceito que os reuniu a todos no mesmo livro.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Mostra-me a tua espinha

Título: Mostra-me a tua espinha
Autor: David Soares

Sinopse: Um premiado fotógrafo profissional vai descobrir a verdade que existe por trás de um segredo centenário; um escritor vai confrontar-se com as suas origens e descobrir que é feito do mesmo material com que foi construída a sua cidade; através dos anos, numa europa envelhecida pela guerra, duas criaturas nómadas têm como desporto cruel a destruição da vida de um homem mudo; e, finalmente, uma mulher irá pactuar com o mal para obter o filho que o seu útero árido é incapaz de incubar.

Opinião: Ter encontrado este livro à venda foi uma sorte descomunal. Praticamente fora de circulação, Mostra-me a tua espinha foi dos primeiros livros publicados por David Soares e contém já os traços característicos do seu estilo, sem que os contos nele contidos atinjam a qualidade literária de trabalhos posteriores.

Com isto quero dizer que os seus 4 contos são viscerais e gráficos, têm descrições sangrentas e aterrorizadoras extremamente detalhadas e são bastante mais literários que as comuns histórias de terror. São histórias de horror quase poéticas, um estilo muito próprio que já predominava visivelmente neste que é um dos seus primeiros trabalhos e que apenas se foi apurando, com o tempo.

No entanto, e apesar de serem 4 contos bastante interessantes, ficam muito aquém da qualidade dos contos presentes em Os Ossos do Arco-Íris, por exemplo. E apesar de ser uma comparação algo injusta, muito, mas muito distantes da mestria e quase perfeição de A Conspiração dos Antepassados.

Não quero com isto dizer que sejam maus, ou que o livro em si não tenha qualidade, como é óbvio. Estou apenas a tentar transmitir que após ter lido trabalhos mais recentes, este livro não fascina por aí além. Já têm o factor "eugh literário", mas falta-lhe o factor "wow!, David Soares!".

Mas falando do livro em termos mais concretos, a introdução escrita pelo autor demonstra toda a sua genuína paixão pelo horror e em particular pela literatura de horror. No primeiro conto, A Mãe, aparecem os primeiros indícios de uma mente bastante doente, dizem alguns. Eu cá prefiro mente bastante genial, sabendo à priori quem é o autor. Este conto só peca por ser curto e pelo desenvolvimento algo apressado, pois a ideia é interessante.

O segundo, Cidade-Túmulo, é ligeiramente confuso e desconexo, mas tem uma atmosfera pesada bastante coerente. Esta frase não parece fazer muito sentido, mas espero que me percebam. A história em si avança aos solavancos, sem se perceber muito bem o que está a acontecer, mas o ambiente é sempre igualmente negro, há sempre uma ténue ameaça em cada página.

O Homem Oco, que se segue, é um conto deveras curioso. Eu pessoalmente acabei por não perceber muito bem a história, fiquei demasiado entretido com o Ameixa e o Costeleta, duas personagens estranhas, verdadeiramente nasty, em bom inglês, com a sua pitada de sangue e vísceras. Personagens bastante à là David Soares, portanto.

Por fim, A Concepção Repulsiva foi, para mim, a melhor destas 4 histórias. É a que tem o enredo mais "banal", se é que tal palavra se pode aplicar a algo que veio da mente deste escritor, mas foi a que me pareceu melhor escrita, melhor desenvolvida e com o final mais espectacular. E tem uma personagem bastante... curiosa.

Resumindo, 4 bons contos, mas abaixo do esperado para David Soares, o que não é assim tão estranho, tendo em conta que esta foi uma das suas primeiras obras. Não posso é deixar passar todo o simbolismo presente em cada história, muito do qual me passou de certeza ao lado, tal é a densidade.

Um destaque ainda para a edição, que mesmo ligeiramente mal tratada, tem bom aspecto, e a capa é perturbadora por si só. E volto a dizer algo que já disse umas poucas vezes sobre David Soares: não é um escritor para toda a gente. É preciso um certo estômago para se conseguir apreciar as suas obras, e esta não é excepção, apesar de talvez ser um bom livro para alguém iniciar as suas leituras deste escritor, provavelmente por ser menos perturbador que obras posteriores. Ou talvez não.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Aventuras de João Sem Medo

Título: Aventuras de João Sem Medo
Autor: José Gomes Ferreira

Sinopse: História fantástica que recorre ao imaginário mágico, por vezes de inspiração surrealista, este romance é um prodígio de efabulação e engenho narrativo.

Opinião: As Aventuras de João Sem Medo são surreais, são metafóricas, são sátiras antigas mas actuais, são tudo e mais alguma coisa.

A escrita em si não é nada do outro mundo, e nem sequer é realmente importante. Este livro vale pela sua história, pelas situações que aqui são descritas que criticam certos aspectos da sociedade e companhia limitada. E tudo sempre bastante surreal, a condizer com a surrealidade das condições em que vivemos hoje em dia.

Basta começar por dizer que o protagonista é oriundo de uma povoação chamada Chora-que-logo-bebes, ou, como eu pessoalmente gosto de lhe chamar, Portugal. Este Portugal é uma localidade de gente conformada, remetida para sempre à tristeza e aos prantos intermináveis de um fado irremediável. O protagonista, este João Sem Medo, que qual Vasco da Gama na magna obra que são os Lusíadas, é muito mais do que uma personagem individual, representa um conjunto de pessoas bastante interessante, os inconformados, que se atrevem a saltar o Muro e a penetrar na Floresta Branca, cheia de mistérios e afins.

Este Muro é que é das coisas mais curiosas de toda a obra, pela sua quantidade absurda de conotações. Pode ser feito de panhonhice e apatia, ou ter sido construído com o suor misturado com extracto de rosas e sais de ouro de sucessivos governos retrógrados... Se quiserem podem até pensar que este Muro tem uma consistência mais etérea, de tijolos esbranquiçados sobre tijolos esbranquiçados da mais fina essência limitada e tacanha do povo português. Este Muro é o que quiserem. Tal como a Floresta Branca, passível de ser entendida como uma míriade de coisas, e que vou deixar ao vosso critério. Para mim, esta Floresta Branca é exactamente aquilo que o autor descreve: é o desconhecido, um mistério densificado repleto de coisas por descobrir. É tudo aquilo que eu não conheço e tudo aquilo que eu não percebo. O que João Sem Medo fez foi enfrentar esse desconhecido. Não necessariamente percebê-lo, mas encará-lo, olhá-lo de frente e mostrar-lhe quem é que manda.

É isso que fascina, neste livro. João Sem Medo viaja de metafórica história absurda em metafórica história absurda, sempre corajoso, como o seu próprio nome indica, sempre confiante e sempre irredutível na sua capacidade de ser feliz, quaisquer que sejam as condições que o rodeiam e em que se encontra. A Floresta Branca atira-lhe com tudo o que tem, e ele limita-se a aproveitar da melhor forma cada situação, a rir-se das adversidades e a enfrentar os problemas de cabeça erguida, sem nunca desistir nem desanimar. João Sem Medo é o que todos devíamos ser: persistente, inconformado, crítico e feliz.

É proibida a entrada a quem não andar espantado de existir.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O aniversário de uma lenda


Há datas que passam despercebidas, por mais que uma pessoa tente andar atenta. Muitos grandes escritores, nacionais e internacionais, nasceram e morreram, por exemplo, e essas datas raramente têm um grande relevo ou atenção da sociedade em geral.

E contra mim falo, infelizmente. Eu bem que gostava de estar atento e de dizer qualquer coisa sobre escritores que gosto, nessas datas especiais, mas não consigo. Para começar não consigo estar assim tão atento a essas coisas, e depois há o problema de eu gostar de muitos escritores. É que não fazia mais nada.

Mas Saramago é diferente. Sempre polémico, a par de Saramago o escritor e José o homem, José Saramago foi uma personagem. Foi o nosso primeiro (e até agora único) Nobel da Literatura, teve um sucesso além fronteiras dificilmente alcançável por outros autores nacionais, e manteve-se sempre fiel a si mesmo: assertivo, directo, crítico e por aí fora. Extremamente inteligente, Saramago dizia o que tinha a dizer, escrevia o que tinha a escrever, e pouco se importava com as críticas que lhe faziam

O trabalho dele era escrever, desassossegar, nas suas próprias palavras, e ele fazia-o de forma magistral. O resto era paisagem. Mais importante ainda, isso tudo continua vivo. Saramago morreu mas não foi esquecido.

Isso nota-se especialmente num dia como o de hoje, em que Saramago faria 90 anos. Actividades, atenção dos meios de telecomunicação, livros com desconto (yay!), livretos comemorativos... E toda a gente a falar disso, em todo o lado, a maior parte uma cambada de hipócritas que provavelmente nunca leu um livro dele, e que enquanto vivo, sempre disseram que estava bem era em Lanzarote, longe de Portugal, tamanha besta era.

Eu cá junto-me aos outros, que querem manter viva a memória e a presença deste homem e deste escritor. Tecnicamente, e para observadores externos, nada nos distingue dos hipócritas, mas não escrevo isto para observadores externos. Escrevo-o para mim e para aqueles que, como eu, foram, são e serão sempre fãs de José Saramago, o escritor, o homem, o Nobel, o crítico, o pensador, o mau da fita... a lenda.

"Voando a máquina, todo o céu será música"
Memorial do Convento

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O Fim da Viagem

O último livro das Crónicas de Allaryia chama-se Oblívio, mas talvez se devesse chamar Alívio. Depois de já ter lido os outros 6 livros, o sétimo pareceu-me interminável. Eu sei que a culpa foi minha, ninguém me manda reler toda a saga só para acompanhar o último volume como deve ser, mas enfim...

Não que o livro tenha sido mau. Foi bom, ou quase quase quase bom, como já mencionei na opinião respectiva. Mas aquele fim... Ahhh, aquele fim... Tenho que dizer que o Filipe Faria tem um certo jeito para as personagens, mas não faz a mínima ideia do que fazer com elas, quando é para desaparecerem de cena, ou simplesmente para acabar a história delas. Deve ser o maior defeito que tenho a apontar a este autor, agora que tenho a saga toda lida.

Mas falemos das coisas boas durante breves momentos. Não me farto de dizer que tenho uma afeição especial por esta saga, portanto toda e qualquer opinião que eu emita sobre algum aspecto da mesma, está obviamente condicionada pela minha parcialidade. Acho que não sou capaz de me distanciar como deve ser, para dar uma opinião objectiva sobre estes livros. Portanto vou-me limitar a opinar com o todo o meu facciosismo (não confundir com fascismo) orgulhosamente exibido e assumido.

A saga, no geral, é espectacular. Esquecendo a divisão em 7 livros e pensando apenas nas suas 3000 e qualquer coisa páginas como um contínuo, esta saga é algo de bom e inovador no panorama literário português. Ainda está a léguas metafóricas de um David Soares, ou de um Saramago, como é mais do que óbvio, mas é bom, especialmente tendo em conta o género, a high fantasy. É claro que se pode sempre afirmar que high fantasy a sério foi Tolkien e pouco mais, mas acho que é injusto comparar o que quer que seja com um escritor tão magistral como J.R.R.Tolkien. Não considero que os seus livros sejam high fantasy, são Tolkien.

Adiante, que já estou a divagar demasiado. Filipe Faria é um autor que tenho seguido com uma atenção especial, pelas razões que já estou farto de mencionar. As suas Crónicas acompanharam-me durante alguns anos e isso leva a que por um lado não consigo dizer muito mal destes livros, mas, por outro, leva a que me sinta bastante desapontado com o final. Foi fraco. O autor tinha tudo para acabar esta autêntica odisseia de uma forma espectacular, mas aproveita muito mal as personagens que tem, algumas delas geniais. Como Seltor. Seltor. Uma das melhores personagens que tenho visto, com tanto potencial e tão mal aproveitado.

A coisa começa bem, com o desenrolar sub-reptício dos seus planos, lenta e misteriosamente. E depois de mais um momento deveras conveniente no final do sexto livro, Seltor é renegado a vilão de segunda, neste último volume. Enfim, nem tudo podia ser bom.

Porque sim, a escrita tem qualidade. Não necessariamente um grande nível literário, mas qualidade. Ainda por cima essa característica destaca-se bastante, vendo o contraste entre o primeiro e o último livro. A diferença é abissal! O miúdo de 16 anos do primeiro livro cresceu e tornou-se num escritor a ter em conta.

Quero só mencionar que tenho a edição de luxo do último livro. Que de luxo quase só tem o nome. Aquilo vem numa caixa de qualidade deplorável, traz um livrinho bastante interessante, mas de qualidade deplorável, e um CD apenas vagamente interessante. A única coisa que se safa é mesmo o livro, em capa dura, isso sim, com boa qualidade.

Por fim, tenho que chegar a alguma conclusão. A melhor saga de sempre? Nem lá perto. Uma saga muito boa? Prefiro não arriscar. Uma boa saga, portanto? Confirma-se. O mais objectivamente possível, digo que é uma boa saga, cujos pontos fortes são as cenas de porrada e algumas das personagens. Isso e tão cedo não me volto a meter numa destas...

domingo, 11 de novembro de 2012

Oblívio

Título: Oblívio
Autor: Filipe Faria

Sinopse: Tomados pelo desânimo, os companheiros enfrentam agora o seu maior desafio e o Oblívio ameaça a própria existência, da mesma forma que parece ser a sua única salvação. Na mais negra hora de Allaryia, a Sombra ergue-se triunfante, mas nem tudo o que parece é, e ainda falta a'O Flagelo jogar a sua última cartada

Opinião: O tão aguardado fim desta saga chega por fim. Após alguns anos a acompanhar e a seguir fielmente as desventuras de Aewyre e companhia, a par das movimentações de Seltor e vilões afins, agarrei no último volume, o único que ainda não tinha lido, e fiquei a saber como tudo terminava. Ou começava.

Isto porque, digam o que disserem, este pode ter sido o último livro desta saga, mas muito dificilmente será o último livro passado em Allaryia. As últimas páginas são um mero prenúncio de algo enorme, um breve vislumbre daquilo que ainda vai acontecer, e a sensação com que fiquei foi uma de "isto não pode acabar assim...". Até porque depois de mais ou menos 500 páginas de um óptimo livro, as últimas 100, o final do final que afinal talvez não seja um final, são bastante fracas. Fiquei desiludido. E mesmo no fim, as últimas 20 páginas começam a salvar o livro... E é então que ele acaba.

Essa é a única razão para eu não decretar este livro como o melhor dos 7. A escrita atinge aqui um nível estável e satisfatório, notando-se uma clara, aliás, claríssima evolução relativamente ao primeiro livro; as personagens continuam absolutamente geniais, de uma forma geral. O enredo até começa por enveredar por bons caminhos, mas sensivelmente a meio do livro, o autor começa a estragar tudo. O fim que vai dando a algumas personagens deixa muito a desejar, a forma como salva (ou não) os companheiros das desgraças em que se metem é demasiado fácil, e acaba por recorrer demasiadas vezes a facilidades narrativas.

E é uma pena. A sério. Tinha tudo para ser um óptimo livro... Tudo! Mas no fim da leitura posso apenas classificá-lo como ligeiramente abaixo de bom, pois foi, acima de tudo, desapontante e anti-climático. Talvez isso também se deva às minhas expectativas, ao facto de andar há um ano para ler este livro e ao ter começado a ler esta saga há tanto tempo, mas a verdade é que a maior parte das minhas expectativas foram defraudadas, e em grande estilo.

Ainda por cima com um fim que promete tanto! Não me parece que as possibilidades de haver uma continuação num futuro próximo sejam muitas, mas ela vai existir, tenho quase a certeza. Ou pelo menos o autor está a pensar nisso. No entanto, não é assim que se acaba uma saga, uma saga tão inovadora no meio literário português, odiada por uns, amada por outros e completamente indiferente e/ou desconhecida à maior parte, uma saga cujos fãs foram acompanhando de forma fiel, sempre à espera do próximo volume...

Lamento, mas Filipe Faria, desapontaste-me. Este livro podia ter sido melhor. É uma boa leitura, e uma conclusão razoável para saga, mas esperava mais, muito mais, e acho que o autor tinha qualidade suficiente para escrever um fim muito mais digno. Fiquei triste, com o folhear das últimas páginas, tanta história e tanta possibilidade terminada assim, quase em cima do joelho. Um livro inteiro de desenvolvimento, de evolução progressiva e constante de urgência e de tensão, e umas últimas páginas tão fracas.

Para não me alongar muito mais, digo que gostei, mas não foi o fim que eu queria, o fim que eu esperava. Tenho dificuldade em ser muito imparcial com esta saga, pois como já o referi, tenho-lhe uma afeição especial, mas este último livro tinha muito potencial e o autor não o aproveitou. Mas não é por isso que deixa de ser um bom livro, que dá finalmente por satisfeita a minha curiosidade em saber como tudo acaba em Allaryia.

Um fim. Não um fim digno, mas um fim.

sábado, 3 de novembro de 2012

As personagens de Filipe Faria

Podem pôr muitos defeitos a este escritor, eu próprio aponto alguns sem dificuldade, mas de uma coisa não se podem queixar: as personagens.

Sim, tem algumas ligeiramente menos interessantes ou mais incoerentes, mas há ali uns pequenos focos de pura genialidade, se querem que vos diga.

Falo de Worick, por exemplo. Um thuragar (basicamente um anão), mal encarado, refilão e antipático, como é característico da sua raça, e com uma forte inclinação para distribuir cachaporrada, mas que demonstra um forte apego a Lhiannah, a sua protegida, digamos assim. E com o evoluir da história, vai-se notando uma crescente preocupação contrariada para com os seus companheiros.

A parte gira é mesmo o feitio do thuragar, e a forma como fala. Para além de querer sempre resolver todo e qualquer problema com o seu martelo na cabeça de alguém, fala de uma forma simplesmente hilariante! Promete doses de porrada a cada 3 falas, chama torrentes intermináveis e extremamente criativas de nomes a toda gente. Lhiannah é a cachopa, duma forma geral. Taislin, um burrik (na prática um hobbit), vai desde o mafarrico a caganito... E a certa altura acho que chega a ser o filho desgraçado de uma cabra estropiada, ou algo do género. Nem sei. É apenas genial.

Este é apenas um dos exemplos em que o Filipe Faria demonstrou toda a sua habilidade enquanto escritor. Worick é uma personagem irritável e antipática, verdadeiramente desagradável e com uma aversão a quase tudo e todos, mas que no fundo está apenas recheado de boas intenções e que vai dando sinais cada vez mais claros de gostar dos seus companheiros, por muito que isso lhe custe.

E depois há Culpa, o pai de Seltor, o grande vilão da saga. Culpa, além de ser o mortal que foi seduzido por Luris, a negra potestade primordial, tendo com ela um filho que se tornou n'O Flagelo de Allaryia, é para mim uma das personagens mais geniais das Crónicas. Vergado pela culpa de ter trazido tamanho mal ao mundo, está condenado a vaguear, cego, com o peso de ter cometido o Segundo Pecado e ter indirectamente causada tanta dor, destruição e sofrimento, ao mesmo tempo que espalha essa mesma Culpa por onde passa. As pessoas quando se aproximam dele sentem todos os pequenos resquícios de culpa que possam ter dentro de si, seja para si próprias ou para pôr em cima de outros. Tudo isso vem ao de cima, e há sempre gente a falecer.

Nem vos consigo explicar muito bem, só lendo, mas é basicamente isto. Uma personagem que se sente tão culpada que se torna (mais ou menos) imortal e passa os seus dias a trazer ao de cima aquilo que de pior há em cada pessoa pela qual passa? Genial.

E agora, já que falo no pai de Seltor... Tenho que falar no Seltor. Tenho-me aguentado bastante bem, como já devem ter reparado, mas já atingi a saturação. Seltor é das melhores personagens que eu já vi na Literatura em geral. Agora no último livro está a passar por uma fase um bocado estranho, mas acho que ainda vem aí muita espectacularidade. Quase que a cheiro, quase que a sinto. Desde que apareceu, no fim do terceiro livro, que tem vindo a espalhar o caos... Se bem que não da forma que se poderia estar à espera.

Isto porque o Anátema (que nome tão fixe, não é?) volta passado 20 anos com desígnios tão inescrutáveis que nem os seus servos mais próximos fazem a mais pálida ideia do que raio é que ele vai fazer. E quando começa a fazer coisas, são dos capítulos mais espectaculares de todos os 7 livros. As consequências desses actos afectam toda a Allaryia, e toda a história, mostrando-se ao longo dos capítulos maioritariamente como coisas que acontecem no pano de fundo.

O que é importante é que Seltor é uma personagem magnífica. Sempre com uma aura maléfica quase palpável, mas aparentemente com boas intenções... Ou ele pelo menos assim o apregoa. Quando aparece, o escritor descreve a situação de forma avassaladora, quase deixando o próprio leitor de joelhos em profunda reverência aterrorizada. Uma personagem de mestre e um dos grandes trunfos do autor.

Mas é óbvio que isto não é só espectacularidade. Há um aspecto em particular, no que toca às personagens, em que acho o Filipe Faria deveras fraquinho. As relações amorosas. É que não há o mínimo de paciência para aturar os amores e desamores do Quenestil e da Slayra, nem os arrufos pré-entendimento do Aewyre e da Lhiannah. Nomes que não dizem nada à maior parte de vocês, mas enfim, os dois primeiros são um eahan e uma eahannoir, que é como diz um elfo e uma elfa negra, e os dois últimos são humanos. E andam sempre às turras, e tanto estão nos braços uns dos outros como se odeiam de morte e tentam matar, ou algo do género. Não gosto da forma como as relações estão desenvolvidas.

Resumindo, apesar de algumas menos bem conseguidas, acho que Filipe Faria tem jeito para as personagens, pelo menos para as que encontrei ao longo das Crónicas, não faço a mínima de como serão as da nova saga... Mas já abri O Perraultimato ao calhas e vi uma das personagens a estripar alguém.

Não me vou queixar.