segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Kalevala

Título: Kalevala
Autor: Elias Lönnrot
Tradutor: Orlando Moreira

Sinopse: Vainamoinen, o bardo, Ilmarinen, o ferreiro e Lemminkainen, o aventureiro e conquistador; são os três heróis da Kalevala que lutam pelo amor da filha de Louhi, senhora de Pohjola, a terra do Norte. Esta narrativa épica da Finlândia, editada pela primeira vez em Portugal, foi criada por Ellias Lönnrot em 1849, que nela reuniu as canções da tradição oral finlandesa e as fixou em papel. Bem ao jeito de Odisseia e de Ilíada, Kalevala nasceu de uma rica tradição oral com raízes pré-históricas. Nela assistimos ao desenrolar da história mítica de um povo através da conquista de um amor e da guerra pelo Sampo - talismã mágico que traz prosperidade a quem o possui. Kalevala desempenhou um papel fundamental no despertar do nacionalismo finlandês e no processo de independência do país.

Opinião: Sinto que devia escrever esta opinião em 2 partes. Uma para falar da história, do enredo, das personagens, da escrita e dessas coisas todas; e outra para falar da edição.

A sério. Eu sei que já falei algures sobre isso, mas este livro é lindo. Capa dura, com textura de tecido, aquele dragão espectacular na capa e na contracapa, Kalevala escrito em grandes letras prateadas, Kalevala escrito a preto e com floreados, na lombada... Pura e simplesmente lindo.

Mas vou tentar retrair-me um pouco, que já sei que toda a gente que apanhe a jeito vai ouvir falar deste livro, desta edição, e do facto de só me ter custado 5 euros. Eu sei ser mesmo muito chato, aposto que ficaram surpreendidos, hã, hã?

O que interessa, depois disso tudo, é a epopeia escrita nestas páginas. Traduzido de forma fantástica por Orlando Moreira, e prefaciado por Jorge Sampaio, este épico finlandês foi escrito na sua actual forma por Elias Lönnrot, que recolheu, compatibilizou e assentou várias histórias da tradição oral finlandesa.

Nasce-me na mente a ideia,/Surge em mim este desejo/De começar a cantar,/De iniciar a declamar/Uns versos do nosso povo,/Uns cantos da nossa gente.//Na boca fundem-se os ditos/E precipitam-se as frases;/Da língua fogem os tons/E contra os dentes se afoitam.

Este começo é já de si uma pequena obra de arte, e uma amostra do que aí vem. Estas duas estrofes não parecem nada de especial, mas reparem bem neste pormenor: o segundo verso é o primeiro dito de outra forma, e o quarto idem do terceiro, e por aí fora.

É um mecanismo muitas vezes repetido ao longo da narrativa, e que empresta um tom muito próprio à história. Juntamente com as fórmulas que se repetem, como se fossem refrões de cantigas, dá ao texto uma musicalidade quase impossível de não acompanhar.

Dei por mim a murmurar todos os versos, tentando sempre encontrar um ritmo que se adequasse. É complicado, porque enfim, é uma tradução de uma língua bastante diferente, mas há partes em que é bastante fazível, provavelmente por causa do excelente trabalho de Orlando Moreira com a tradução.

Sem notas de rodapé, que seriam desnecessárias, a história contada é principalmente a de Vainamoinen, Ilmarinen e Lemminkainen. O bardo, o ferreiro e o aventureiro. O sábio feiticeiro, o prático artesão e o irrequieto sedutor. Três homens peculiares e personagens muito fortes, que desafiam exércitos, deuses, a própria natureza, às vezes por donzelas, às vezes por despeito.

"Quanta da água deste mar,/Quanta é sangue do meu sangue;/Quantos peixes deste mar/São da minha carne carne;/Quanta madeira da costa/É costela da coitada;/Quanta da relva da margem,/Seu cabelo desmanchado."/Assim morreu a donzela,/Assim finou-se a pequena.

E de vez em quando há momentos destes. Conseguem sentir o formigueiro épico? Eu garanto-vos que consigo.

A verdade é que o facto de isto ser uma colectânea de antigas cantigas se nota bastante bem. O "formato musical" em que está escrito é a primeira pista, mas a sequência narrativa é outra. Há momentos em que a coisa fica ligeiramente para o desconexa, de um momento para o outro. O autor bem se esforça para que fique um todo coeso, mas era uma tarefa praticamente impossível, de certeza.

Não achei, no entanto, que isso tirasse qualidade ao livro. A minha parcialidade quanto a epopeias teve o seu peso neste assunto, mas tentando falar o mais objectivamente possível: não incomoda muito. A introdução avisa sobre o que aí vem, e em momento algum senti que estava a ler algo que podia estar melhor, por este motivo ou por outro. Aquilo é assim porque tem que ser assim, e provavelmente já foi difícil juntar as cantigas isoladas de forma tão coesa.

Acho que lhe dou o desconto. Adorei o livro, e mal consigo tirá-lo das mãos, de tão perfeita que é esta edição. Aconselho vivamente a leitura, sem sombra de dúvida, e então se forem fãs de epopeias, ui! Só não venham à espera de uma grande história como pano de fundo, estilo Lusíadas. O Kalevala é um conjunto de histórias, uma manta de retalhos de narrativas contadas de forma... bem, épica.

E é nessa condição que se torna fenomenal.

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