sábado, 22 de fevereiro de 2014

Escrita e leitura


Acho que o que esta imagem diz é bastante óbvio. Trivial, como diria qualquer professor do IST. Um leitor pode ler toda a vida e nunca escrever mais do que o nome e listas de compras, que não se perde nada, mas um escritor tem obrigatoriamente que ter uma enorme bagagem de leituras.

É através da leitura que um escritor aprende muito do seu ofício. É a ler que um escritor arranja muita da sua inspiração. Só conhecendo muitos tipos de escrita e muitas formas de contar uma história, é que um escritor consegue criar algo interessante, cativante e realmente bom.

Já para não falar de que ler nos torna activamente mais inteligentes e cultos, o que é sempre uma vantagem.

Também é sabido que criticar o que se lê afecta a forma como se lê. Quando nos habituamos a olhar para um texto ou um livro de forma mais objectiva, para ultrapassar o simples "gosto/não gosto" e avaliar a qualidade de uma obra, acabamos por o fazer mesmo quando não queremos.

É inevitável notar que aquele autor usou um truque narrativo para prender o leitor, ou que escreveu aquilo assim para permitir o que vinha a seguir. Já dava conta disso por causa das opiniões que escrevia para o blog, mas desde que participo na Oficina de Escrita da Trëma que isso ainda é mais gritante.

Não é que essas coisas me passassem ao lado, mas agora dou por mim a ler a fazer pausas inconscientes na "leitura por prazer" e a pensar "se ele tivesse feito assim, tinha evitado esta explicação e isto lia-se melhor". Sem ser necessariamente aquela sensação de "eu fazia melhor" (já la vou), é ainda assim uma sensação difícil de afastar e de explicar.

Mas eu, sendo o tipo violentamente opinativo que sou, tenho uma opinião: eu acho que a escrita afecta a leitura. Imaginem que vão ver um espectáculo de magia depois de aprenderem a fazer os truques. Não é assim tão impressionante, pois não?

É claro que há maus mágicos, há mágicos medíocres, há mágicos excelentes, e toda uma série de categorias pelo meio, mas o efeito é sempre o mesmo. Eu já sei que aquela carta veio da manga, ou dum bolso dissimulado, e que ele a tirou de lá quando eu estava distraído a olhar para a outra mão dele. Posso apreciar a rapidez com que o faz ou insultar a fraca distracção, mas sei qual é o truque.

Imaginem truques mais complexos, e é isso que quem lê arrisca, quando começa a escrever. Eu cá não me considero um escritor, sou um tipo que escreve há muito tempo, mais por desafio próprio, e que já teve a sorte de ter um mini-conto publicado numa mini-antologia (nunca ninguém me vai calar), mas sinto um bocado isso.

Parecendo que não, eu já escrevo qualquer coisa desde a primária, da qual já saí há coisa de dez anos. Isto quer dizer que passei metade da minha vida com alguma coisa entre mãos a ser escrita. Pequenas histórias mal amanhadas em inúmeros bloquinhos, ou contos de dez mil palavras com reviravoltas atrás de reviravoltas, já tenho alguma experiência de escrita.

Bem, talvez "experiência de escrita" seja uma expressão demasiado forte. Chamemos-lhe "treino em juntar palavras". Pelo menos já consigo expressar ideias e contar histórias, com uma escrita que algumas pessoas acham boa o suficiente para a lerem. Não é mau.

Isto para dizer que sinto o que estava a mencionar ali em cima, especialmente desde que me juntei à Oficina e escrevo com mais regularidade e deixei de encarar o acto de escrever como um mero acto de inspiração e jeitinho para a coisa.

Por exemplo, acabei anteontem de ler o The Final Empire, do Brandon Sanderson, e não vi imediatamente a relação entre as duas personagens principais como sendo uma de pai e filha, como o autor tenta passar; aquilo que vi primeiro foi uma junção perfeita para explicar o mundo criado ao leitor. Uma personagem muito experiente que toma a personagem inexperiente como protegida. Não podia haver melhor forma de familiarizar o leitor com o mundo e o seu funcionamento.

Estão a perceber? É curioso. Eu pelo menos acho, desde que me apercebi. Nem sequer é algo tão óbvio quanto isso, mas sente-se claramente, e convido qualquer leitor a sentar-se e a escrever uma história. Qualquer coisa. Não prometo que sintam a diferença com três páginas de escrita, mas escrevam qualquer coisa e logo dão por ela.

A minha reacção quando me apercebi foi um rotundo "Quem diria?". E é uma sensação boa, confesso. Espero que consigam sentir o mesmo.

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