segunda-feira, 21 de abril de 2014

Laços de Família

Autora: Clarice Lispector


Opinião: Tenho sempre algum receio de pegar num livro de um autor brasileiro. Habituado como estou ao português de Portugal, há pequenas coisas no português do Brasil que me soam demasiado estranhas e que correm o risco de me influenciar negativamente a leitura.

Já tive, no entanto, boas experiências com livros brasileiros, e este livro de Clarice Lispector é o membro mais recente dessa lista. Em Laços de Família, conjunto de contos sobre o quotidiano, a autora consegue transformar rotinas e situações perfeitamente normais em intensas descrições literárias com uma escrita bastante boa.

Aliás, para se ver que quando a escrita é boa, as diferenças entre as versões do português se esbatem, basta ter em atenção que não é difícil lerem-se alguns destes contos sem se ficar a saber a nacionalidade da autora.

Logo por aí, é bom. Mas achei mesmo que Lispector tem um dom qualquer, porque não é qualquer pessoa que me consegue manter interessado em contos pequenos que são, basicamente, a descrição de um jantar de família, a ida para a escola de uma rapariga e outras coisas igualmente banais.

O que a autora faz de forma fantástica é, como já disse, dar intensidade a essas descrições, seja através da sua escrita praticamente irrepreensível ou da perspectiva pessoal e altamente modelada que usa para contar as histórias, pondo-se na pele das várias personagens e transmitindo na perfeição o que cada uma sente.

Isto é muito interessante, e faz algo que me agradou bastante: cria um certo conflito entre diferentes tons dos narradores, que variam ao longo de cada história. Esses tons, criados e controlados pelas emoções e pela mente das personagens, digladiam-se sem que nenhum ganhe nem perca, mas sim até a história acabar, em constante contraste bem encenado por Lispector e que só beneficia os contos.

Mesmo assim alguns dos contos não conseguem erguer-se acima da banalidade desinteressante – são aqueles em que a escrita da autora brilha menos – criando assim uma divisão entre os contos, entre os banais que conseguem cativar e os banais que não passam disso mesmo.

Além da escrita e destas particularidades das histórias e dos narradores, os temas abordados são profundos e terra-a-terra, misturando preocupações do dia-a-dia com questões mais existenciais de forma harmoniosa e tornando o livro fantasticamente citável.

Por isto tudo, aconselho a leitura deste Laços de Família, mesmo aos mais cépticos. Lispector já me foi aconselhado várias vezes, e também não acreditava muito que fosse gostar grande coisa, mas desenganem-se: o livro é bom, a escrita é muito bom, e a autora é, no mínimo, intrigante!

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