sexta-feira, 2 de maio de 2014

A Conspiração dos Abandonados

Autor: António de Macedo


Opinião: Li há relativamente pouco tempo outro livro de contos deste autor, do qual fiquei com a melhor das impressões. Antes disso li um conjunto peculiar de peças de teatro que me impressionou de certa forma. E como é público, tenho António de Macedo de pedra e cal no meu panteão de pessoas a idolatrar/venerar. Aliás, gostava de aproveitar esta opinião para vos incitar a dar um empurrão ao documentário sobre a sua obra cinematográfica. Podem ver os detalhes no link.

Por isso é com pena que digo que este livro é meramente mediano. Os contos ("Neogóticos", como diz na capa) são seis e têm o ponto a favor de terem um elo de ligação bem claro, salvando este livro do marasmo de livros-de-contos-só-porque-sim que grassam por essas prateleiras fora.

Fã de contos como sou, confesso que este pormenor me deixa bastante satisfeito. Se há coisa que gosto de ler é um livro destes, de contos, mas com um tema central. Os contos não precisam de estar directamente relacionados, nem sequer precisam de ser do mesmo género, mas se existir esse ponto em comum... Oh!

Aqui, ele existe. Infelizmente isso é a melhor característica do livro, juntamente com as ocasionais passagens de fazer cair o queixo. Nenhuma das histórias é particularmente boa e estão recheadas de inconsistências ou, pelo menos, de pormenores que quebram a "suspensão da descrença" (suspension of disbelief, no original).

Os diálogos artificiais e excessivamente expositivos são apenas um desses pormenores, que nem sequer são bem pormenores: acabam por se tornar problemas graves. As personagens com reacções pouca naturais, os acontecimentos em catadupa sem as consequências normalmente expectáveis, e toda uma sensação geral de... falso.

Sim, toda a ficção é falsa, por definição, mas não é isso. Ler ficção, para mim, consiste em acreditar numa série de mentiras como se a nossa vida dependesse disso, depois de sabermos que são mentiras. "Suspensão da descrença". Um sinal de que um livro é bom, e de que um autor fez bem o seu trabalho, é quando se fala das personagens como se fossem pessoas, ou se discutem eventos da narração como se fossem as mais recentes notícias.

Em A Conspiração dos Abandonados, e apesar da mestria de Macedo (em tudo o que faz), isso não acontece. Eu bem tentei, mas a esta sensação a falso não me largou nem por um segundo. Nunca me consegui ligar às personagens, nunca consegui relacionar nada com os acontecimentos e nunca senti estas histórias da mesma forma que sinto uma boa história.

O primeiro conto ainda é capaz de ser o melhor contado, e foi uma boa abertura, com direito a plot twist nas últimas linhas. A partir daí foi mais ou menos sempre a descer, e embora nenhuma conto seja propriamente mau, também não são propriamente bons. Nota-se sempre um tom quase académico. Demasiado académico! A narrativa não flui naturalmente e as histórias não se desenvolvem como deveriam: a trama avança aos solavancos, com duas páginas de descrições secundárias seguidas de um parágrafo a avançar o enredo.

No entanto é uma leitura agradável. Não tão agradável como poderia ser, e com problemas gritantes não só a nível das histórias, como da escrita (já lá vou), mas agradável e interessante.

Agora, antes que me esqueça, eu não sei se foi tudo escrito às três pancadas, ou se os revisores estavam todos de folga, mas a pontuação deste livro está má. Muito má. Nem sequer é uma questão subjectiva de "acho que ficava melhor sem essa vírgula", mas sim uma constatação do mais objectiva possível.

Ultrapassando isso, só é preciso deixarmos que Macedo nos guie nas suas histórias sobrenaturais, que roçam frequentemente a ficção científica e que fazem algo que me deixa fascinado. O autor consegue dar dicas de ficção científica no meio de uma história repleta de magia e de fantasia afim, sem nunca dar a entender o que se está realmente a passar. Seres incorpóreos de outro plano de existência, ou aliens? Era bom saber, não era?

Enfim. Digamos só que aconselho a leitura, mas com calma, moderação e espírito crítico. Provavelmente é mais fácil ignorarem um pouco a pontuação e lerem como se sentirem melhor. Mas podem ter a certeza que aconselho!

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