segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Bichos

Autor: Miguel Torga


Opinião: Parti para a leitura deste livro sem ter a mínima ideia do que esperar. Já li Torga, há muito tempo, e para não me lembrar de grande coisa... Bem, não tinha grandes expectativas. No entanto tinha a impressão de que ia gostar mais do que da última vez.

O primeiro embate é com o prefácio, que é curto mas promissor. Miguel Torga parece ter aquela escrita terrena e popular (do povo!) que gosto de ver em autores portugueses. O seu à-vontade e companheirismo, pelo menos aparente, para com os leitores, agradou-me.

Mas julgar um escritor por um prefácio é pouco. No primeiro conto, Nero, a escrita é boa, mas não foi o suficiente para me convencer. A história, por outro lado, é estranhamente interessante, tendo em conta que é do ponto de vista de um cão.

Mago, a história seguinte, já é com um gato. A melhor parte é ver como o tom do narrador se adequa à personagem, arrogante mas estragada pelo mimo, como muitos gatos indolentes. A continuar assim, com esta capacidade de moldar o narrador, ganhava o meu apreço sem grande esforço!

O conto seguinte, Madalena, parecia continuar a tendência. É perturbador, mas está muito bem escrito. Demorei um bocado a ficar convencido de que era uma pessoa e não uma burra, mas talvez o significado escondido se prenda com isso mesmo. A verdade é que não fiquei com certezas de nada.

Já em Morgado, um bom conto sobre um burro, com uma história muito desagradável, a escrita finalmente conseguiu convencer-me! Eu sou fã de burros, portanto não fiquei muito feliz com o dono de Morgado, mas pronto, o facto de eu ter sentido isso é bom sinal.

Depois vem Bambo que, tal como os outros contos, consegue ser estranhamente interessante, apesar de ser sobre um sapo. No entanto parece-me que o que está a salvar o livro é a escrita.

Felizmente, e para contrariar essa tendência, o conto Tenório é bem porreiro. O sacana do galo é arrogante e tem cá um pânico de perder o lugar! Confirma-se aqui, sem sombra de dúvida, a mestria de Torga a moldar o narrador.

Logo a seguir, no entanto, lá vem um conto chamado Jesus, que não percebi. A história é curta, mas toda bonita e fofinha, ainda que com uns laivos algo misteriosos. O que interessa é que no fim fiquei sem perceber quem era Jesus.

Para não me chatear muito, lá vem Cega-Rega, muito bem escrito e com a cigarra mais interessante que já vi. Aqui aparece também uma das sequências mais espectaculares do livro, uma metamorfose que Torga descreve de forma excelente.

O ritmo acelerado de Ladino, completamente em sintonia com a personalidade do pardaleco, é muito interessante de acompanhar e mais uma prova da forma como Torga molda os narradores. Quase que consegui ver o bicho aos saltinhos hiperactivos!

Falando de personagens interessantes, em Ramiro há um pastor que não fala, mas que brilha. Começo é a sentir a falta de histórias maiores.

Farrusco é um melro com coração, mas esta sequência de histórias curtas não me está mesmo nada a  agradar. Não há grande desenvolvimento, nem nada que se pareça, o que é uma pena, porque quando Torga tem algum espaço, consegue fazê-lo bem.

Finalmente um conto que me enche completamente as medidas, Miura, sobre um touro durante uma tourada. Impecável! As dúvidas, os problemas e as certezas que assaltam Miura estão bem exploradas, e a sua luta com os toureiros também.

O Senhor Nicolau também está bem escrito e tem um bom final, bastante irónico, embora do resto da história não me tenha ficado grande memória.

É pena que para finalizar tenha aparecido Vicente, que embora extremamente interessante e ligeiramente blafesmo, tal como eu gosto, destoa completamente dos contos anteriores. Todos os contos até aqui eram de certa forma caseiros e retratavam a vida na província. Este, por outro lado, é sobre um corvo que foge da Arca de Noé! Não percebi a lógica.

Depois de dizer tudo isto, a minha opinião geral é que não achei nada mau, mas também não achei nada de extraordinário. Os contos são diferentes daquilo que eu esperava, no melhor dos sentidos possíveis, mas isto acaba muitas vezes por entreter mais pela escrita do que pelos contos no seu todo.

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