segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Os Vingadores #8


Argumento: Jonatham Hickman, Nick Spencer
Arte: Mike Deodato, Frank Martin, Rain Beredo, Stefano Caselli, Marco Rudy, Marco Checchetto
Tradução: Filipe Faria

Opinião: Tanto... Texto... Os meus olhos... Não aguentam... Tanto... Texto...

A sério, isto quando um gajo vai ler banda desenhada e os desenhos só servem para sabermos o sítio onde as personagens estão e o aspecto dessas mesmas personagens, fico triste. E em parte foi o que aconteceu aqui, especialmente no primeiro terço, correspondente a um número dos Illuminati.

É que assim até perdi um bocado o interesse em seguir a história. Sim, são um grupo super secreto, mais orientados para as politiquices e isso tudo, mas tem personagens tão boas e tão expressivas, que a tentativa de ser mais sério apenas faz com que a narrativa fique mais pesada e tudo fique mais... Genérico.

Por exemplo, as desavenças entre o Namor e o Pantera Negra são fantásticas de acompanhar, assim como o facto de o grupo ter expulsado o Capitão América, por ser demasiado bonzinho, mas tudo isso acaba por ser pouco explorado.

Felizmente esses aspecto melhoram nas duas partes seguintes, correspondentes ao fim do prelúdio para a saga Infinito. A história é mais interessante, embora mais confusa, e o problema do excesso de texto desaparece em grande parte. O factor "confusão", no entanto, ainda pesa um pouco, e tenho a sensação de que me está sempre a escapar alguma coisa.

Pior, continuam a ser introduzidos pormenores novos que não avançam propriamente o enredo, sem se explicar grande coisa, o que não abona nada a favor da história. Resta-me esperar pelo começo de Infinito, para ver como é que a coisa evolui.

sábado, 27 de setembro de 2014

Personagens favoritas


Tendo em conta o número reduzido de comentadores e comentários que este blog tem, basta alguém comentar mais do que uma vez e eu fico a conhecer essa pessoa. E a considerá-la, pelo menos, uma pessoa conhecida.

Alguns, no entanto, são bastante reincidentes. Por esses, poucos, tenho uma grande estima. Ainda para mais quando todas as suas intervenções são relevantes e interessantes, como é o caso do Francisco Fernandes (aka asesereis).

Esta conversa, para além de agradecer a sua contribuição para as discussões aqui no blog, é só para introduzir uma sugestão que o Francisco fez e que vou seguir (mais ou menos): personagens favoritas.

É complicado falar de favoritos, sejam livros, sejam autores, quando somos completamente viciados em literatura, mas no fim fica fácil. Se tiver sido um livro que nos marcou o suficiente para ser o nosso favorito, não nos vamos esquecer. E o mesmo para autores. Mas personagens favoritas? Personagens há muitas!

No meu caso, assim de repente, basta lembrar-me de Tolkien e de Stephen King, e já fico, literalmente, com um manancial de centenas de personagens disponíveis. E se ficar a saber os nomes dos cerca de cem livros que leio por ano já é abusar da minha memória, nem sequer pensem em ficar a saber os nomes de todas as personagens.

Mas no entanto há algumas que ficam. Outras cujo nome já não sei, mas que conheço perfeitamente. Quer queiramos quer não, é como os livros e os autores - só que a uma escala maior.

E com as personagens até é possível acontecerem coisas bastante curiosas... Como por exemplo, uma das minhas personagens favoritas é o Glotka, o torturador desfigurado e manipulador da trilogia The First Law, de Joe Abercrombie, que achei apenas mediana. Mas o meu livro favorito deste autor, Best Served Cold, também tem uma personagem que aprecio, embora bastante níveis abaixo de Glotka: Friendly, o tipo frio e obcecado com a matemática, cujo ponto de vista originou alguns dos capítulos mais interessantes que já li.

O "pior" é quando começo a desbobinar os nomes de que me vou lembrando, e o resultado é uma lista recheada de vilões. Seltor, Joker, Pennywise, a enfermeira psicopata que depois é interpretada por Kathy Bates... Podia ficar aqui o dia todo.

Por outro lado, como raio é que faço uma lista destas sem dar destaque a meia dúzia de personagens de Tolkien? Ou de Alan Moore? Ou de Neil Gaiman? Ou do George R.R. Martin? Ou da Rowling? Ou das outras centenas de autores?

E o Sherlock Holmes? E o Poirot? Impossível! Impossível!

A minha resposta ao teu desafio é esta, Francisco: provavelmente, se me perguntares qual é a minha personagem favorita, digo-te sempre o Seltor, mas se todos os dias me pedires uma lista de cinco personagens favoritas, o mais provável é eu dar-te uma lista diferente de cada vez.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Dragonball (Dragonball #1 - #17)


Autor: Akira Toriyama
Tradutora: Olga Martinho

Opinião: Ah, Dragonball. Há qualquer coisa neste universo que me fascina, a mim e a muitos outros. Já devo ter visto todos os episódios uma média de cinco vezes. Não é difícil de imaginar que tenho os livrinhos todos, comprados há muito tempo (ainda têm o preço em escudos!!), e que também já os li várias vezes.

Infelizmente estive sem o fazer durante uns anos. Não sei se foi por ter passado pelo meu período mais cheio de leituras de sempre, ou se o foi culpa de ter os livros literalmente encaixotados e fora de vista durante muito tempo, mas lá andei longe destas páginas durante este tempo todo.

Decidi regressar há pouco tempo. E estou a delirar. É das coisas mais engraçadas que me lembro de ler, e o peso da nostalgia é imenso. Son Goku é uma personagem fantástico, um menino com uma cauda e uma força imensa, num mundo em que magia, porcos e gatos voadores que mudam de forma e dinossauros são o pão nosso de cada dia.

A busca pelas bolas de cristal, apesar de ser, muito provavelmente, o aspecto mais conhecido deste universo, tem uma importância praticamente secundária, face ao desenvolvimento de cada uma das personagens e, claro, ao humor brejeiro.

É fácil de esquecer o Yamcha, um tipo forte, mas claramente pouco excepcional, que não consegue estar ao pé de mulheres, mas como deixar passar a Bulma, a energia desta equipa? Ou Mutenroshi, o Tartaruga Genial, uma das personagens mais hilariantes que conheço?

Os vilões, esses, pelo menos nesta fase, não são nada de extraordinário. Os primeiros, Pilaf e a Legião Vermelha, estão lá para a comédia e pouco mais, mesmo quando conseguem vencer Son Goku - que se limita, obviamente, a tornar-se mais forte, o tipo parece que só sabe fazer isso - e até parece que vão ganhar.

Só com a introdução da história de Coraçãozinho de Satã é que as coisas se complicam e aparece o primeiro grande vilão. É aqui que começam a morrer personagens importantes e o próprio destino do mundo está nas mãos de Goku. Muito melhor.

Outra característica interessante, e que nunca se vai perder por muito que a história avance, é o Grande Torneio das Artes Marciais. Aliás, daqui a quase 30 livros, tudo acaba, exactamente, num desses torneios. É bom ver a evolução do torneio e dos participantes, em parte causada por Goku e companhia, cada vez mais fortes e completamente inatingíveis por comuns humanos.

Sei que os próximos volumes são dos melhores, com a história de Vegeta, depois Freezer e depois os ciborgues e Cell, portanto mal posso esperar... Mas vou-me obrigar a fazer uma ligeira pausa, para combater o impulso de me fechar em casa até ler o que me falta!

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Invasão Secreta (Universo Marvel #5)


Argumento: Brian Michael Bendis
Arte: Leinil Francis Yu, Mark Morales, Laura Martin, Emily Warren, Christina Strain
Tradução: José de Freitas


Opinião: Bem, acho que encontrei o pior livro da colecção. Não, não preciso de ler os próximos, tenho a certeza que será muito difícil aparecer algo pior que isto.

Não achem que estou a exagerar, a história é interessante e tem potencial, mas a forma como está escrita é muito desagradável.

Para terem uma ideia do potencial desperdiçado, fiquem a saber que o inimigo aqui são os Skrulls, uma raça de aliens metamorfos que conseguirem infiltrar-se no mundo dos super-heróis, ao longo de vários anos. Estiveram por trás de alguns eventos massivos e importantes, como a Guerra Civil, e a descoberta da sua infiltração conseguiu destabilizar por completo todas as super-facções, incluindo vilões.

A certa altura aparece um exército Skrull em que cada soldado é uma mistura de vários dos nossos heróis. Se a primeira palavra que vos vem à cabeça não é "imparável", sois loucos. E o Bendis é claramente louco.

A forma como ele guia a história, para além de extremamente confusa por nem ele nem o desenhador conseguirem lidar com heróis e cópias Skrull ao mesmo tempo, não leva a lado nenhum. Criam-se uma série de situações interessantes e potencialmente fatais/interessantes, que nunca se concretizam realmente.

Ou seja, este livro tem apenas páginas e páginas de história desperdiçada. É que podia ser tão, tão bom, e saiu, na minha opinião, miserável. Depois de Legado me ter desapontado, veio isto, portanto espero bem que o próximo seja bom!

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Who-ology


Autores: Cavan Scott e Mark Wright


Opinião: Um livro de fãs, para fãs. O meu apreço por Doctor Who está bem documentado, portanto é fácil de perceber que este livro foi das melhores coisas que já recebi. Capa dura e recheado de factos interessantes, obscuros e muitas vezes completamente irrelevantes - o sonho de qualquer fã!

Sem ser completamente exaustivo, não acho difícil chamar a isto uma mini-enciclopédia. Pouco texto, muitas listas e tabelas, o trabalho de investigação é imenso, e basta começar a ler para perceber que a paixão que os autores sentem pela série é tal e qual a de qualquer whovian.

Também é verdade que se este livro existe, é porque a série já tem mais de 50 anos e 800 episódios. Não é algo fácil de alcançar, e existiram muitos percalços pelo meio, mas actualmente a série vive uma nova fama, depois de ter sido trazida para a ribalta pelas mãos de Russel T. Davies, em 2005, com Christopher Eccleston como Ninth Doctor e Billie Piper como a companion Rose.

E bem, se sempre quis saber quantas vezes é que os Daleks dizem Exterminate!, ou exactamente quantos actores (e quais) é entraram nesta série e na saga de filmes do Harry Potter, a resposta está aqui. E tantas outras coisas que nem as vou enumerar, ou os leitores que aqui vêem e não sabem o que é um Slitheen começam a abandonar-me!

Mas verdade seja dita, o livro tem defeitos. Um de que não tem culpa: faltam coisas. Mais especificamente, o último ano e meio. Só que pronto, coitado do livro (e dos autores), não há como evitar... Fica a sensação de "então e o resto?", mas é impossível de satisfazer, quando a série continua a ter episódios todas as semanas!

Outro de que já tem culpa é o facto de se tornar confuso e das tabelas se tornarem demasiado exaustivas. Ou melhor, "demasiado tabelas". A confusão surge do facto dos capítulos estarem divididos tematicamente, mas de ser difícil de separar alguns temas, que acabam por surgir onde não se estava à espera, quebrando o ritmo, ou então aparecem repetidos.

O problema das tabelas é que, especialmente para o fim, se tem praticamente só tabelas intercaladas com duas ou três linhas de texto, o que torna a leitura penosa. Mas é fácil de ultrapassar isso com a quantidade gigantesca de trivia que enche estas páginas!

Digamos apenas que não vou guardar este livro. Vou arranjar um cantinho onde o tenha sempre à mão de semear. Afinal, nunca se sabe quando é que posso precisar de saber exactamente o que faz cada componente da TARDIS (a nave do Doctor, com aspecto de cabine telefónica da polícia), não é verdade?

sábado, 20 de setembro de 2014

Estantes Emprestadas [9] - A importância dos juvenis


Esta deve ser a crónica convidada de que mais me orgulho. A autora, Joana Reis, é minha prima. Está no 11º ano e gosto de pensar tenho alguma culpa na sua escolha de área: Ciências.

Descobri há relativamente pouco tempo que partilhamos o gosto pela leitura e pela escrita, além da inclinação científica, portanto nunca mais a larguei. Chateio-a frequentemente com sugestões de leituras, debates sobre Doctor Who - tendemos ambos para fanáticos - e conversas sobre matemática, física, biologia e química.

Aqui há uns tempos pedi-lhe para participar nesta rubrica. Ainda tentou, mas desistiu, por não estar a gostar do rumo da coisa. Voltei a chateá-lo algum tempo depois, pedindo-lhe que explicasse a importância da literatura juvenil, e o resultado é este, uma crónica bem escrita, que aborda bem o tema, e que me conseguiu pôr a mim a ver as coisas por outra perspectiva.

Os meus parabéns Joana, e obrigado. Garanto-te que os leitores aqui do blog vão achar o mesmo que eu. E prometo que volto a chatear-te, quando tiver que repetir convidados!


Nos últimos tempos a literatura juvenil tem sido muito falada por essa internet fora. Mas não pelos melhores motivos. Já li muitos artigos e posts em blogs que dizem que a literatura juvenil não é “literatura verdadeira”. Algumas das coisas que me lembro mais vivamente são que as personagens não têm profundidade, que os problemas das personagens principais são tão fáceis de resolver que gastar um livro inteiro neles se torna ridículo e o facto de serem todos iguais e tratarem todos dos mesmos assuntos e acabarem todos da mesma maneira. Alguns até se questionam “Porque é que os adolescentes gastam tempo nestes livros quando podiam ler algo muito mais filosófico e importante? Há tantos clássicos bons por aí!”.

Ora bem, eu consigo perceber o que estes bloggers querem dizer, percebo o ponto de vista. Mas não concordo, não totalmente.

Desde que comecei a aprender ler, sempre tive livros ao meu dispor. E sempre foi algo que gostei muito de fazer. Mas houve uma altura em que deixei de ler tanto, por motivos desconhecidos. E então, há cerca de dois anos voltei a ter interesse em ler. E como não sabia ao certo o que queria ler tive de fazer uma pesquisa científica muito minuciosa.

Na altura dessa minha pesquisa o filme “Os Jogos da Fome” tinha acabado de sair e eu via montes de gente a falar sobre isso. Acabei por descobrir que se tratava de um trilogia de livros e bing! foram mesmo esses livros que eu comecei a ler. E adorei! E a partir daí foi apenas um pequeno passo para o mundo da literatura juvenil.

“Os Jogos da Fome” e outras trilogias distópicas que estão muito na moda são apenas um pequena parte do mundo dos livros jovens-adultos. Eu gosto muito destas distopias (uma mais que outras) mas também gosto de muitos outros géneros dentro da literatura juvenil, como fantasia, paranormal, steampunk, ficção histórica, ficção científica e o chamado contemporâneo, que é o subgénero em que me vou basear no próximo parágrafo.


Estes livros contemporâneos dentro do género jovem-adulto são aqueles que não têm um elemento fantástico, que tratam de coisas da vida real. Mas porque é que eu como adolescente gosto e leio estes livros? Porque são estes livros que eu escolho ler em vez de me lançar nos clássicos? Porque me consigo relacionar.

Acho que a coisa mais importante destes livros é o facto de que, como estas personagens têm mais ou menos a mesma idade dos leitores, passam por experiências semelhantes. De uma maneira mais direta ou não, os problemas destas personagens são os problemas por que os leitores passam no seu mundo. Desde preocupações com a escola e o futuro, a família, as amizades e cada vez mais começa a aparecer o assunto da homossexualidade.

É normal que pessoas mais velhas leiam estes livros e não se consigam relacionar com as angústias das personagens. Mas para os leitores adolescentes aquilo é de um certo modo a sua realidade.

Na minha opinião é importante passar por esta fase da leitura juvenil (se bem que esta coisa da fase é um pouco relativa, mas isso é outro assunto). 

Falo por experiência própria, estes livros tornaram-se uma parte importante da minha vida e acredito que não seria a mesma pessoa se não tivesse lido certos livros juvenis. Fizeram-me ter um perspetiva diferente não apenas sobre mim mas sobre as pessoas à minha volta. E não é esse um dos objetivos principais dos livros?

Mas este é só o impacto na minha vida pessoal. Na minha “vida literária” estes livros fizeram que eu tivesse curiosidade noutro tipo de livros, como os tais clássicos, alguns dos quais se tornaram alguns dos meus livros preferidos. Preparam-me, depois de uma linguagem simples e direta, para uma linguagem mais complexa.

Então devem as pessoas mais velhas ler livros juvenis? Eu digo que sim, pois este preconceito está a deixa-las passar em branco alguns dos que eu acredito serão os clássicos do futuro.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Legado (Universo Marvel #4)


Argumento: Dan Abnett e Andy Lanning
Arte: Paul Pelletier, Rick Magyar, Nathan Fairbairn, Guru eFX
Tradução: Paulo Moreira


Opinião: O início atribulado deixou-me interessado, mas ligeiramente de pé atrás. Os Guardiões da Galáxia são um grupo tão interessante que ia ter imensa pena se fossem reduzidos a mais um grupo de heróis de acção inconsequente.

Felizmente não é bem assim. Não achei o livro nada de especial, entenda-se, mas gostei bastante de alguns pormenores do enredo e das personagens. Adam Warlock é fascinante, assim como Mantis - se ignorarmos os problemas das suas capacidades pré-cognitivas, que não parecem ter regras muito bem delineadas - e Cosmo é hilariante, de tão idiota que é a ideia.

A equipa é constituída pelo pessoal do filme, mais umas pequenas adições e menos o Groot, que infelizmente aparece pouco. Mas a parte mais interessante, para além dos vilões ultra-religiosos e ultra-militarizados, é a descoberta do Major Vitória, à là Capitão América, com o escudo dele e tudo. Infinitamente mais interessante que o dono original do escudo, esta personagem é uma completa incógnita durante grande parte da narrativa. Pelo menos para mim, que conheço pouco da história do grupo.

A sua caracterização e toda a história a ele associada está bem feita e é das partes mais interessantes do livro, especialmente por causa das aparições repentinas do/da Águia Estelar, que infelizmente ficaram por explicar. Aliás, este livro é claramente só uma parte da história, e tem praticamente zero respostas. E isso é mau.

Quer dizer, é fixe ver estas personagens, especialmente a interagirem umas com as outras e tal, mas o enredo fica no ar. A conclusão desta parte é interessante e achei que estava bem explorada, mas sem saber mais nada fico com a impressão de um livro altamente incompleto.

Acho que tenho é de ler a saga Annihilation, como já me aconselharam...

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

The Return of the King [2/2] (The Lord of the Rings #3)


Autor: J.R.R.Tolkien


Opinião: E assim chega ao fim a minha jornada épica pela trilogia de Tolkien. Foram três bons livros recheados de personagens fantásticas, momentos épicos, descrições impressionantes e uma mitologia rica.

Também tem um bom começo e um bom final. Só bons ingredientes, mesmo bem encaixados nos meus gostos. O final, confesso, é diferente do que eu esperava (e me lembrava), e só por ler os nomes dos capítulos, no índice, fiquei com medo que se arrastasse demasiado.

Felizmente Tolkien não desaponta. O grande clímax do livro dá-se pouco depois de meio, e os momentos finais "arrastam-se" por umas boas cento e tal páginas, mas nunca se arrastam num mau sentido. É uma conclusão devida e necessária a uma das sagas mais grandiosas de sempre.

Afinal, se tudo acabasse pouco depois do Anel ser destruído - num momento emocionante, mesmo depois de ser a quarta ou quinta vez que o leio/vejo - muito ficaria por explicar. E se há algo que Tolkien é, é meticuloso. Como tal, faz sentido que tenha o cuidado de detalhar o que acontece a praticamente todas as personagens que acompanhámos ao longo da trilogia.

E o panorama é optimista. O Mal é vencido, há novos reis por todo o lado, mais justos e unidos, alguns casamentos, pequenas vitórias finais sobre réstias de maldade, e concretização de promessas (é bom de ver Tolkien a lembrar-se que Legolas tinha que ir visitar as grutas e que depois Gimli tinha que ir a Fangorn).

Isto tudo inclui uma pequena aventura no Shire que dava um livro por si só, num dos momentos mais divergentes da adaptação cinematográfica, e que não é mais do que uma demonstração do quanto os quatro pequenos hobbits protagonistas são agora adultos capazes de, sozinhos, salvarem todo o Shire. E também de que pode haver redenção para alguns maus da fita, ainda que pelas razões erradas.

E é então que, após ter lido mil e não sei quantas páginas, e de ter visto inúmeras personagens a morrer e a sofrer e a vencer, tudo termina com Sam a voltar a casa, para a sua família, num agora pacato Shire, após cumprir o seu último serviço a Frodo. Não imagino outro final para este livro - nem para esta saga.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Os Vingadores #7


Argumento: Jonathan Hickman, Nick Spencer
Arte: Mike Deodato, Frank Martin, Stefano Caselli
Tradução: José H. de Freitas, Filipe Faria

Opinião: Mas qual é que é o problema da Marvel? Os X-men andam confusos e dedicados ao engonhanço, e parece que os Vingadores decidiram ir pelo mesmo caminho.

É verdade que no segundo capítulo desta revista se inicia o prelúdio à saga Infinito, mas mesmo assim a história recusa-se a avançar grande coisa. Em vez disso Hickman tem-nos servido número atrás de número de personagens com um grande impacto e que simplesmente desaparecem de cena, longos e cansativos momentos de exposição, súbitas batalhas que correm demasiado bem, e novos vilões ao virar de cada esquina.

Ah, e não esquecer o facto de que o pouco que a história vai avançado, é completamente incompreensível. Já me queixei disto antes, mas o argumento parece mais preocupado em introduzir pormenores novos relativamente à ameaça, do que a explicar de facto qual é a ameaça.

O resultado? Pfft, qual ameaça? Aquilo que eu tenho visto é que acontece uma coisa estranha e os Vingadores tratam mais ou menos dela, sem perceberem muito bem o que se passa. Depois acontece outra coisa estranha, e os Vingadores tratam mais ou menos dela, sem perceberem muito bem o que se passa. E todas essas coisas estranhas têm um aspecto ominoso e parecem ser um presságio de algo grande e poderoso... Presságio esse rapidamente ignorado pelos Vingadores, porque já há outra ameaça completamente-diferente-mas-completamente-relacionada-com-todas-as-outras.

Não há paciência. É que embora seja divertidíssimo ler as falas medievais do Thor, ou explorar a personagem do Hyperion, a história não está a passar disso. O que é uma pena pois, como eu já disse várias vezes, estas personagens têm um potencial imenso, e a história no início até prometia. Só que Hickman começou a perder-se em palhaçadas e já parece enamorado pelo próprio enredo.

Nada de bom, portanto. A arte parece-me banal, competente, mas banal e genérica. E nem vou falar das "explicações" no fim, que ainda são mais confusas que a BD. Venha daí o próximo número e logo conversamos...

domingo, 14 de setembro de 2014

Novo projecto: Whoniverso

Pois é caríssimos, incapaz de estar quieto, passei a fazer parte da equipa do Whoniverso, site de fãs da minha série favorita: Doctor Who. Além do site podem acompanhar o Facebook, o Twitter e o Tumblr, e ficar à espera de artigos da minha autoria.

Eu sei, eu sei, já não há volta a dar, sou um cromo do pior. Mas não me importo. Acompanhem o site, os meus artigos, e a série, isso é que eu gosto!

Por agora têm aqui o primeiro e a promessa de muitos bons. Divirtam-se!

sábado, 13 de setembro de 2014

Entrevista a David Soares

David Soares é um autor que exerceu um estranho fascínio sobre mim antes mesmo de lhe ter lido o que quer que fosse. Foi um estranho efeito, que apelidei, de forma bastante original, de Efeito David Soares, e que se viu justificado quando comecei a ler as suas obras.

Autor com provas dadas numa variedade enorme de formatos, começou por publicar BD's e recebeu vários prémios nacionais e internacionais, tendo inclusivamente obtido algum destaque em França com algumas das suas primeiras BD's.

Além disso é uma pessoa fascinante. Quer se concorde ou não com ele (e eu muitas vezes não concordo), e quer se goste ou não da forma como diz as coisas (por vezes também não sou muito fã), vale sempre a pena ouvi-lo/lê-lo. As suas obras mais recentes têm-me deixado desapontado, por uma série de razões, mas tenho alguns dos seus livros entre as minhas obras favoritas de sempre e considero-o um autor de enorme talento e que ainda me vai proporcionar excelentes leituras.

Podem conhecer melhor o autor e o seu universo autoral no seu blog, Cadernos de Daath, e na entrevista que lhe fiz por e-mail, em que não só tentei fazer perguntas interessantes sem bater sempre na mesma tecla, como ainda aproveitei para satisfazer alguma da minha curiosidade pessoal relativamente a certas coisas que tenho a certeza interessam a mais gente.

Nas proximidades temporais não percam Sepulturas dos Pais, com lançamento previsto para 25 de Outubro, pela Kingpin Books, e mais alguns projectos mencionados na última pergunta da entrevista.


O David tem uma presença muito distinta: barba comprida, cabelo comprido, roupa escura, muitos anéis, uma maneira de falar diferente, pausada, ponderada, enfim, digamos que se destaca. Isso podia, no entanto, ser uma persona, um David-Soares-escritor diferente do David-Soares-homem. Daquilo que eu conheço da sua obra e das ocasiões em que o ouvi, não acho que seja o caso, mas essa diferença existe, mesmo que de forma inconsciente e mais subtil?

Desde os tempos helénicos que a Prudência, uma das quatro virtudes cardinais, é representada pelos artistas e descrita pelos escritores como sendo uma mulher a olhar-se ao espelho enquanto agarra uma serpente: esta simboliza a Sabedoria, enquanto o espelho representa a Verdade. Acredite-se ou não, esse é o modo arcaico pelo qual me oriento em questões de gestão de imagem pessoal: com prudência, lá está!, tento mantê-lo no domínio privado. Ou seja: enquanto autor, o único elemento que deverá interessar aos leitores é, evidentemente, a minha obra. Sob esse ponto de vista, penso que a minha imagem não tem importância nenhuma para a maneira como os meus leitores observam a minha obra.

Compreendo que não é fácil perceber onde termina o indivíduo e começa o artista, talvez porque seja impossível separá-los, que nem os Hemisférios de Magdeburgo, mas não penso que a imagem, seja ela qual for, desempenhe um papel preponderante na criação artística, nem que seja pelo facto de que esta é um fenómeno imaginal e a imagem é, por natureza, fenotípica – ou seja, excepto nos casos em que a criação passa, também, pela imagem pessoal do artista, ela pouco ou nada se relacionará com a obra; por conseguinte, poderá ser, somente, uma curiosidade, um faits divers.

O meu discurso é «pausado» e «ponderado», porque, na maioria das vezes, em virtude da minha obra e dos temas sobre os quais escrevo, encontro-me em situações em que tenho de discorrer sobre assuntos complexos e estes, na minha opinião, não devem ser reduzidos ou apressados. Sou um indivíduo que racionaliza tudo, constantemente, e isso afasta-me da frivolidade que, por vezes, o ambiente social cultiva e que parece ser um fabuloso ascensor para um determinado tipo de popularidade que, com toda a sinceridade, não me interessa. Esse tipo de popularidade, assente no efémero e no transitório, não é a minha praia, perdoe-se-me o plebeísmo: estou aqui para a longa-duração e se tiver de sacrificar algumas comodidades para alcançá-la, sacrifico-as. Sou um indivíduo que lê dicionários como quem lê romances: do início para o fim. Há uma certa magistralidade nesta atitude, confesso, mas aquela que advém do puro gozo pessoal sentido por quem, no fundo, não tem interesse absolutamente nenhum naquilo que se diz ou escreve sobre si próprio. Não perco tempo com coisas inúteis e, em definitivo, não peço desculpa por existir: a falsa modéstia não é um dos meus múltiplos defeitos.

Fala muitas vezes da sua voz autoral, quase como se fosse uma entidade distinta. Essa voz nota-se ao longo da sua obra, mas foi sempre assim? Ou seja, quando é que essa entidade nasceu ou, melhor ainda, quando é que se deu conta que ela existia?

A voz autoral relaciona-se com aquilo que um criador tem para transmitir. Se não se for um criador, a voz autoral não existe: será mais recompensador procurar-se por harmonia na música pop contemporânea. Existem vários elementos importantes numa obra literária, como eufonia, respeito pela gramática, arrojo, desrespeito pela gramática, um sentido de missão que quase alcança o significado religioso dessa palavra, mas nenhum é tão importante quanto estes dois: a voz autoral e o tom da obra. A primeira é formada pelo conjunto das mais vigorosas características de um autor e define aquilo que torna singular cada autor. Um autor é um criador que se preocupa com um tema-chave ou vários temas-chave em especial e os vai interrogando a cada nova criação; sendo assim, é fácil entender que os autores se definem pelos seus universos autorais, mas estes desenvolvem-se sempre a partir de um núcleo primitivo de sentimentos, imagens e ideias primordiais que são intrínsecos a diferentes indivíduos. Não se escolhe ser autor: é-se autor.

A minha experiência é esta: sou inquieto, insatisfeito e obstinado. Tenho de agarrar nos meus temas, nos meus desassossegos, e fazer-lhes perguntas. Elas levam-me a sítios inesperados, no entanto a voz com a qual as faço é a mesma. Essa identidade é que oferece autenticidade à obra e faz com que um determinado livro só possa ter sido escrito por um autor em particular. Nesse sentido, aquilo que diferencia um autor de um executante é o seguinte: este, de forma fabricada, vai ao encontro de certa temática numa direcção de fora para dentro – por gosto genuíno ou até por cínica conveniência, isso não interessa para o desfecho –, enquanto o primeiro, de modo inato, vai ao encontro de certa temática na direcção de dentro para fora – por inteira inquietação, porque entre temática e indivíduo não existe distância nenhuma. Os autores são os seus temas.

Sempre observei a arte do ponto de vista de um criador, de um autor, e, por essa via, consciencializei-me muito cedo que esse ponto de vista era peculiar e, por natureza, desigual do ponto de vista de um destinatário. Os tons das obras sempre me fascinaram e aprendi, desde cedo, a apurar os sentidos para compreendê-los – e para capturá-los nas minhas obras. O tom de uma obra é a sua voz, que fala em paralelo com a autoral. Uma obra tem sempre duas vozes: a do autor e uma própria. Enquanto autor, cada nova obra que faço é sempre construída com base no tom: o tom é o sustentáculo de tudo e cada parcela tem de harmonizar-se com ele. Pensem naquilo que Rick diz a Louis no final de «Casablanca», mas, mais do que uma «bonita amizade», tem de existir uma simbiose perfeita entre o tom da obra e a voz autoral. Normalmente, quando uma obra fracassa em transmitir uma mensagem ou uma ideia é por culpa de problemas de tom. Esta qualidade, tão transparente e tão tangível quanto celofane (que, por acaso, é uma das minhas palavras preferidas), é difícil de apurar. Já abandonei a escrita de livros, porque tive dificuldades em apurar o tom certo que tinha em mente, por exemplo. Há livros que a gente abandona e, mais tarde, reencontra, com outra idade e outro ponto de vista, mais adequados ao tom que, originalmente, se tinha em mente. Um escritor não é um futebolista, cuja carreira termina aos trinta anos de idade: tem-se dezenas de anos para reencontrar ideias e aperfeiçoá-las. Quem não for paciente, nunca poderá ser escritor.

Tendo em conta essa voz autoral e o seu universo autoral específico, muito visceral, filosófico e muito pouco aconselhado a crianças e pessoas sensíveis, como é que deu consigo a escrever um livro infantil (O Homem Corvo, Saída de Emergência), e como é que foi essa experiência?

Não tenho muitas ideias que possam servir de ponto de partida para livros infantis, mas, ainda assim, vou imaginando algumas. Acho que as crianças adoram histórias negras, histórias perigosas – somente têm de ter um enorme sentimento de faz-de-conta, senão as ideias negras e perigosas podem tornar-se muito duras. Desde que as ideias mais heterodoxas sejam expostas de um modo que faça as crianças sentirem-se num mundo de faz-de-conta total, que poderão abandonar por uns instantes e, em seguida, regressar quando quiserem, tudo resultará bem e não haverá lágrimas, nem equimoses. Psicologiza-se demasiado sobre se certas referências serão ou não boas para crianças e, às vezes, investe-se num discurso paradoxal, quando, no fundo, a verdade é que basta transmitir-lhes, claramente, a noção de que é tudo a fingir. Recordo que as crianças seiscentistas rebolavam a rir a ver gatos reais a serem incinerados em massa em fogueiras no meio das praças e, contudo, cresceram e tornaram-se adultos responsáveis e empáticos – algumas até se tornaram autores de títulos maiores da literatura ocidental. Há trezentos anos, há duzentos anos, o entretenimento popular, impresso em folhas volantes e folhetins, era mais violento que as imagens televisionadas das guerras contemporâneas e, não obstante, a sociedade é obcecada em censurar imagens cada vez mais depuradas, o que é particularmente patético no que concerne à ficção. Dito isto, «O Homem Corvo», que é uma fábula bem inocente, transmite um elevado sentimento de faz-de-conta.

Esse livro partiu de uma ideia para uma história que andava há anos na minha cabeça e que acabei por concretizar somente para colaborar, propositadamente, com os ilustradores, porque tivemos vontade de fazer um livro juntos. A criação foi uma experiência agradável e acho que algumas coisas que estão no livro resultaram muito bem. As ilustrações são admiráveis.

Tenho uma ideia para criar outro livro infantil, que será diferente de «O Homem Corvo» – mais alienado, com maior propensão para o antilogismo e para o grotesco –, mas ainda não encontrei um estilo de ilustração adequado a essa história.

Como se pode ver pela sua incursão no livro infantil, nos álbuns de spoken word, nos romances, contos, ensaios e livros de BD, não tem qualquer problema em experimentar diferentes géneros. Ou melhor dizendo, linguagens. Imagino que não tenha problemas em, um dia, escrever um guião duma curta-metragem ou de um filme, se a ideia lhe surgir com esse formato, mas como reagiria a uma proposta de adaptar um conto ou um romance seu para uma curta ou um filme? E qual seria o seu envolvimento num eventual projecto?

Sei como se escreve um argumento de cinema e já escrevi argumentos para projectos de curtas-metragens que nunca se concretizaram, mas não foi algo que eu gostei de fazer. Gosto de cinema, enquanto espectador: enquanto criador, não gosto dessa linguagem e não tenho nenhum interesse em ver obras minhas adaptadas a ela. Se alguém quiser fazer um filme a partir de algum dos meus livros, tudo bem, faça-o, mas se isso não acontecer não me irei aborrecer. O que se passa é que o mundo pictórico não me magnetiza: prefiro palavras. Isto poderá parecer estranho, porque escrevo banda desenhada – e já desenhei bandas desenhadas –, mas, para mim, a banda desenhada é uma linguagem narrativa, não é pictórica. A ilustração, a pintura são pictóricas. Em oposição, a banda desenhada é literária. Todas as diferentes linguagens com que vou desenvolvendo as minhas obras são literárias.

A liberdade que eu sinto em ser capaz de trabalhar em linguagens literárias diferentes é embriagante e aquilo que, constantemente, aprendo numa, acaba sempre por ser útil em outra. Neste momento, três das minhas obras mais-queridas, «Palmas Para o Esquilo», um livro de banda desenhada, «Os Anormais: Necropsia De Um Cosmos Olisiponense», um disco de spoken word, e «Batalha», um romance, representam, para mim, o antídoto ideal para aquilo que Baldassare Castiglione cunhou com o nome de sprezzatura: o ar de desprendimento que um artista dá diante da complexidade que deu criar a obra. Ou seja: a maioria do público acha que é fácil ser-se escritor, porque alguns, para efeito de achegamento comercial aos leitores, dão a impressão propositada de que escrever é divertido e simples, quando, na verdade, é árduo e arriscado. Escrevo profissionalmente há catorze anos e só passado este período é que dei por mim a escrever textos com os quais me sinto totalmente identificado, como os de «Palmas Para o Esquilo», «Os Anormais» e «Batalha», obras que qualifico como sendo as minhas melhores. O meu gosto literário inclina-se para o pirotécnico, para o estilo que os gregos chamaram de auxesis e os romanos de amplificatio: gosto de palavras sesquipedálicas, gosto de inventar palavras – todo o léxico ocidental foi inventado por escritores, para começar. Essa é a tradição de que faço parte. Não me insiro na tradição do entretenimento.

À vista disto, só posso sentir desconsideração por quem trata com leviandade a arte da escrita, menosprezando a importância das palavras e escrevinhando aquilo que eu apelido de filmes disfarçados de livros. Na verdade, não os considero, de todo, escritores. Para mim, ser-se escritor é ser-se erudito, é ser-se alguém para quem o conhecimento e as palavras são as coisas mais importantes do mundo. Pense-se em escritores como Robert Burton, Cervantes, Nabokov, Laurence Sterne, William Gass, Alexander Theroux, entre outros. A literatura anda há demasiado tempo demasiado perto da indústria do entretenimento e precisa aproximar-se, novamente, do conhecimento e das palavras. Precisamos de recuperar a tradição do romance macrocéfalo, enciclopédico. Precisamos de mais macroficções e de menos microficções.

Esta versatilidade de formatos permite-lhe ter uma abrangência fora do vulgar, em termos de público, mas a sua escrita e o tipo de histórias/ensaios que escreve são claramente dirigidos a um público muito específico. Mas também tem uma posição muito forte quanto ao estado da Cultura na sociedade de hoje. Não acha que obras mais acessíveis – não necessariamente dumbed down, atenção – seriam úteis para atrair mais pessoas e, de certa forma, educá-las?

Não acho que a arte tenha de educar ninguém. Pelo contrário: acho que a arte tem de deseducar toda a gente.

Tenho absoluta consciência que a minha obra não é para todos, mas seria incapaz de tornar-me um executante e fazer algo mais comercial, que reunisse com rapidez superior um maior número de leitores. Junte-se um grupo heterogéneo de pessoas numa sala e tente-se encontrar um consenso entre elas: esse consenso terá de ser muito simples, porque, em virtude da multiplicidade de gostos e de opiniões manifestados, apenas uma percentagem reduzidíssima de referências será partilhável. Ao criar-se uma obra com base nessas referências ela será, certamente, gostável pelo grupo inteiro, mas, infelizmente, também será pobre em conteúdo, por culpa da redução de opções que lhe está na origem. Ou seja: as obras mais populares costumam ser, em regra, muito simples. Não estou a imprimir sobre estas obras nenhuma avaliação quanto à sua qualidade, apenas quanto à sua popularidade. No meu caso, as minhas obras contêm sempre um grau elevado de complexidade que advém do facto de eu ser um indivíduo incapaz de fazer coisas simples.

Não estou a ser airoso, estou a ser o mais franco possível. Tenho vocação para complexificar as coisas e criar obras polissémicas que são ariscas a leituras e leitores impacientes. Aliás, os leitores que se aproximarem da minha obra em busca de se entreter e passar um bom bocado farão melhor se pensarem duas vezes e irem procurar outras coisas. Entreter não é comigo, como diria o Léon Bloy: «o autor nunca prometeu divertir ninguém – prometeu até o contrário e cumpriu fielmente a sua palavra». A minha substância não é a de simplificar. Em consequência, tive de aprender a aceitar a realidade de que aquilo que escrevo será sempre para leitores que pensem da mesma maneira que eu; ou, no mínimo, para leitores que gostem de ler sobre os temas que compõem o meu universo autoral, que gostem de conhecimento e que gostem de palavras.

Se a maioria do público não tem vontade ou capacidade de ler obras complexas, isso será um problema que não me diz respeito, assim como acho que não deva ser problema de nenhum autor. O público gosta de ser crítico e de exigir melhores escritores e melhores livros, mesmo que a sua concepção de “melhor” seja discutível, por isso não vejo por que razão é que os escritores não devam exigir leitores melhores: leitores corajosos que, de facto, gostem de ler bons livros. Eventualmente, cada indivíduo procurará obras que o seu gosto e as suas limitações lhe permitam apreciar, por isso sinto-me satisfeito por saber que os meus leitores são pessoas inteligentes, originais e com disponibilidade para aprender.

Continuando na mesma linha, já disse em várias ocasiões que não gosta de feiras de livros nem de bibliotecas. Porquê?

Não aprecio feiras do livro, é verdade, mas entenda-se que o meu ponto de vista é persuadido pelo facto de ser autor. Na verdade, compro dezenas de livros cada vez que vou a uma feira do livro, logo do ponto de vista comercial sou um magnífico cliente.

No entanto, nunca disse que não gosto de bibliotecas: simplesmente, disse que não sou fã de ir a uma biblioteca para ler ou consultar livros, porque prefiro comprá-los e tê-los. Só vou a uma biblioteca consultar um livro se não conseguir comprá-lo nos alfarrabistas ou pela Internet. Para mim, os livros são ferramentas e, assim sendo, preciso de tê-los à mão, preciso que o conhecimento esteja imediatamente acessível. Tento evitar no máximo das minhas capacidades interromper o meu estudo ou a minha escrita durante umas horas ou uns dias só porque me falta um material bibliográfico de consulta em especial: se o tiver em casa não preciso de interromper coisa nenhuma, basta-me ir às estantes. Construo um espaço mental para os livros com base na minha biblioteca pessoal e preciso de ter, em todos os momentos, essa relação de proximidade com eles. Logo, observo as bibliotecas como uma espécie de “disco externo”, que ligo de vez em quando. Mais uma vez, sublinho que o modo como eu olho e vivo este mundo é muito diferente do modo como um leitor o olhará e viverá. O modo como eu lido com os livros será outro, também.

Há pouco falei no conceito renascentista de sprezzatura e, em paralelo, vale a pena recordar que, também para efeito de aproximação comercial ao público, muitos artistas dão uma imagem propositada de que são parecidos com o público, o que não pode estar mais longe da verdade: se os artistas fossem parecidos com o público, eles seriam público. E não são. O público precisa de entender que os artistas não são pessoas normais. Os artistas vêem as coisas de um modo diferente e pensam de modo diferente. É por essa razão que são artistas e são capazes de criar arte.

Também já mencionou algumas vezes que cada vez lê menos ficção. Não será contraditório que um autor que escreve ficção leia pouca ficção?

Não sei se será contraditório, mas sei que é muitíssimo comum: existem inúmeros escritores que não lêem ficção, pelos mais diversos motivos. Alguns até por snobismo – que não deixa de ser um motivo legítimo, note-se. No meu caso, para ser brutalmente sincero, não tenho tempo, nem motivação, para ler histórias, porque, na maioria das vezes, isso é-me desconfortável: a ficção é demasiado cristalina para mim, demasiado atingível. Assim, no que concerne à ficção, somente vou comprando os novos livros escritos por autores que eu admiro e todos os clássicos que, até hoje, ainda não tive oportunidade de ler.

Mesmo lendo pouca ficção, vai acompanhando o que se faz em Portugal?

Essa pergunta fará mais sentido para um leitor. Os leitores é que acompanham as novidades, os novos autores, os novos livros. Isso é um comportamento de fã. Eu não sou um fã, mas um autor. Não acompanho nada: escrevo e os meus livros são publicados. É tão simples quanto isso.

Falando da sua BD, demonstra sempre uma grande admiração pelo traço do Pedro Serpa, com quem já participou em duas BD (O Pequeno Deus Cego e Palmas para o Esquilo, ambas da Kingpin). Acha que a simplicidade e a clareza do traço dele são o contraste ideal para a sua escrita complexa?

Admiro o Pedro Serpa pela qualidade do seu desenho, que considero um dos melhores da nossa actualidade, e pelo facto de ele ser temerário e não resmungar quando lhe peço para desenhar um dragão deitado em centenas de caveiras, todas diferentes. Mas gosto de trabalhar com ele no mesmo feitio que gosto de trabalhar com outros desenhadores que compreendem os meus métodos.

Os meus livros de banda desenhada são imaginados, escritos, planificados e esboçados por mim antes dos desenhadores serem convidados a concretizar a minha visão. No meu caso, as parcerias surgem somente da minha necessidade de ter desenhadores que dêem corpo às minhas visões, não preciso de ninguém para criar uma história a meias. Quando entrego as histórias aos desenhadores para serem desenhadas elas já estão fechadas e planificadas. É óbvio que os desenhadores têm liberdade para criar; em especial, na caracterização de personagens e de ambientes, desde que as suas escolhas gráficas não se intrometam na montagem das sequências e dos planos, porque, como penso nos livros como um todo, uma ténue mudança de plano ou de sequência numa parte, não fará sentido narrativo com outras partes que surjam adiante. É por isso que peço aos desenhadores para seguirem escrupulosamente as minhas planificações. O que não invalida que eles tenham boas ideias que sejam aplicadas: o Pedro Serpa, por exemplo, em «Palmas Para o Esquilo» decidiu que nenhuma personagem deveria ter sombra, excepto as que defini no argumento como sendo essenciais para a história. Foi uma excelente ideia, que fez todo o sentido no livro em questão, tornando-o mais misterioso – o leitor até pode não se aperceber imediatamente desse pormenor, mas ele irá criar uma sensação perturbante na leitura. O André Coelho, em «Sepulturas dos Pais», livro que iremos publicar este ano pela Kingpin Books, também teve boas ideias para a construção gráfica de ambientes que tornaram o resultado final ainda mais perturbador. Esse tipo de sinergias e de troca de boas ideias é que, para mim, são as verdadeiras colaborações. No fundo, quando toda a gente envolvida no projecto é profissional e segura em relação às suas qualidades o resultado final só pode ser bom. Infelizmente, já tive de cancelar colaborações com alguns artistas que apenas queriam inventar as suas histórias a partir das minhas ideias, porque, convenhamos, criar algo a partir de uma história já escrita e planificada é muito mais fácil que imaginar uma a partir do zero. Não tolero esse tipo de parasitismo e falta de talento.

Aquilo que a maioria do público não se apercebe é que quem deseja escrever não escolhe, à partida, a banda desenhada, que é uma linguagem abordada, em primeira instância, por quem quer desenhar. Todavia, querer desenhar é muito diferente de fazer banda desenhada, que é uma linguagem narrativa. A maioria dos desenhadores não quer transmitir ideia nenhuma: somente quer mostrar que desenha bem – é por isso que quase todos os livros de banda desenhada criados, em exclusivo, por desenhadores são maus de um ponto de vista literário. Em essência, nesses livros cada vinheta transforma-se numa tela para mostrar virtuosismo gráfico, em vez de consistir parte de uma sequência harmoniosa, pensada para integrar-se num todo. De facto, são livros muito mal sequenciados. São raros os artistas que têm boas competências narrativas e existem muitos desenhadores que só estão interessados em colaborar com um escritor se este se limitar a dar umas ideias para esses, depois, desenharem o que quiserem.

Ora, eu não poderia trabalhar de forma mais diferente, porque não sou um simples argumentista: sou um autor, o que, à luz do que disse anteriormente, significa que tenho um universo autoral próprio, estruturado numa obra que já conta com quase vinte livros, de banda desenhada e prosa. Daí que quando convido um desenhador para dar corpo à minha visão, ele é que tem de adaptar-se ao meu universo e não o contrário.

Além da escrita, outra marca distintiva da sua obra são os temas, frequentemente macabros e sempre pesados, ou tratados de forma pesada. Não há lugar para ligeirezas, no tema ou na linguagem. Claramente são temas que de certa forma o preocupam, mas disseram-me uma vez algo muito interessante e que espero ainda me lembrar como deve ser: numa entrevista que nunca consegui encontrar, o David disse que ficava obcecado com um tema, escrevia três coisas sobre o assunto, para o encerrar, e avançava. É de facto assim?

Essa é uma leitura incorrecta de algo que eu disse algumas vezes e que é o seguinte: a minha obra vai sendo criada através de fases diferentes. O que acontece é que eu observo os meus temas de um determinado ponto de vista autoral e essa observação pode demorar-se por dois, três livros, quatro livros, nunca sei quanto tempo vai durar. Em seguida, esgoto esse ponto de vista – temporariamente ou em definitivo – e encontro um novo. Imagine-se que os meus temas são um modelo e eu vou desenhando à volta desse modelo, de acordo com diversos pontos de vista: o modelo é sempre o mesmo, os pontos de vista é que vão mudando. São assim, os meus livros: são observações, interrogações que eu faço aos temas que me deslumbram e que me inquietam.

Essas várias fases diferenciam-se por tónicas, certas insistências semânticas ou técnicas, pendores, dimensões. Pode acontecer que, em determinado momento, me encontre mais preocupado com um ponto de vista alegórico, por exemplo, em oposição a um ponto de vista realista. Os meus romances «A Conspiração dos Antepassados» e «O Evangelho do Enforcado» têm um pendor mais realista que «Batalha» ou «Lisboa Triunfante». Este vai mais ao encontro da autenticidade, sem querer, de facto, ser realista, embora, na minha cabeça, pertença ao mesmo ponto de vista que «A Conspiração dos Antepassados» e «O Evangelho do Enforcado». Bandas desenhadas como «Mucha», «O Pequeno Deus Cego» e até «Palmas Para o Esquilo» são mais alegóricas que bandas desenhadas como «Mr. Burroughs» ou «Sammahel», que estão mais preocupadas em explorar os mecanismos da criação artística. «A Última Grande Sala de Cinema», «Os Anormais» e «Palmas Para o Esquilo» são uma variante de uma preocupação autoral minha que eu apelido de Teoria do Todo: são visões que partem do microcosmos para o macrocosmos, obras em que eu começo por falar sobre assuntos muito próximos de nós para, num ápice, estar a discorrer sobre física, cosmologia, história e a interligar esses elementos num todo coerente e fluido. No primeiro caso, o ponto de partida é o cinema; no segundo, a deformidade; no terceiro, é a loucura. «Batalha» é, sobretudo, um romance sobre linguagem, sobre palavras. Cada livro tem preocupações distintas e observa os meus temas de um ponto de vista diferente.

E qual é exactamente a sua relação com a religião e o oculto? Afinal, é ateu, mas não me parece que tome uma posição excessivamente crítica. Também ainda não li o Batalha, confesso, portanto esta questão já pode estar respondida, mas tanto em A Conspiração dos Antepassados como em O Evangelho do Enforcado (os três livros são da Saída de Emergência), há uma identificação, ou pelo menos ligação, entre a arte e a religião. Porquê?

Não vejo essa ligação apontada entre a arte e a religião e tenho alguma dificuldade em ver onde é que ela poderá existir, mas estou aberto a essa possibilidade. A minha relação com a religião e com o oculto é baseada no puro interesse histórico. Sou um estudante desses temas e gosto de escrever sobre eles, mas não acredito em nenhuma manifestação do sobrenatural, seja de ordem religiosa ou mágica. Aliás, a magia é, ela própria, uma crença. Com efeito, sou ateu, nem sequer sou agnóstico. Para a maioria das pessoas é provável que a dimensão humana não seja suficiente, mas para mim é. Todavia, reconheço que a espécie humana é a da transcendência: precisamos dela e é por essa razão que inventámos a arte, a ciência e a religião. O problema é que a ciência é demasiado complexa para ser acompanhada pela maioria das pessoas e, por culpa disso, não as faz sonhar. Por outro lado, as religiões e o oculto são sistemas muito simples, estruturados em conceitos basilares fáceis de perfilhar e interpretar. Não deixa de ser irónico que as leis da magia sejam em número idêntico às quatro forças físicas: são a lei da similitude, a lei da contrariedade, a lei do contágio e a lei da contiguidade. Com estas quatro leis, formuladas desde os tempos clássicos, gregos e romanos, estrutura-se, praticamente, todo o edifício do ocultismo ocidental. A maioria dos indivíduos precisa de ideias previsíveis e de um sistema previsível, porque o mundo e o universo são altamente imprevisíveis, embora não pareçam. A ciência é um sistema que, volta e meia, é revisto, quando surgem novas descobertas que tornam obsoleto ou incompleto o conhecimento anteriormente adquirido. Esse labor de revisão é anátema para qualquer religião revelada, porque uma religião revelada ergue-se sobre verdades imutáveis. A autoridade das religiões reveladas consiste na sua imutabilidade e essa qualidade é que conforta os seguidores.

Posto isto, acho que a separação de magistérios, chamemos-lhe isso, entre ciência e ocultismo, nem sempre foi clara e linear. No campo da medicina, por exemplo, somente a partir da aceitação da teoria dos germes é que as práticas médicas se foram, gradualmente, desenvolvendo numa esfera apartada das crenças mágicas e ocultistas. Nos séculos XVII e XVIII não existia grande diferença entre a medicina e a magia. O ocultismo ocidental contemporâneo é uma herança do revivalismo ocultista europeu da segunda metade do século XIX, que foi um movimento contracultural anticientífico. Na verdade, a partir desse período é normal encontrar-se ocultistas que rejeitam, liminarmente, a ciência e cientistas que repudiam, veementemente, o oculto, mas nos séculos anteriores ambos os sistemas estavam mais próximos e era comum encontrar-se cientistas-ocultistas e ocultistas-cientistas. A fronteira entre o ocultista e o cientista era mais delgada, ambos partilhavam mais travejamentos.

Até agora, todas as histórias que li suas me pareceram fechadas, com um princípio, um meio e um fim, sem pontas soltas relevantes. Considera que é assim, ou acha que há espaço em algum trabalho para algum tipo de regresso?

Não tenho ideias de regressar a nenhum dos meus livros para criar uma sequela, uma prequela, um remake ou um reboot. Como disse, cada livro é uma observação pensada num determinado momento e, sendo assim, não faz sentido refazer uma observação: faz sentido fazer observações novas, com novos pontos de vista.

Aligeirando a conversa, o que é que pode dizer sobre Sepultura dos Pais, que já tem lançamento anunciado para Outubro? Pelas imagens que já divulgou, parece-me mais próximo de Cidade-Túmulo e A Última Grande Sala de Cinema (ambos da Círculo de Abuso), pelo menos em termos visuais.

«Sepulturas dos Pais» é um livro sobre o fracasso. É muito duro, mas encerra na perfeição uma das minhas obsessões autorais: a de que entre o lixo mais sórdido se encontram as flores mais maravilhosas. Gosto de trabalhar esses conceitos antagónicos e de perceber até que ponto se podem aproximar sem se anularem. Basicamente, é agarrar na miséria para descobrir magia e agarrar na magia para descobrir miséria. Muitas vezes, basta somente mudar a fonte ou o grau de iluminação para que uma se transforme na outra. O desenho do André Coelho é perfeito para esta história e transmite uma força e uma negrura que, espero, impressionarão os leitores. De um ponto de vista da técnica do desenho, o André faz coisas espantosas com o preto-e-branco: as texturas que criou para «Sepulturas dos Pais» são de uma organicidade como raras vezes tenho visto. Gosto muito de trabalhar com o André, com quem já colaborei num dos capítulos de «É de Noite Que Faço as Perguntas» e recomendo vivamente o seu livro «Terminal Tower», feito em colaboração com Manuel João Neto.

E para terminar, que perspectivas há de outros trabalhos futuros?

Estou a trabalhar, alternadamente, num romance, num livro de não-ficção e num livro de banda desenhada. O romance seguirá a fase iniciada com «Batalha», mas numa toada muito mais niilista. O livro de não-ficção é um trabalho de longa-duração sobre um tema que eu conheço muito bem e sobre o qual irei apresentar algumas visões heteróclitas sobre temas que muita gente pensa estarem esclarecidos. A banda desenhada intitula-se «O Poema Morre» e consiste numa história negríssima e duríssima sobre guerra.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Um Cappuccino Vermelho (Intersecção #1)


Autor: Joel G. Gomes

Sinopse

Opinião: Vou começar por dizer que conheço pessoalmente o Joel. Fomos colegas na Oficina de Escrita de Trëma, e embora ele tenha andado relativamente ausente desde o primeiro ano (o único "oficial"), mantivemos mais ou menos o contacto, mais que não seja pelo Facebook.

A leitura deste livro surge da proximidade do lançamento do seu próximo livro, A Imagem, sequela deste que não é bem uma sequela - a 25 de Outubro na Biblioteca Municipal da Moita, em Setúbal - em que ele cedeu o livro a vários bloggers, para leitura até esse dia.

Com jeitinho, e fica aqui desde já o meu agradecimento, o Joel também me cedeu este livro, com promessa de ter as duas opiniões até ao lançamento. Aceitei e ainda aproveitei para integrar estas leituras na minha Temporada Temática mais megalómana de sempre: Lusofonices.

Vamos lá então? Até agora, tudo o que li ao Joel foram os contos que ele enviou para a Oficina, que tem como um dos objectivos dar-nos espaço para experimentar. Ou seja, esses contos, tal como alguns que eu enviei, são francamente experimentais. Gostei da maior parte, de outros nem tanto, mas o que sempre apreciei foram as suas tendências para ser bueda meta, e o seu humor incisivo, muito português, mas com um timing quase britânico.

Felizmente tudo isso passou para o livro, que não é muito grande. Aliás, a parte meta da história é tão fantástica e à minha medida, que é bastante parecida com uma ideia que eu tive há uns tempos para uma história. Mas não me deixem adiantar!

O livro começa por seguir Ricardo, um tipo peculiar, assassino e... escritor. A primeira coisa que me saltou à mente foi "fixe", e a segunda foi "não faz sentido". Um assassino não quer publicidade, portanto porquê ser escritor? Um bocado à frente na história consigo arranjar uma explicação minimamente satisfatória, mas até lá ou me convenço que o objectivo é ficar hidden in plain sight, ou então a coisa não funciona.

O prólogo é misterioso, revela pouco mas sugere muito. O único defeito que lhe aponto é o uso da palavra "parceiro", que eu não consigo dissociar do uso inglês, com duas consequências: ou me parece que o autor foi incapaz de arranjar uma palavra melhor e então apropriou-se do vocabulário inglês, ou então, e foi isto que aconteceu, fico a pensar que os parceiros são um casal gay. Para que percebam melhor, no prólogo nunca aparece "trabalha com", mas sim "está com". Como em "está com aquele parceiro há x tempo". É um pormenor, e em parte culpa minha, mas pronto.

Antes de avançar queria já dizer uma coisa menos agradável e que é constante ao longo de todo o livro. Falta revisão. Vírgulas atrofiadas e algumas gralhas, apenas, mas é o suficiente para me desconcentrar.

Tirando isso, tenho que dizer que o primeiro capítulo tem um conceito interessante na forma como introduz o protagonista, através de uma descrição interrompida por breves momentos do quotidiano que são aproveitados para caracterizar Ricardo, o assassino-escritor. É pena que acabe por se arrastar um pouco, especialmente no início, com tanta conversa sobre café. Já percebi que o protagonista gosta de café, e que o título do livro tem capuccino, pára de me enfiar isso pelos olhos adentro, Joel!

Mas isso melhora no segundo capítulo, dando origem a algumas sequências muito interessantes. De notar, também, a atenção aos detalhes e a forma como eles ficam ligados, algo muito bem feito, especialmente porque é subtil.

O humor, esse é fantástico do princípio ao fim, algo negro, por vezes, como não podia deixar de ser! Só é pena que uma das personagens seja caracterizada como obesa, da primeira vez que aparece, e mais à frente se fale dos seus braços gordos, mas entretanto já se disse que é um tipo com um metro e setenta e dois e a pesar setenta quilos. Senti-me ofendido, que peso isso e tenho menos dez centímetros! E não, não sou obeso. Uma pessoa com essa altura e esse peso não é, definitivamente, obeso, nem nada que se pareça.

Avançando, também tive pena que a introdução de uma personagem interessante como Luís, o mentor e figura paternal de Ricardo, seja feita de forma tão desfasada com o resto do livro. Há uma clara quebra de ritmo, o que é desagradável, mas a evolução do enredo compensa.

A nova personagem, Laura, é que começa por não me agradar, soa demasiado a personagem e pouco a pessoa real, mas depois percebe-se que isso talvez seja propositado e... Bem, não interessante, digamos que foi por esta altura que tudo começou a ficar mesmo, mesmo, muito meta, e consequentemente muito, muito, mais interessante.

É que embora a história demore a arrancar (o que é perigoso num livro pequeno como este), estes meandros meta são muito bons! Há algumas passagens mais confusas, quando as realidades se misturam mais intensamente, mas tirando isso está muito bom!

E depois conseguiu ter um bom final. YAY! Um bocado abrupto, é certo, mas bom. Assim, no geral, é um livro que fica a meio caminho entre o razoável e o bom, e a penalização principal vai para a inconsistência no ritmo e no tom. As diferenças podiam existir, mas com transições diferentes. Agora é esperar pela leitura do próximo!