quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

A Sombra Sobre Lisboa [2/3]


Autores: Rogério Ribeiro, Safaa Dib, Luís Filipe Silva, João Henrique Pinto, David Soares, João Seixas, António de Macedo, Rhys Hughes, José Manuel Lopes, Fernando Ribeiro, Yves Robert, Vasco Curado, João Ventura, João Barreiros
Tradutor: João Henrique Pinto (para o conto do Rhys Hughes)


Opinião: Continuando a opinião a este livro, está na altura de falar de O elefante e o cavalo, de David Soares. O conto é muito estranho, como seria de esperar, e tem uma escrita muito boa, bonita mesmo. Tem a felicidade de ser duma fase deste autor em que ele ainda não caía no exagero que lhe aponto nas suas obras mais recentes.

O começo é das coisas mais arrepiantes que li nos últimos tempos, assim como o aproveitamento e aportuguesamento dos mitos lovecraftianos, também é muito interessante. Tudo neste conto cativa, e os pormenores são fascinantes, como os Miri Nigri, criaturas horríveis que nascem desdentadas e que portanto usam cacos de vidro e pedaços de madeira e pregos cravados nas gengivas para fazer de dentes. Fascinante!

No entanto, e apesar de tudo isto, acho que a parte da conclusão deixa muito a desejar. É que é tudo muito interessante, mas também demasiado ambicioso. De tal forma que no fim a história cede sob o seu próprio peso, e preciso de todo um capítulo no fim altamente explicativo, para que tudo faça sentido. E não fica a fazer!

A seguir vem As sombras sobre Lisboa, de João Seixas, que é um autêntico festival de arcos narrativos. Ou melhor, de personagens. Mas é importante é notar que uma das personagens é nem mais nem menos que Eça de Queirós. Sim, esse Eça de Queirós. E que bem retratado que está!

Todo o conto é bastante agradável, especialmente a escrita, apesar de alguns momentos menos felizes - "o jardim para onde a coluna de granito era vomitada" - em que parece esforçar-se demasiado. No entanto, como já disse, Eça é uma excelente personagem, assim como Fradique, imponente e praticamente um herói de acção. E a história envolve zombies! Voodoo! Ctulhu e R'lyeh! Assassínios! Mistério! Traições! Tanta coisa!

A partir de certa altura, infelizmente, só consigo sentir-me assoberbado com tanta coisa. O conto tenta acompanhar tanta coisa que se torna demasiado disperso. Não deixa, no entanto, de ser uma boa leitura!

Depois vem António de Macedo. Vénias se faz favor. Muito bem. O título é A Dama do Espelho Negro e é um conto incrível, como sempre. A escrita não é a melhor que já lhe li, mas é boa, e ao início fiquei honestamente espantado, sempre que virei uma página, ao aperceber-me da capacidade do conto em manter-me interessado, apesar de ser tão dolorosamente expositivo.

Um espelho misterioso e uma intriga retorcida, é tudo o que o Macedo precisa. Mas nem este fantástico autor consegue escapar a um fim desapontante para este conto, demasiado confuso para o meu gosto. A mestria com que conta a história, no entanto, é qualquer coisa de especial.

Arroz de Abominação é uma pequena batota neste livro que incluo na minha temporada temática actual, Lusofonices, pois não foi escrito por um autor lusófono, mas sim por Rhys Hughes (de quem consegui um autógrafo, neste livro, graças ao Fórum Fantástico!). Mas façamos de conta, sim?

Deliciosamente irónico do princípio ao fim, todo o conto é muito bom, e termina da melhor forma possível. Acho espantoso que este conto tenha sido o mais profundamente português de toda a antologia! Eu estou com vontade de vos contar o que se passa, para além da caricatura de Lisboa com embaixadas secretas dentro de embaixadas secretas que ficam dentro de embaixadas secretos no interior de embaixadas secretas, que nem sei. Só lendo, mesmo!

Para terminar (por hoje) há As Confissões de Walter Reis, de José Manuel Lopes, do qual gostei, mas que sofre um bocado por ser uma memória, a história fica demasiado parada, por vezes. Mas este é um conto excepcional, pois consegue a impossível tarefa de escrever Lovecraft sem ser propriamente um conto de terror.

Toda a atmosfera e a história é muito atípica no meio desta antologia, pois isto é claramente Lovecraft, desde a estrutura aos temas abordados, mas não há terrores inomináveis nem desgraças inolvidáveis: há, isso sim, uma certa leveza e frescura que me deixou, como já disse, honestamente surpreendido. Vale muito a pena!

E pronto, como podem ver a minha opinião melhorou. Continuo a encontrar vários problemas, mas alguns são coisas pequenas, mais embirranço, em dois ou três casos, do que outra coisa qualquer. Por esta altura só tenho é de referir o excelente trabalho da Saída de Emergência em reunir esta antologia, que não é perfeita, mas me enche as medidas!

2 comentários:

Anónimo disse...

Já saiu o vencedor do Prémio Bang...

Estou expectante para ler alguém que venceu um prémio desta categoria e quais os gostos da Saída de Emergência...

Parece que o Brasil venceu...

Francisco Fernandes

Rui Bastos disse...

Vamos lá ver... Até prova em contrário, desconfio :p