sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

The eyes have it


Título: The eyes have it
Autor: Philip K. Dick

Opinião: Um conto bastante engraçado, que leva as interpretações literais às últimas consequências. Muito bem escrito, destaco especialmente a voz do narrador, sempre super sério e a acreditar piamente no que está a descrever como uma invasão alienígena.

Nota-se o à-vontade de Philip K. Dick a escrever um conto, uma tremenda facilidade em contar uma história cativante e, neste caso, engraçada. Não é de todo o melhor conto que já li deste autor, mas apreciei bastante.

E depois o final deliciosamente irónico. O que eu me ri. A melhor comparação que consigo fazer para descrever este conto é com uma piada magistralmente contada: o timing todo certo, e uma punchline debitada na altura perfeita, com o tom perfeito.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

The Lazarus Vendetta (Covert-One #5)

Título: The Lazarus Vendetta
Autor: Patrick Larkin (e Robert Ludlum)


Opinião: Desenganem-se rapidamente de duas coisas: o facto deste livro ser o quinto de uma série é completamente irrelevante, e o autor no verdadeiro sentido da palavra é Patrick Larkin.

Passo a explicar: a sequência e continuação dentro da série é um aspecto secundário, há apenas pequenos pormenores em que se nota que o autor faz referências a livros passados, mas nada de especial. As personagens são bem caracterizadas, os acontecimentos bem explicados, e nada se perde.

Agora o autor. Como se vê na capa, aparece ROBERT LUDLUM em letras garrafais, seguido de um "Robert Ludlum e Patrick Larkin". Eu pensei que o autor era o Ludlum e que o Larkin tinha dado uma ajuda. Mas não. Ludlum morreu antes do primeiro livro da série ser sequer escrito!

Ele criou a série, deixou uma série de notas e guias, e um grupo de escritores, como Patrick Larkin, é que escreveram de facto os livros.

Embora esta abordagem me faça alguma confusão, não condeno, é a faceta empresarial da escrita: cria-se um produto, arranja-se alguém que execute, fazem-se rios de dinheiro. Se o livro ficar bem feito, não me queixo (muito). O que me chateia é a forma como enganam o leitor: em lado nenhum se deixa bem claro que quem escreveu o livro foi Patrick Larkin e não Robert Ludlum. Só o soube depois de uma pequena pesquisa.

Mas tirando estes dois pormenores, tenho a dizer que gostei do livro, embora não o tenha achado nada de especial. É um thriller político e ambientalista, em que os ambientalistas que condenam os avanços tecnológicos, especialmente as nanocoisas, são os verdadeiros vilões. Nada de muito novo. O que o autor consegue fazer é escrever um relato cativante sobre um Jon Smith, membro da Covert-One, uma organização tão secreta que nem as organizações secretas americanas sabem que ela existe, e a sua busca por respostas.

O protagonista está bem construído, e explora bem a dicotomia entre Jon Smith, o cientista especialista em microbiologia, e Jon Smith, o agente secreto (vulgo espião) topo de gama. O resto das personagens também é bastante interessante, mas apenas uma consegue roubar algum do protagonismo de Jon, Peter Howell, agente reformado do MI6, com a sua forma de falar exageradamente britânica e um carisma muito peculiar.

As intrigas andam sempre ao rubro, mas o mistério não é grande mistério: antes de metade do livro já eu tinha topado o que se andava a passar. Destaque no entanto para as personagens dos Horatii, um trio de assassinos gigantescos geneticamente melhorados com uma presença imponente em cada página em que aparecem.

A pior parte foi mesmo o fim, não exactamente pouco satisfatório, mas apressado. Todos conspiram, todos jogam a dobrar, o ritmo é tão acelerado que 400 páginas contam a história de mais ou menos 6 dias, e depois no fim tudo acaba demasiado facilmente. Gostava de ter visto mais complicações e um final mais elaborado, mas não ficou mau de todo.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Acho que posso ajudar


Título: Acho que posso ajudar
Autor: David Machado
Ilustradora: Mafalda Milhões


Opinião: Este conto é uma história infantil que achei bastante competente. História simples e engraçada, contada de forma repetitiva com as fórmulas típicas deste tipo de contos, Acho que posso ajudar é algo que eu não teria problemas em ler a crianças.

A escrita é boa, ainda que me tenha parecido fraca em termos de imagens, com descrições pouco cativantes, o que provavelmente seria importante, pois sendo esta uma leitura para crianças, é preciso que se sintam facilmente cativadas e embrenhadas na história, e um dos melhores artifícios para conseguir isso é exactamente ter imagens fortes, ainda que com palavras simples.

Essa pequena falha é no entanto colmatada pelas ilustrações de Mafalda Milhões, que consigo apenas descrever como fofinhas, e que complementam muito bem a história e a escrita de David Machado.

sábado, 25 de janeiro de 2014

Estantes Emprestadas [1]: Literatura Grunge [2/2]


Está na altura da segunda metade da crónica escrita pelo Jorge, e cuja publicação comecei há uma semana. Depois de uma introdução e uma perspectiva histórica, está na altura de entrar na parte em que a literatura se junta ao grunge numa fusão gloriosa e omnipotente QUE DOMINARÁ O MUNDO... Está bem, esta última parte fui eu que inventei, mas aposto que ele não se importava muito.

Sem mais demoras, um obrigado ao Jorge por ter aceite o convite, e já agora por ter executado tão bem. Lá vou ter que acrescentar alguns livros à minha lista, não é verdade?


Pensar em flanela e nihilismo
Passada esta “nota histórica”, quem pensa que o grunge era apenas sobre música agressiva e deprimente, que se desengane; este movimento foi expandido de uma forma brutal, que influenciou a música a ouvir, a roupa a vestir e até os pensamentos a ter.
E, visto que este é o tema desta crónica (e deste blog), os livros a ler? Pois, aí está o ponto-chave a que eu queria chegar; se pensarmos apenas na sua influência literária de forma bastante literal e pouco aprofundada, encontramos, com algum desapontamento, um género exclusivamente australiano, denominado Grunge Lit, onde a escrita semi-autobiográfica decidiu “apanhar boleia” do excesso emotivo do grunge e do sucesso deste na altura, dando origem a romances onde a “existência real e suja” e “a libertação de emoções” eram os principais motes na escrita.
Sem grande surpresa, este género nunca conheceu qualquer sucesso além-fronteiras e dele não reza a História; assim sendo, ficamos por aqui? O grunge foi muito giro e influenciou absolutamente tudo na década de 90, menos a Literatura e o seu muro impenetrável?
Pois, se calhar não... A verdade é que não se pode olhar para a influência deste movimento como algo assim tão literal; a verdade é que o grunge introduziu uma forma de pensar, em conjunto com alguns ideais muito próprios, com o objectivo de “pregar” a raiva, o desejo de provocação e o mais puro nihilismo, com a introdução de elementos como o sarcasmo negro e constante.
Desta forma, já é inegável verificar uma influência deste movimento na Literatura da época (e até de períodos anteriores, mas já lá vamos).
Antes de mais, é importante referir que antes do grunge influenciar o que quer que seja, os livros também tiveram um papel importante a moldá-lo; O Perfume, clássico de Patrick Suskind, pelo seu retrato íntimo de um protagonista renegado pela sociedade pelo seu “dom”, ou Junky, pelo seu relato destrutivo e nihilista de uma vida movida a drogas, foram referidos por Kurt Cobain como os seus livros preferidos (sendo que o primeiro deu origem a “Scentless Apprentice”, dos Nirvana) e grandes influências que lhe moldaram a sua forma de pensar e de fazer música, que por sua vez influenciou toda uma geração.
Para além destas, outras obras, pelos seus elementos destrutivos ou anti-sociedade, foram referidos por importantes líderes do grunge, como Eddie Vedder ou Chris Cornell como obras que lhes mudaram a vida e moldaram a mentalidade; estou a falar de livros “potentes” como A Clockwork Orange, de Anthony Burgess, ou 1984, de George Orwell.
Portanto, já percebemos qual foi a influência inicial da Literatura sobre o grunge, sob a forma de obras que basicamente formaram a mentalidade do movimento; mas e a influência oposta? Ou seja, que obras transmitem exactamente os “ensinamentos” que esta época tão avidamente procurava?

Livros grunge, ou como Pahlaniuk mudou o mundo
Primeiro que tudo, uma palavra para as obras que ganharam novo fôlego com o grunge; livros como Requiem for a Dream, de Hubert Selby Jr, registaram um aumento de vendas brutal durante a época em que o grunge reinou, devido às suas temáticas depressivas e nihilistas que se identificavam tão bem com o pensamento da época, mesmo tendo-lhe antecedido.
Mas o importante não é isso; o importante é American Psycho. Este livro, editado em 1991 (ano da supremacia total do grunge) foi a primeira prova de que o desejo de provocação social estava bem aceso, inclusive na Literatura da época, onde é inegável, para quem ler a obra, que transparecem os mesmos elementos defendidos por todos os grungers dos anos 90, daí que o sucesso deste romance seja também associado à época em que foi lançado.
Outro livro que é impossível esquecer, inserido neste contexto, é a magnum opus de Chuck Pahlaniuk, Fight Club, lançado em 1996 e que mudou o panorama literário da época por completo. O seu relato de libertação, ao mesmo tempo nihilista e apetecível, regado a reflexões destrutivas e personagens depressivas e inconstantes parece ter sido a definição de grunge e, se não o foi, é pelo menos a obra literária que melhor personifica o movimento que a influenciou inegavelmente.
Passando para um género diferente, Jack Frusciante Has Left the Band é uma obra italiana que, à primeira vez, não parece nada de especial, merecendo o rótulo de “romance adolescente”, mas os seus contornos trágicos e “auto-descoberta” com elementos da adolescência que seguia o grunge tornam a obra muito mais interessante, no ano em que este movimento iniciou o seu declínio (1994).
À medida que nos aproximamos da década de 00, as influências do grunge vão diminuindo, devido à perda de relevância do próprio movimento, que se começou a ver ultrapassado por uma nova vaga de Metal que se metamorfoseou no bem-sucedido emo e pelas primeiras vagas do indie, que deu origem à actual geração hipster.
No entanto, ainda se notam algumas obras com influências do grunge, como o famoso The Perks of Being a Wallflower, embora já impregnado com elementos típicos da cultura pop que dominou a transição entre os milénios.
Desta forma, é fácil perceber que o grunge foi muito mais que um género musical passageiro, tendo sido um movimento por pleno direito que influenciou milhões de pessoas de uma forma permanente, mesmo que o seu sucesso tenha sido efémero (talvez mesmo por isso), dando-lhes uma mentalidade e ideais que ainda hoje se reflectem em vários aspectos da nossa cultura contemporânea.

Em jeito de conclusão, resta-me agradecer ao Rui pela oportunidade que me proporcionou, ao escrever sobre dois temas que me são tão pessoais e acarinhados, sendo eu um leitor ávido e um grunger assumido e espero que não se aborreçam com esta crónica (tentei manter o nível de detalhes ao mínimo possível), antes que aprendam com ela, tal como eu aprendi com figuras como o Kurt Cobain ou o Chuck Pahlaniuk.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

O Nível de Vida

Título: O Nível de Vida
Autora: Dorothy Parker
Tradutora: Amanda Franco

Opinião: Um pequeno conto bastante curioso, que contém uma excelente crítica social. A história é sobre duas amigas que jogam um jogo bastante particular em que imaginam o que fariam com uma certa quantidade de dinheiro.

As descrições da autora não são extraordinárias, mas são boas, ainda que tornem o conto algo lento. As duas amigas jogam o seu jogo enquanto descem uma avenida que parece nunca mais acabar. Não se perdia nada em aumentar o ritmo, mas pronto, nada de especial.

O ponto fulcral é quando no fim alteram ligeiramente as regras do jogo, por motivos que vale a pena descobrir. Aconselho vivamente.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Disney Especial: Horror

Título: Disney Especial: Horror

Argumento: Carlo Panaro, Massimo De Vita, Augusto Machetto, Francesco Guerrini, Fausto Vitaliano, Nino Russo, Casty, Marco Gervasio e Marco Bosco

Ilustrações: Massimo De Vita, Daniela Vetro, Francesco Guerrini, Francesco D'Ippolito, Andrea Freccero, Giorgio Di Vita, Valerio Held, Silvio Camboni, Giampaolo Soldati, Marco Gervasio, Luciano Milano

Opinião: Mais um livro de Mickey, Donald, Tio Patinhas, Pateta e companhia limitada, desta vez sobre a temática do horror.

Eu já devia estar à espera, mas isto de horror só mesmo o nome. A coisa mete uns monstros e uns fantasmas, às vezes, mas enfim, é para putos, não é verdade? Mas eu meti na cabeça que iam ser mesmo histórias de horror, ainda que levezinhas, e confesso que fiquei desapontado.

E depois há uma série de coisas que me chateiam: o Mickey parece ser um favorito dos fãs, assim como as suas histórias, mas eu juro que não suporto os policiais manhosos em que figura sempre. Mistérios dum lado e doutro, e eu sem paciência para ver o Mickey a resolver tudo por pura sorte ou por ser a única pessoa sensata EM TODO O UNIVERSO.

É puramente gosto pessoal, que as histórias até nem costumam estar mal feitas, mas faleço-me todo de cada vez que me aparece uma história destas com o Mickey. Houve uma que se safou mais ou menos, porque tinha uma ideia engraçada: sustogramas. Imaginem uma máquina que vos captura o vosso sustograma e vos tira a capacidade de ter medo. Os sustogramas ficam fantasminhas esverdeados aprisionados em espelhos.

Eu estava a ler aquilo e a pensar "genial, absolutamente genial". Se esquecerem as personagens e os detalhes específicos da história e pensarem na ideia em si, dá para simplesmente agarrar nela e desenvolver uma história qualquer. Por acaso é algo que me fascina neste universo de ratos e patos: a quantidade de ideias fabulosas mascaradas de histórias infantis (e infantilizadas).

Mas como se os policiais do Mickey não fossem o suficiente para me aborrecer, os desenhos modernos e cartoonescos também me batem na tecla errada. Aquilo que ganham em cores vivas e curvas, perdem em detalhes intricados e um ar mais "real", se é que se pode chamar real a um pato de suíças que fala e usa cartola. Vocês percebem.

No fundo gosto dos desenhos como os da história com fantasmas escoceses presente neste livro, que ainda por cima revisita o passado (muuuuito passado) do Tio Patinhas, o que consequentemente me leva a querer reler A Saga do Tio Patinhas, um dos melhores livros de BD que já li, e sem dúvida alguma o meu favorito deste universo em particular.

Pelo meio ainda houve tempo para uma história confusa mas fofíssima de um Donald em criança, outra em que o Donald leva a melhor sobre o Gastão, e que me agradou por isso mesmo,

- TOMA GASTÃO, TOMA, TOOOOOOOOOOOMAAAAAAAAAAAA -

já para não falar de uma história muito boa com o Professor Ludovico e um monstro, que tem um fim tão, mas tão triste, que é a que mais se aproxima de uma verdadeira história de terror, apesar do tom cómico.

Isto tudo para dizer que o livro é uma boa leitura, com alguns pormenores que não me agradaram tanto, mas que não foram o suficientes para eliminar por completo as pequenas e dissimuladas gargalhadas que tive que ir soltando de vez em quando.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Siddartha

Título: Siddartha
Autor: Hermann Hesse
Tradutora: Hilda Rosner


Opinião: Já há algum tempo que tenho bastante curiosidade relativamente a este autor, um prémio Nobel, alemão (li pouco de alemães) e com boa fama. Este livro, pequenito, pareceu-me o ideal para servir de introdução à sua obra.

A verdade é que é mesmo pequeno, Siddartha consegue ser bastante pesado, à sua maneira. Siddartha é o filho de um Brahman, uma espécie de sacerdote hindu, que é criado com o intuito de se tornar, ele próprio um Brahman.

Mas Siddartha tem uma mente pensante bastante activa e começa a magicar umas ideias e umas conclusões sobre a sua religiosidade e o que significa atingir de facto a santidade e a liberdade e paz de espírito, e conclui que aquele não é o caminho certo.

Segue então para os Samanas, uns eremitas ascéticos que tentam atingir a paz e a superioridade espiritual através da renúncia total a toda e qualquer posse. Siddartha é acompanhado nesta viagem por Govinda, um amigo de infância que muito o admira e à sua mentalidade.

Aqui é que tudo começa a ficar interessante. Depois de algum tempo entre os Samanas, o protagonista apercebe-se de que já ouviu tudo o que havia para ouvir e que aquilo não é para ele. Nem devia ser para ninguém. Ah! A conclusão dele é que não se pode simplesmente aprender a ser santo e elevado através dos ensinamentos de ninguém, por mais místicos e iluminados que os ensinamentos e os próprios professores sejam.

O ciclo volta a repetir-se e Siddartha parte outra vez, acompanhado de Govinda, e prossegue numa viagem espiritual e de crescimento pessoal em que se dedica a atingir a plena paz de espírito através da única maneira que acha possível: vivendo.

É interessante ver Siddartha a encontrar Gotama, o Buda, e a recusar os seus ensinamentos, ainda que reconheça alguém que atingiu o que ele quer atingir, para depois passar uma temporada a viver como uma "pessoa normal", sem renunciar a nada, tornando-se inclusivamente rico e cedendo às tentações da carne com bastante frequência.

A evolução de Siddartha é fascinante. Evolução e constante retrocesso, como se cada passo que desse o fizessem perceber de que estava apenas a voltar atrás. O que é transmitido ao longo da história é uma abordagem surpreendentemente sensata à vida: nem renunciar a tentações nem a prazeres, mas antes vivendo os dois, só assim é que alguém cresce, aprende e pode almejar atingir a paz de espírito.

Pelo meio há uns meandros filosóficos relativamente intricados, especialmente na sua estadia com um velhote simpático e sábio, mas que se revelam profundamente simples, no fim. O truque é exactamente não pensar demasiado nas coisas. Uma conclusão interessante para o protagonista, que tem um fim condigno.

No meio disto, a história em si não me conseguiu cativar por aí além, e muito menos a escrita, mas o livro é antigo e traduzido, portanto dou-lhe o benefício da dúvida. É uma leitura interessante, isso sem dúvida, mas que peca pela falta de características que permitam a identificação com o leitor, algo que acho que seria essencial numa obra deste género.

Mas também acho que é daqueles livros que cada pessoa lê de forma completamente diferente, portanto aventurem-se!

sábado, 18 de janeiro de 2014

Estantes Emprestadas [1]: Literatura Grunge [1/2]


Sejam bem-vindos à primeira parte da primeira crónica convidada, escrita pelo meu amigo, colega, e habitual parceiro no crime, Jorge Martins, do Metáfora de Refúgio. O que vos posso dizer sobre este tipo, é que é tão louco como eu, embora de maneira diferente. A ideia para esta crónica surgiu de forma bastante simples: tanto a música como a literatura são duas das coisas que fazem o Jorge delirar, e dentro da música tem uma paixão enorme pelo grunge e uma admiração ligeiramente obsessiva pelo Kurt Cobain. Ou talvez seja ao contrário, nunca sei.
O importante é que misturar as duas coisas é o mais óbvio. E portanto pedi-lhe para investigar/pensar um pouco sobre literatura grunge, ou seja, um movimento ou estilo literário que tenha algum tipo de paralelo com o movimento grunge na música. Ele aceitou o desafio com entusiasmo (e foi o primeiro das pessoas a quem convidei a despachar o assunto) e o resultado, bastante interessante, é o que podem ler a seguir. A segunda parte aparece daqui a uma semana!
P.S.: as imagens fui eu que escolhi, que o Jorge é demasiado preguiçoso.

Livros e cd’s na mesma prateleira

Se há uma coisa no mundo que seja realmente imprescindível para toda e qualquer vida humana, será a música: pela sua capacidade de despertar emoções que nem julgávamos possuir, pelo seu poder de “intelectualização”, pela sua variedade e riqueza nos géneros e sub-géneros e sub-sub-géneros e etc que apresenta, pelo carisma de alguns dos seus maiores protagonistas, entre muitas outras coisas.
Por outro lado, se há uma coisa no mundo que seja realmente imprescindível para toda e qualquer vida humana, será a Literatura: pelas ligações estabelecidas com aquela personagem em especial, pela capacidade de transporte para mundos maravilhosos, pelas mensagens importantes e reflexivas que transbordam por páginas sem fim, entre muitas outras coisas.
Assim sendo, tanto o poder que tem origem nas notas tocadas ao de leve numa corda de nylon como aquele que resulta do incessante martelar num teclado gasto são essenciais para o conceito supremo de arte, de cultura e, acima de tudo, de Vida como deve ser; mas à partida não parecem capazes de co-existir, e não seria isso um problema?
Pois vejam, caso se substituísse Literatura ou Música por outra actividade artística, como Cinema, por exemplo, não teríamos essa questão; inúmeros filmes que são acompanhados por uma banda-sonora tremenda (ou os videoclips, que servem para dar vida a “milhentas” melodias), ou que revelam uma devoção obsessiva no argumento que resulta numa história exemplar, que poderia ter saído da pena de um qualquer escritor de referência.
Tudo isso mostra que duas formas de arte não têm de ser obrigatoriamente exclusivas entre si; mas como relacionar notas com palavras? Compassos com parágrafos? Ou, simplesmente, música com livros?
Este é um tema que daria pano para mangas, sobretudo pela riqueza e diversidade existente quer nos diversos géneros literários, quer nos musicais, daí que eu me vá cingir a falar de um caso que me é mais familiar e do qual sei mais, que é o caso do grunge.
E que é isso do grunge? Pois bem, mesmo que não reconheçam o nome, se já ouviram falar de punk, de Geração X, ou pura e simplesmente, de Nirvana, já ouviram falar de grunge.
História do Grunge
Este foi um movimento originado nos EUA no final da década de 80, mais concretamente em Seattle, onde miúdos na casa dos 20 anos estavam ocupados a serem... Bem, a serem adolescentes, ou seja, a exprimirem-se através de libertações intermitentes de raiva, melacolia e hormonas.
Só que eles tinham um problema; o movimento normalmente associado à angústia adolescente, o punk, estava agora longe da agressividade dos anos 70, que deu origem a porta-estandartes da revolução como Johnny Rotten. A verdade é que, nos anos 80, o punk estava “corporatizado”, ou seja, vendido ao eterno inimigo do povo, o “Sistema” sem cara e sem nome.
Depois de aparecerem os Joy Division, o punk deixou de ser sobre gritos de raiva e de contestação e passou a ser sobre depressão minimalista e fumos agridoces de erva queimada e fumada (dando origem ao movimento gótico e deixando raízes para o emo despontar).
Assim sendo, os miúdos do final dos anos 80/início dos anos 90 não tinham um escape para os seus sentimentos de adolescente, visto que o movimento principal da altura, para além do omnipotente disco sound, era o glam, território do louro oxigenado, permanentes e licra.
Desta forma, pelo “amolecimento” do punk, mas influenciado por este (e pela cultura do Metal, que nesta altura também parecia eternamente estagnada), forjou-se o grunge, movimento mais importante dos anos 90, que atingiu o seu apogeu em 1991 e começou o declínio a partir de 1994, após o suicídio do seu mártir/líder, Kurt Cobain, vocalista e guitarrista dos Nirvana.
(continua)

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

I Have no Mouth and I Must Scream


Título: I Have no Mouth and I Must Scream
Autor: Harlan Ellison

Opinião: Mais uma vez influenciado pelo João Campos, lá tive que agarrar neste conto de Harlan Ellison, a minha estreia na sua obra, ainda que só o tenha feito uns meses depois da sugestão inicial (mas está feito!).

O que encontrei foi exactamente um prometido: um conto ao meu gosto e que mesmo não sendo perfeito, é muito bom.

Logo o início é chocante e pouco aconselhado a pessoas mais sensíveis, e a partir daí a história desenrola-se de forma interessante, cativante e sempre cruel. Imaginem um futuro pós-apocalíptico em que uma super inteligência artificial se torna boa demais e extermina a raça humana... Excepto uma mão cheia de pessoas, que modifica e controla a seu belo prazer.

O resultado é um conto com uma inteligência artificial cheia de requintes de malvadez, que tem como propósito a sua própria falta de propósito. Acho que o que o autor consegue é fazer quase um ensaio cru da condição humana, bem visível não só nos humanos presentes na história, mas também no computador, o que é excepcional.

Isto já para não falar de uma escrita fluida e agradável, capaz de usar exactamente o mesmo tom para descrever pessoas penduradas em ganchos de carne e as emoções de uma personagem, sem que nada perca a força. E como não podia deixar de ser, o final é bom, muito bom, deliciosamente malévolo, até! Procurem pelo conto que vale a pena, eu já tenho mais dois na calha...

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Que as citações nos caiam em cima [45]


"Aprecio a tua boa vontade, mas não sei se chegarei ao fim do que tencionas dizer-me. Os meus pés já começam a parecer-se com pingos de orvalho cristalizados pela friagem de muitos Invernos. O meu estômago deve estar com tantos buracos como o de Sócrates ao acabar de beber a cicuta, sinto os afiados ventos do norte atravessarem-me o tubo digestivo de lado a lado. As mãos (se é que ainda são minhas) já não as reconheço como mãos: são cãibras que se congelaram perpetuamente em feitio de garras mortas."

A noiva vestida de nuvens
António de Macedo

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O limite de Rudzky

Título: O limite de Rudzky
Autor: António de Macedo


Opinião: Tinha este livro à espera desde a Feira do Livro do ano passado, e o facto de ter conseguido um autógrafo do autor durante o Fórum Fantástico serviu de incentivo para o empurrar mais para a frente da fila.

Terminada a leitura dos 3 contos que contém, não consigo evitar pensar nas tremendas pérolas que posso ter escondidas nas prateleiras "a ler"... É que este livro é fantástico, absolutamente fantástico.

Já esperava que fosse qualquer coisa de especial, tendo em conta o que conheço do autor (ainda que só lhe tenha lido O Sangue e o Fogo), mas confesso que superou largamente as minhas expectativas, por uma razão muito simples: a escrita.

Seja a contar que história for, Macedo consegue escrever de uma forma excepcional. Fiquei seriamente embasbacado e impressionado. Nas peças de teatro que li anteriormente esse aspecto não era tão visível, mas aqui é límpido e cristalino como a água da montanha.

O primeiro conto é O limite de Rudzky, uma história bem contada que consegue fazer uma ligação interessante entre os fenómenos físicos, químicos, biológicos, fisiológicos e psicológicos, de tudo o que existe, e o sobrenatural. Sem querer revelar muito, talvez devam pensar duas vezes sobre como funciona a electricidade...

Ainda por cima é um conto essencialmente sobre ciência. Matemática, física, trotinetes voadoras, detectores de neutrinos, há de tudo um pouco, em conjunto com temas mais sobrenaturais que adicionam um certo véu de mistério e de imprevisibilidade que cai muito bem com o resto da história.

Depois vem A noiva vestida de nuvens, bastante mais complicado de ler do que o conto anterior, de tal forma está revestido de simbolismo e noções herméticas e ocultistas e sei lá. O que é interessante é que ainda assim conseguiu causar um profundo efeito em mim.

A escrita, incluindo os diálogos, é trabalhada e complexa sem se tornar propriamente densa, e tudo soa a artificial, de certa forma, especialmente os diálogos, muito pouco naturais, mas a voz do autor consegue causar uma impressão de tal forma intensa que tudo encaixa na perfeição. Aqui já há inspirações lovecraftianas, e uma série de conceitos brutais, como o "dialecto flamejante":

"[...] deixou cair no lume o manuscrito original, e imediatamente uma espectacular chuva de luzes, sons e cores referveu das páginas prodigiosas, que se enegreceram e encarquilharam sob a acção do fogo sem sofrer todavia maior dano do que essa superficial deformação. Um outro discípulo teve a instantânea e feliz ideia de transcrever os sons musicais que retiniam enquanto as chamas abrasavam o manuscrito; um terceiro copiou a sequência de luzes e cores irradiadas durante o fantasmagórico processo. [...] teve uma revelação súbita e vislumbrou o código que relacionava os terríveis símbolos do «dialecto flamejante» com a sequência anotada de cores e sons musicais."

Por fim há Perpetuamente Perpétua, que além de ter um bom título, é o mais longo e possivelmente o melhor, embora eu tenha muita dificuldade em escolher. Só sei que por ser mais longa, acaba por ser mais estruturada e trabalhada, e a aldeia perdida no meio do nada, onde uma rapariga doente vai passar umas férias com os avós, é o cenário semi-idílico perfeito para o enredo convoluto de Macedo.

Com mistérios do oculto e companhia limitada ao virar de cada esquina, Perpetuamente Perpétua é uma história surpreendente: as personagens aparecem com várias idades, cruzando-se e comunicando consigo próprias, há uma voz retumbante e misteriosa pertencente a um mensageiro do fogo, e a própria Perpétua, ora mulher de meia idade, ora jovem virginal de 18 anos, ora idosa de rugas vincadas, a personagem central (não a protagonista) do conto e uma das personagens mais intrigantes que encontrei na minha vida.

Macedo consegue assim, num diálogo entre mistérios iniciáticos, comunhão com a Natureza e tudo aquile que uma aldeia destas perdida num canto solarengo de Portugal tenha de típico, construir um conto fabuloso que me deixou a salivar por mais, mas que conseguiu ter um fim bastante definitivo e satisfatório.

No geral, um livro excelente. Caso ainda não tenham percebido, é um livro a ler e um autor a conhecer. Estão à espera de quê? Siga!

sábado, 11 de janeiro de 2014

Estantes Emprestadas: Finalmente!


Depois de muito anunciar e prometer, declaro que vão finalmente poder ler as crónicas convidadas escritas por amigos meus. A rubrica começa daqui a uma semana com uma crónica bastante interessante cujo tema não vou revelar. Gosto de manter o suspense.

O nome Estantes Emprestadas é bastante sugestivo e explicativo do que é a minha ideia para esta série de crónicas. O objectivo não é ter simples textos sem vida sobre assuntos que já estão vistos e repisados, mas sim crónicas interessantes, com temas originais, e que dêem tanto gozo a ler como a escrever.

Quero que as pessoas que convido nos emprestem por um bocado as suas estantes mentais e nos falem de algo de forma a aguçar-nos a curiosidade. Quero que depois de lerem uma destas crónicas, tenham que ir acrescentar livros à vossa lista de leitura, ou conhecer mais qualquer coisa sobre este ou aquele autor.

Das que já recebi, acho que a coisa está a ser um sucesso, mas só depois de publicadas é que saberei. Por enquanto fiquem a pensar no assunto e a tremer de ansiedade (se não ficarem, deviam!), e daqui a uma semana vão ver a espera recompensada.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

A Pocket Full of Rye

Título: A Pocket Full of Rye
Autora: Agatha Christie


Opinião: Este pequeno livro, comprado com um mega desconto qualquer que o deixou a menos de três euros, pareceu ser a obra ideal para desanuviar um pouco. Em época de exames não me apetece propriamente ler o Guerra e Paz, ou algo parecido, e acho sempre os livros de Agatha Christie tão agradáveis e leves, que pronto.

Como se pode ver ali, em vez de Poirot contamos com Miss Marple, que também é fixe. É uma personagem curiosa, obviamente, uma típica senhora inglesa que transmite uma certa sensação de frieza, principalmente de raciocínio, que me espanta sempre.

E esta história tem uma das particularidades que eu mais aprecio nas histórias da rainha dos policiais: a sua personagem, a Miss Marple, pouco aparece. A sério, só surge a meio do livro, em não mais do que três ou quatro capítulos a partir, e é só.

Já nos dois melhores livros que li de Agatha Christie, As Dez Figuras Negras, O Assassinato de Roger Ackroyd, se passa o mesmo. Aliás, no primeiro nem sequer aparece o Poirot! Mas é algo que a autora costuma fazer, dá muita informação e muita história antes de começarem a acontecer os crimes, permitindo uma maior envolvência na trama. Sempre achei isso fenomenal, especialmente tendo em conta a mestria com que Agatha Christie o faz.

É que mesmo com este "atraso" na resolução do mistério, os seus detectives conseguem criar um impacto enorme. A Pocket Full of Rye não é excepção, com Miss Marple a resolver o mistério de forma peculiar e muito astuta, baseada apenas em alguns dedos de conversa, maioritariamente com as mulheres, e fazendo a ligação com uma rima infantil.

Impressionante e moderadamente interessante, ainda assim o livro ficou aquém. O mistério era muito, e as personagens interessantes, mas o desenvolvimento foi bastante mediano. O verdadeiro culpado foi (mais ou menos) surpreendente, mas disso até nem me queixo. Acho é que o livro é demasiado pequeno, e com a autora a ter enredo antes do trabalho de detective, não lhe fazia mal nenhum ter mais umas poucas páginas a expandir a história.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Antologia Fénix III [2/2]

Título: Antologia Fénix III
Autores: João Rogaciano, Joel Lima, Luís Corujo, Manuel Mendonça, Marcelina Leandro, Nuno Almeida, Ricardo Dias, Rui Bastos (eheh), Rui Ramos, Samir Karimo, Vítor Frazão


Opinião: Podem ler a primeira parte aqui (ou ali em baixo). Vou novamente apresentar na forma de lista, não só por ser mais fácil, mas também porque gosto de listas, de uma forma geral.

  • O primeiro natal ao vivo e a cores, de João Rogaciano, conta com uma boa escrita e uma história curiosa, mas acho que, muito provavelmente pela restrição de palavras, ficou a faltar desenvolvimento. Quer dizer, acho que merecia mais desenvolvimento, porque fiquei realmente interessado!
  • Diálogo no Pólo Norte, de Joel Lima, tem uma ideia minimamente engraçada, mas acaba por ser um conto tão, mas tão mediana, a fazer convergir dois mitos (de classes diferentes, mas pronto)
  • Pinheirinho, de Luís Corujo, é um conto com uma interessante, e inclui algo que raramente falha em qualquer história que apareça: VIKINGS! Apesar disso o autor conseguiu estragar a história com um final absolutamente terrível.
  • Filhós e Azevinho, de Manuel Mendonça, foi um dos contos de que menos gostei. Não fiquei a perceber grande, só que há um demónio a ser ordenhado, que dá sangue, ou sei lá... Nem sei, nem sei.
  • Missão de colonização, de Marcelina Leandro, nem sequer tem uma ideia muito má, mas o conto é terrível. Há uma Imediato Eva, um Comandante Adão, uma escrita mediana e uma conclusão que não conclui grande coisa. Não gostei.
  • Noite de Surpresas, por Nuno Almeida, não está nada mal, mas acho é que o início não está coerente com o final, nem sei bem como explicar, mas o conto parece-me desfasado, de certa forma.
  • Os Três Fantasmas, de Ricardo Dias, é um caso muito particular em que uma ideia excelente (a sério, tremenda) origina um conto fraco por causa da forma como a história é contada. Em vez de contar a coisa de forma cativante, o autor optou por ter as personagens a conversar e a explicar tudo, numa mera exposição que não se torna minimamente interessante.
  • O Julgamento de Natal, não vou comentar, porque foi o conto que eu escrevi. Eu sei que já toda  gente deve estar farta de me ouvir mencionar isso, mas eu quero lá saber, é o meu primeiro conto a ser publicado, sou um tipo mais feliz por causa disto! De qualquer forma, já lá topei uma vírgula mal posta...
  • Conto de Natal, de Rui Ramos, é outro dos contos de que menos gostei, nesta antologia. Uma escrita que achei fraca, diálogos maus, uma história confusa e pouco interessante e, pior de tudo, um Deus e um Lúcifer muito pouco credíveis...
  • Santa Claus Sideral y la Gota de Oro Navideña, de Samir Karimo, é outro conto em espanhol (galego?), mas deste não percebi pevas, portanto abstenho-me.
  • O Último Natal, de Vítor Frazão, é um conto bonito, muito bem escrito, mas acho que a ficção científica não lhe faz falta. É mais uma história de amor passada num cenário de FC para a qual a FC não tem qualquer relevância. Não perde a qualidade por isso, atenção, mas perde alguns pontos, vá...

E pronto, está tudo dito acerca dos contos. Esta segunda parte foi mais fraquinha, e desceu o nível da antologia para mediana, com algumas pérolas tremendas lá pelo meio.

Em termos de considerações gerais, a formatação do ebook não é a melhor, mas o que mais me fez confusão foi o ter contos não traduzidos para português e ainda o facto de incluir contos dos próprios organizadores. É claro que cada pessoa é livre de fazer como muito bem lhe apetecer, longe de mim querer dizer como é que se faz uma antologia, mas acho que os organizadores se deviam abster de participar.

Já para não falar dos contos não traduzidos. Por exemplo, naquele que não percebi pevas, do Samir Karimo, posso estar a perder um conto fantástico. Enfim.

No geral é uma antologia razoável, com contos fantásticos e 2 ou 3 que achei maus, mas com a maioria a cair no mediano. Em termos de experiência, foi bastante agradável ver-me incluído entre tantos nomes que já conheço destas andanças e mal posso esperar por repetir!

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Antologia Fénix III [1/2]

Título: Antologia Fénix III
Autores: Alexandra Rolo, Álvaro de Sousa Holstein, Ana Luiz, Anton Stark, Carina Portugal, Carlos Alberto Espergueiro, Carlos Silva, Carol Louve, Daniel Libonati Gomes, Francesc Barrio, Gabriel Martins, Inês Montenegro


Opinião: Decidi dividir esta opinião ao meio porque quero falar um pouco de cada conto sem a alongar demasiado. Cá vai. Para ajudar à festa são tantos, que vou fazer uma lista e tudo.

  • Biscoitos de Natal, por Alexandra Rolo, minha colega da Oficina de Escrita da Trëma, é um conto interessante e ligeiramente sanguinário, como não podia deixar de ser para quem a conhece. Gostei da escrita e do twist arrepiante.
  • Um conto de Natal, por Álvaro de Sousa Holstein, é um conto de que não gostei. É demasiado confuso e dá a sensação de ficar incompleto, enfim, um conto mediano cujas inspirações lovecraftianas não conseguiram salvar. Ainda por cima tem uma utilização de vírgulas excessiva e dolorosa, que quebra completamente o ritmo da leitura.
  • Uma Questão de Nervos, por Ana Luiz, um conto que achei confuso, não propriamente cativante nem interessante. Há um duende que quer dar uma poção transformadora a outro, mas o Pai Natal impede-o, e ele depois fica a pensar numa poção aniquiladora... Não percebi muito bem, confesso.
  • Um Último Presente, por Anton Stark, agradou-me bastante. Tem um final bastante satisfatório e uma escrita cuidada e cativante, além de que a ideia em si, da qual não posso revelar muito, mas que envolve uma Mãe Natal algo pecaminosa, é bastante porreira!
  • Frio, cada vez mais Frio, de Carina Portugal, também me agradou, embora não me tenha satisfeito completamente. A ideia é boa, e o conto é emotivo, mas o tom não é consistente em toda a sua extensão, o que estragou um bocadinho a coisa. Mas foi dos que mais gostei, ainda assim, e teve um final tão, mas tão triste...
  • Tomar a nuvem por Juno, de Carlos Alberto Espergueiro, tem uma ideia bem porreira, mas uma execução fraquinha, não fiquei nada fã da escrita e isso não me permitiu apreciar o conto como deve ser.
  • Natal no abrigo, de Carlos Silva, é outro de cuja escrita não fiquei fã, mas este achei muito bom. A ideia e a forma como está explorada é bem porreira, e fiquei com vontade que o conto tivesse mais umas poucas palavras, para ficar a saber mais qualquer coisa.
  • O Presépio, de Carol Louve, é simplesmente creepy. O que abona claramente a seu favor! Sacanas dos bonecos... Enfim, gostei!
  • A Revolução Polonórtica, de Daniel Libonati Gomes, não tem uma escrita que me tenha agradado muito, mas tem uma história bastante engraçada.
  • Disfraces, de Francesc Barrio, é o primeiro conto em espanhol (ou galego, ou sei lá) da antologia, e ainda consegui ler mais ou menos, embora tenha demorado um bocado a perceber o twist, do qual acabei por gostar embora não faça grande sentido. Quanto à escrita não me pronuncio, por motivos óbvios.
  • Noite de Sonho, de Gabriel Martins, é um conto bem porreiro e, vá, bonito. A ideia do Sonho vs Destino, com o ligeiro twist no fim é muito boa e passa uma mensagem poderosa. É o meu favorito até aqui, e ainda por cima lembra-me um pouco o Sandman, do Gaiman...
  • O Anjo, de Inês Montenegro, não é nada mau, mas nem liguei muito a história. A escrita é que é fenomenal! Fiquei fã.
A opinião do resto dos contos aparece na quarta feira, assim como algumas considerações gerais, mas até agora posso dizer que foi uma leitura agradável, sem ser nada de extraordinário. Há algumas coisas que me fazem espécie, mas falo disso para a próxima.

sábado, 4 de janeiro de 2014

A senhora da Mbooks da Alameda

E eu também não.
No início da semana fui passear com a minha namorada. E como acontece sempre, acabámos a ver livros em vários sítios. Um desses sítios foi numa daquelas feiras da Mbooks que nascem que nem cogumelos nas estações de metro, mais concretamente na do metro da Alameda.

Passo por lá muitas vezes, deve ser o poiso deste estilo que mais frequento, e já lá tive algumas surpresas agradáveis, e sempre me deparei com uma enorme simpatia da parte de quem quer que seja que lá tenha estado a vender. Não tive essa sorte, desta vez.

Como sempre fazemos, demos a nossa volta, vimos os livros, e até abrimos uns para crianças super engraçados com versões infantis das personagens da Disney, algo que, e isto é importante para o que vou contar a seguir, não costumamos fazer de todo. Normalmente limitamo-nos a olhar, talvez espreitemos uma sinopse ou outra, mas raramente abrimos um livro.

Mas foi enquanto nos ríamos de um Pateta bebé, que a senhora a vender livros naquele dia se aproxima disfarçadamente, como quem não quer a coisa, e diz que aquilo não pode ser, que vamos ali muita vez e olhamos e mexemos e nunca compramos nada e que assim não pode ser. E não disse isto da forma mais agradável possível.

Ora, eu compreendo muito bem a frustração que deve ser para quem vende, ver pessoas a entrar várias vezes e a raramente comprar alguma coisa. Ainda para mais se essas pessoas andarem para lá a escaranfunchar nos livros todos. Uma ou duas pessoas de vez em quando, nem faz mal. Mas se forem cinquenta, todos os dias, estragam-se os livros.

Portanto percebo a preocupação, a sério que sim. Mas acho que chegar ao pé de clientes e basicamente dizer-lhes "ou compram alguma coisa ou estão quietinhos, olha agora, sempre aqui a cirandar!", com maus modos, não é a melhor forma de lidar com isso.

A única coisa que conseguiu foi muito provavelmente perder dois clientes.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Marvel Fairy Tales

Título: Marvel Fairy Tales

Argumento: C.B. Cebulski
Arte: Claire Wendling, João M.P. Lemos, Nuno Plati, Takeshi Miyazawa, Ricardo Tércio Vinagre Guimarães, Kyle Baker


Opinião: Já tinha ouvido falar deste livro, mas a única opinião que conhecia era uma não muito favorável. No entanto o conceito sempre me fascinou, e decidi trazê-lo da biblioteca um dia destes.

A premissa é simples: recontar fairy tales utilizando super-heróis da Marvel como personagens. Há um Vision a fazer de Pinóquio, um Capitão América como Peter Pan, enfim, vocês percebem a ideia.

O resultado é bastante satisfatório! Ainda há mais volumes, mas as histórias recolhidas neste são bastante agradáveis: Pinóquio, Capuchinho Vermelho, O Feiticeiro de Oz, Alice no País das Maravilhas, Peter Pan, e uma fábula africana deliciosamente adaptada.

O conceito funciona porque as histórias de super heróis são uma espécie de contos de fadas ultramodernos. O Capitão América encaixa bem no papel de galante Príncipe Encantado, por exemplo, e quantas histórias não conhecem vocês de super heróis a salvar as suas donzelas?

Mas Cebulski conseguiu tornar o livro muito mais interessante graças a pequenos twists neste tipo de pensamento. Usar o Capitão América para fazer de Peter Pan, o eterno rapazinho, irresponsável, ainda que leal, e infantil por escolha própria, por exemplo. Ou ter o Thor, na adaptação de O Feiticeiro de Oz, a ser o espantalho, mas em busca de força e não de inteligência.

São pequenos detalhes que aproveitam muito bem as características específicas destes heróis, permitindo uma junção ao universo dos contos de fadas que funciona bastante bem.

E no meio destas histórias, a que achei melhor foi a última, a tal adaptação de uma fábula africana, com Magneto no papel de águia e Professor X no papel de tartaruga. A forma como a história está contada é absolutamente soberba, recriando com exactidão a complexa relação entre estas duas personagens mais que conhecidas, com o formato de fábula a assentar que nem uma luva.

Os diálogos de uma forma geral podiam ser melhores, mas a arte é boa, e nada prejudica o maravilhoso conceito que faz deste um óptimo livro.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Gardens of the Moon (Malazan Book of the Fallen #1)

Título: Gardens of the Moon
Autor: Steven Erikson


Opinião: Nada melhor para começar o novo ano do que cascar num livro. Foi pura coincidência esta opinião ter calhado para este dia, mas não fica nada mal.

Afinal, mais do que entrar com o pé direito, gosto mesmo é de refilar. E se já aproveitei toda uma crónica, de forma não muito subtil para dar início às hostilidades, neste primeiro texto de 2014 vou ter que me queixar mais um bocadinho.

Mas antes de partir para a porrada gosto sempre de salientar os pontos fortes, para não me acharem demasiado agressivo.

E este livro tem alguns. Uma história cativante, quando se consegue perceber minimamente, e uma mão cheia de personagens interessantes, incluindo o Kruppe, o misterioso homem anafado e aluado que anda a cirandar pelo livro, em contacto com montes de outras personagens e claramente envolvido em montes de acontecimentos, sem parecer mais do que um wandering fool.

O resto das personagens não me chamou muito a atenção, embora tenha gostado de mais algumas. A verdade é que Kruppe é de tal forma carismático que consegue roubar completamente qualquer cena em que apareça, eclipsando quase na totalidade todas as outras personagens. Durante a leitura, este homenzinho estranho serviu-me de âncora e de ponto de foco no meio do marasmo intricado e incompreensível que é Gardens of the Moon.

Além das personagens, concedo que o worldbuilding é bom. Não é excelente, e muito menos fácil de apreender, mas ele está lá, e o mundo criado por Erikson é de facto interessante. Entre cidades flutuantes, deuses, feiticeiros, monstros variados, mais raças do que é humanamente possível decorar, e intrigas palacianas demasiado complicadas, o mundo acaba por até nem ficar muito mal caracterizado.

Fica é mal explorado. Mas se vamos partir para a fase de dar nas orelhas, vamos fazer isto como deve ser: plot twists ridículos, magia como solução para todos os problemas, inconsistências na forma de actuar das personagens, motivações fracas ou inexistentes para muitas delas, um início absolutamente terrível e demasiado confuso, um fim execrável, uma completa ausência de closure... Digamos que não fiquei fã do livro.

Entre outras coisas, o livro pareceu-me mais o meio de uma saga do que o começo. Não há grande contexto, o ritmo é brutalmente contrastante (de 100 e tal páginas sem acontecer nada de especial, passa a 20 páginas completamente recheadas de acontecimentos que mudam tudo), e não há propriamente um fim, mas sim um momento a partir do qual tudo acontece a uma velocidade estonteante, para logo se imobilizar por completo.

As críticas que tenho visto dizem que Erikson é uma espécie de nível avançado de Fantasia. A ideia é que depois de se ler George R.R. Martin, Robert Jordan, Robb Hobb e outros autores que tais, mais "fáceis" de digerir, se pode passar à saga de Erikson, mais densa e complexa.

Eu cá digo para terem juízo. Normalmente chamo a livros como este "tão maus que só podem ser brilhantes". O que se passa é que ninguém acredita que uma saga planeada para 10 volumes, com outras obras à volta, e bla bla bla, contenha livros tão maus como este. Então só pode ser brilhante, nós é que ainda não chegámos lá!

Querem provas? Li algures que um tipo leu isto, não percebeu nada, mas gostou bastante, e que então leu outra vez, e já percebeu mais um pouco, mas que depois da terceira leitura já percebia mais ou menos a história e decidiu avançar para o segundo livro. Caríssimos, isto é parvo. A mim aconteceu-me o mesmo, depois de ler estas 700 páginas, não percebi grande coisa do que se passou, mas mesmo que tivesse gostado da escrita (não gostei, não) e conseguisse encontrar qualquer coisa para me prender a sério (uma personagem como o Kruppe, fixíssima e que fala de si própria na terceira pessoa, não chega), não ia gostar.

E de facto não gostei mesmo nada deste livro. Logo no início há um exército que é dizimado por um deus que vive numa cidade flutuante, e uma das personagens é cortada ao meio e fica obviamente para morrer. Duas páginas depois a sua alma foi transferida para uma marioneta de madeira, e o tipo enlouquece e nem sei. Depois o sistema de magia é estranhíssimo, nunca é minimamente explicado, e serve para resolver todos os problemas... E nisso o Sanderson é que tinha razão (1, 2, 3).

Os deuses aqui também têm uma intervenção bastante directa, sendo convocados e até usados e ameaçados por meros mortais, por dá cá aquela palha. E não há nada que salve uma linha narrativa que leva a um beco sem saída, sobre um tipo que é o Coin Bearer, uma ferramente do deus duplo da sorte, Oponn. Esta história está em build-up durante dezenas e dezenas de páginas ao longo de todo o livro e depois... não tem relevância nenhuma.

Enfim, uma série de coisas que me chatearam e que não são de forma alguma compensadas pelas coisas boas que mencionei ali em cima. A brilhante ideia do Rafa está-se a revelar um suplício, e não pego no segundo livro tão cedo. É até provável que não lhe pegue de todo!