quarta-feira, 30 de julho de 2014

Que as citações nos caiam em cima [52]


"[...] É um velho costume da humanidade, esse de passar ao lado dos mortos e não os ver [...]"

Ensaio sobre a Cegueira
José Saramago

Ensaio sobre a Cegueira


Autor: José Saramago


Opinião: Este não é um livro que aconselho de ânimo leve. Intenso e perturbador são as duas palavras que mais rapidamente me surgem na mente, para o descrever. Eu já sabia isso, e é exactamente parte da razão para ter tanta curiosidade em lê-lo. Aproveitei o facto de ter começado a Temporada Temática "Lusofonices" para satisfazer essa curiosidade de uma vez por todas.

O que dizer deste livro? Claramente uma das obras-primas de Saramago, não é uma leitura fácil e, além disso, já percebi que ou se adora ou nem se consegue passar das primeiras páginas. Nada de estranho com este autor de escrita peculiar, que se presta frequentemente a tratamentos desses.

A verdade é que o estilo de Saramago custa a entranhar para a maior parte das pessoas, mas revela-se muito em linha com a oralidade e a estrutura do próprio pensamento. Ler Saramago, para mim, é como ouvi-lo a contar uma história para si próprio. É claro que isso leva a uma escrita de aspecto denso, muito boa, mas controversa, no mínimo.

Ultrapassada essa barreira (que para mim já não existe), ainda é preciso ter em conta outra coisa: o livro e a escrita são viciantes, e a vontade imediata é sempre ler mais uma página, mas por muito que se queira, e por muito que se esteja a gostar, é preciso fazer uma pausa depois de se ler um parágrafo que dura três páginas.

Esta escrita dá sempre um ritmo bastante interessante aos livros de Saramago, e este não é excepção. A leitura soa sempre bastante pausada, mas quando em embrenhava mais facilmente me perdia e lia vinte páginas num fôlego, vinte páginas em que o enredo ou a acção avançavam de forma estonteante!

Neste livro em específico, ainda assim, o começo imediato é algo morno, muito diferente de outros começos bastante activos, como é o caso do de As Intermitências da Morte. A premissa é logo apresentada, numa transição de normalidade-estranheza muito típica de Saramago, é bastante interessante e, acima de tudo, simples. Um homem fica cego de repente, mas em vez de ver tudo negro, vê tudo branco. Assim, sem mais nem menos.

O trajecto a partir desse momento começa por ser disperso, talvez demasiado, apresentando diferentes personagens em diferentes situações, todas a cegarem da mesma forma. Todas estas personagens são importantes mais à frente, quando descobrimos que são efectivamente os protagonistas (mais ou menos, mas já lá vou), mas confesso que com este começo, a minha ideia foi outra completamente diferente. Pareciam-me apenas casos aleatórios de personagens que não iam ter importância nenhuma à frente, e que talvez nem nunca mais aparecessem. Uma espécie de panorama geral. Mas adiante.

Com a doença a espalhar-se ao longo das primeiras páginas, tudo descamba muito rapidamente. Os cegos são atirados para quarentena forçada e obrigados a viver em condições deploráveis. O lugar escolhido para o primeiro surto, para onde vão as personagens que o livro acompanha, é um antigo manicómio desactivado, onde vai surgir uma espécie de sociedade de cegos, brutal, nojenta e, o pior de tudo, expectável.

Pois é. Eu garanto-vos que tudo o vos possam dizer sobre este livro, o que para mim foi mais perturbador foi o facto de achar normal, por assim dizer, aquilo que foi acontecendo no manicómio. Ou seja, é como se eu soubesse que pessoas, naquelas condições, fossem reagir daquela forma. É por isso que não fiquei espantado com a ditadura imposta por um grupo de cegos mais agressivos, que têm uma pistola. Ou pela brutal e intensa cena de violação colectiva de um grupo de mulheres, única forma de garantirem alimento para o resto dos cegos.

Isto é um ponto sensível. Ainda não me consegui decidir quanto ao assunto do livro. Será que Saramago quis descrever o que acontece a uma sociedade no fim dos seus dias? Ou sobre a Humanidade no fim dos seus dias? Ambas? É esta uma história sobre o caos que temos à flor da pele e que está à espera de romper e se espalhar por todo o lado? Ou será que Saramago, com todo o simbolismo que lhe é característico, escreveu aqui um verdadeiro ensaio sobre a cegueira, em todas as suas formas, causas e consequências?

Não sei. Só sei que conseguiu descrever e demonstrar o que acontece quando a Humanidade, representada por um grupo de cegos fechados num manicómio, se "vê" confrontada com a sua própria queda. A brutalidade, a crueldade, a frieza, a resignação e o caos são meras consequências. Aquilo que Saramago escreve é uma definição da condição humana por oposição.

O contraste é óbvio e bem visível, mais relevante por ser maioritariamente descrito pelos olhos da única pessoa que não cega, a mulher do médico. Esta personagem, extremamente relevante, torna-se nos olhos do leitor, que nunca se identifica com o narrador. Esse é uma entidade à parte, é uma voz que murmura de forma discreta mas eficaz. A mulher do médico é o nosso último reduto, a nossa última esperança. Nossa e dos cegos.

É por isso que alguns dos momentos mais marcantes deste livro sejam exactamente quando esta personagem, tão fulcral, perde a esperança. O momento em que cai de joelhos à chuva, semi-nua, sem forças para carregar os sacos de comida e chora, é intenso. O cão que lhe vai lamber as lágrimas é um benfeitor, mas é incapaz de apagar o que aconteceu. A mulher do médico viu todos os horrores que aconteceram ao mundo, pessoas a morrerem, pessoas a matarem, pessoas a defecarem onde calhasse, foi violada, espancada, cometeu actos horríveis em nome da sobrevivência, tudo isto enquanto o seu marido e toda a gente à sua volta está cego.

E é só depois, quando tudo parece estar encaminhado para melhorar, que quebra. É um momento forte e muito marcante, que arrepia e que Saramago descreve com a qualidade que lhe é característica.

Como já devem ter percebido, gostei mesmo muito deste livro. Vou ter que deliberar um pouco para decidir se se torna o meu favorito de Saramago ou se não é suficiente para destronar O Evangelho Segundo Jesus Cristo. É bem possível que sim, mais que não seja pelo seu carácter mais geral e de reflexão, em vez do ataque dirigido à religião que é o outro livro. Aqui, Saramago parece que se esqueceu de levantar polémicas e escreveu um autêntico tratado sobre a condição humana, mascarado sobre a forma de um livro intenso e com uma escrita excepcional que não é, definitivamente, aconselhável para pessoas mais sensíveis. Leiam-no e vejam por vocês próprios.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Os Vingadores #6


Argumento: Jonathan Hickman
Arte: Mike Deodato, Frank Martin, Dustin Weaver, Justin Ponsor
Tradução: José H. de Freitas e Filipe Faria

Opinião: Não sei que dizer quanto a esta BD. Não gostei da arte e não fiquei grande fã do argumento. O problema é que, ao contrário do que se passa em X-Men, este comic segue vários arcos narrativos diferentes, de temas muito abrangentes, e ao tentar prestar atenção a todos, perde coerência.

O resultado são estas BD's, incoerentes e com um ar semi-aleatório, em que a história avança a passo de caracol, em nome da diversidade e da complexidade.

Estas duas últimas coisas não são más, apenas não são as melhores para incluir aqui, e especialmente em vez de ritmo.

O início, confesso, é bom.Tem pelo menos um momento muito gráfico e arrepiante que lhe dá uma dimensão muito interessante, mas depois esmorece. Os Vingadores não sabem muito bem o que fazer, e ora estão a cumprir os seus papéis de polícias globais, como estão a cumprir o seu papel de espiões, como estão a cumprir o seu papel de... professores?

Depois o grande problema: mais personagens novas e misteriosas. Eu compreendo que seja um artifício que funciona bem para atrair novos leitores e para deixar os antigos mais agarrados, mas a complexidade desta BD, que até agora era apenas agradável, já começa a causar o seu próprio colapso.

Complexo, tudo bem, exagerado, calma lá.

Tirando isto, não há nada de particularmente positivo de que me lembre assim de repente. A história não fica na memória, os super-heróis passam demasiado tempo a dialogar e pouco tempo a tentarem matar-se uns aos outros com os seus super-poderes.

Espero bem que esteja a chegar algo grandioso, porque esta saga está a precisar...

sábado, 26 de julho de 2014

Estantes Emprestadas [7] - Males de Amor


Por hoje trago-vos uma crónica escrita pela Carolina Leitão, pertencente à primeira vaga de caloiros que apanhei depois de entrar no meu curso e que todos conhecemos, sem qualquer ponta de gozo por ela me caber na palma da mão, por Gaiata.

A Gaiata é uma rapariga especial, porque é mais ou menos minha afilhada no curso. Digamos que sou o padrinho bastardo. O que conheço dela é que é o bípede mais mariquinhas, sentimental e morangos-com-açúcar que já vi, portanto soou-me como a pessoa ideal para um desafio como este: provar-me que o amor é idiota.

Ela não consegui despegar-se das suas raízes, como vão ver, mas tentou e bem! Cumpriu e mostrou, com exemplos literários, que o amor é essencialmente estúpido. Calma, calma, guardem as tochas e as forquilhas, eu sei que não é bem assim, e que os exemplos dados no texto podem perfeitamente ser entendidos com a conclusão oposta, mas o objectivo era mesmo ser desafiante, portanto não quero saber desses pormenores (quase que disse trivialidades).

Fiquem então com o texto. Eu cá estou satisfeito, de resto... Bem, digam-me vocês. Obrigado Gaiata!



Antes de mais começo por dizer que para mim foi um prazer aceitar este desafio. Poderia chamar-lhe qualquer outro nome mas penso que desafio é certamente a palavra indicada uma vez que quem me conhece sabe que sou uma pessoa bastante emotiva e, ainda que racional, se a escolha for entre seguir o coração ou a cabeça é certo e sabido que o coração acaba sempre por sair vitorioso. Ora, podem ver que escrever uma crónica sobre o amor é para mim algo muito complexo, especialmente uma em que tenha de, à falta de uma melhor palavra, o desacreditar. Espero que gostem e que este tema vos faça pensar como me fez a mim.

Amor. Uma palavra tão pequena que descreve um sentimento tão abrangente, pois, afinal existem inúmeras formas de amor. Para mim o amor é aquele calorzinho na barriga que sentimos quando olhamos para a pessoa de quem gostamos, é aquele conforto que sentimos quando pensamos na nossa família, é ainda aquele sorriso que nos aparece estampado no rosto quando estamos com os nossos amigos.


Ao longo da História nem sempre as pessoas foram livres para expressar os seus sentimentos em relação aos outros. Alturas houve em que casar com alguém não era mais do que uma troca de favores ou um mero acordo político, dar as mãos em publico era uma autêntica vergonha e ai de quem ousasse dar um beijinho em público. Hoje em dia atravessamos uma época em que as pessoas têm uma postura exactamente oposta. Se um namorado não der um beijo à namorada em público é porque gosta de homens e se uma rapariga for virgem aos vinte anos de certeza que é porque tem algum problema. 

Como seria de esperar a literatura não foi indiferente a estas mudanças de mentalidade. O evoluir da sociedade quer de uma maneira quer de outra acaba sempre por deixar marcas na arte e na cultura das diferentes épocas.

O primeiro livro de que vos quero falar é das histórias românticas mais conhecidas mundialmente. Romeu e Julieta de William Shakespeare, para aqueles de vós que não conheçam a história, relata o romance de um rapaz e de uma rapariga que se apaixonam perdidamente um pelo outro apesar de as suas famílias se encontrarem em disputa. O resultado desta história trágica é a morte dos dois amantes. Romeu mata-se por pensar que a sua amada estava morta e, Julieta, que se encontrava apenas sob o efeito de uma substância que simulava os sintomas da morte, ao ver que o seu amado tinha tirado a própria vida decide fazer o mesmo. 

Nesta história William Shakespeare demonstra que o amor é capaz de acabar com qualquer disputa pois, apesar do final trágico das duas personagens principais, as famílias de ambos decidem acabar com as suas guerrilhas e viver em paz.


Olhando para os acontecimentos de uma forma sóbria e imparcial deparei-me com as seguintes questões: Será o amor razão suficiente para acabar com a própria vida? Quem no seu perfeito juízo se mata por outra pessoa? Se o Romeu não se tivesse matado pela sua amada estariam os dois vivos e talvez até felizes. Concluí então que o amor não só não é racional como ainda nos faz mal à saúde e pode mesmo levar-nos à morte.

O segundo livro de que vos vou falar chama-se Casa de bonecas de Henrik Ibsen. Esta  peça gerou muita polémica uma vez que abordava o tema da marginalização das mulheres na sociedade numa altura em que nesta ainda não existiam igualdade de direitos. A historia gira em volta de uma assinatura falsificada pela personagem feminina principal, facto que acaba por revelar todos os problemas do seu casamento e levá-lo ao seu fim. 

Este livro levou-me então a fazer uma nova análise do amor: Como é que é possível falsificar um sentimento que supostamente é tão genuíno e tão intenso? Então e se o amor é algo que dura para sempre como é que é possível amar uma pessoa num momento e odiá-la no momento seguinte?  


Pus-me então a pensar nas varias formas de amor que existem na minha vida e nos casos de que já vos falei e apercebi-me que todos eles têm uma coisa em comum: Mais cedo ou mais tarde fazem-nos sofrer! Quantas vezes nos preocupamos com as outras pessoas? Quantas vezes fazemos coisas com as quais não nos sentimos completamente confortáveis apenas para fazer a outra pessoa feliz? Quantas vezes deixamos de por o nosso bem estar em primeiro lugar? Quantas vezes somos enganados por este sentimento?

Posei então a seguinte questão a mim própria : Seria eu capaz de me matar por amor? Fiquei chocada quando percebi que a resposta era sim. Que raio de sentimento é este que nos faz contrariar os nossos instintos primários ao ponto de nos matarmos!? Se Darwin estivesse vivo diria de certeza que a população humana era mal adaptada às condições a que está sujeita e que dentro em breve se iria extinguir. Portanto, o sentimento em que mais acredito é portanto uma palhaçada. Faz-nos felizes num momento mas pode fazer-nos espetar uma faca em nós próprios no outro. 

Decidi então falar-vos da minha última aventura literária, uma saga chamada Memórias de Idhún de Laura Gallego Garcia, uma saga de seis livros que fala acerca de um mundo distante que se encontra dominado por uma espécie de serpentes aladas (sheks) e cujos nativos tentam recuperar a todo o custo. Achei por bem falar-vos desta saga porque tem das historias românticas mais bonitas que já li até hoje. Ao longo dos livros a personagem feminina, Victoria, apaixona-se perdidamente pelo seu melhor amigo, Jack, e pelo inimigo de ambos, Kirtash. 

Sendo das histórias mais bonitas que já li até hoje decidi desafiar-me a mim própria e tentar perceber se também aqui o amor faz das suas. Bem, para começar um triângulo amoroso entre crianças de 15 anos é no mínimo peculiar, ainda para mais se este for tolerado por todas as partes. Em segundo lugar este sentimento idiota faz com que dois inimigos partilhem a mesma rapariga, mais uma vez contrariando todos os instintos primários de sobrevivência apenas por um capricho.

Posto isto sou forçada a concluir que o amor é estúpido e faz-nos agir como se fossemos marionetas a seu belo prazer e a pior parte é que faz com que nós nos contentemos com isso. Não só morremos de amores como o amor nos mata! Mas é por isto mesmo que o amor é tão importante na literatura pois manipula-nos e faz-nos sentir coisas inexplicáveis. Leva-nos a questionar tudo aquilo em que acreditamos e ilude-nos de uma forma completamente flagrante.

Vou então acabar com um aviso: Tenham cuidado com o Amor que ele anda por aí!

sexta-feira, 25 de julho de 2014

X-Men #6


Argumento: Brian Michael Bendis
Arte: Stuart Immonen, Wade Von Grawbadger, Rain Beredo, Marte Gracia, David Lafuente
Tradução: Filipe Faria

Opinião: Finalmente consigo apontar uma personagem como favorita! Senhoras e senhores, cromos e cromas... O Homem de Gelo original!

Sim, é verdade. Nunca foi das minhas personagens favoritas em nada do que li, mas esta versão tem-se excedido. Tem um estilo parecido ao do Homem-Aranha - jovem, brincalhão, gozão, mais competente do que aparenta e muito, muito engraçado - e tem vindo a ganhar a minha admiração.

Neste número consegue vencer as minhas dúvidas, ao ser a única personagem racional e que parece ter noção de tudo o que se passa. Um pouco como uma personagem num filme da Disney que se questiona porque raio está toda a gente a cantar. É assim que esta iteração do Homem de Gelo funciona, e sempre de forma engraçada!

Já a história avança um pouco, mas não muito. A ideia com que fiquei na primeira leitura foi a de que acontecia muita coisa, mas uma segunda vista de olhos revela que é tudo fogo de vista. Muito espalhafato e pouco desenvolvimento.

Começa bem e tudo, mas depois volta atrás e meh. Quando consegue novamente chegar à cena de pancadaria, esta é constantemente interrompida por diálogos e exposição do enredo, porque o leitor é demasiado idiota para perceber o que se está a passar.

É uma pena, mas pronto, é suportável. De resto não há muito a acrescentar, diga-se de passagem. A história desenvolve pouco, como já disse, mas confesso que há algumas revelações importantes, ainda que previsíveis.

Só mais três coisas: a arte do terceiro comic incluído nesta revista é bastante diferente do resto, ligeiramente mais cartoonesca mas bem interessante; a Jean Grey vinda do passado dá de caras com... a filha dela? Acho que é. Acontece duas vezes e nenhuma das duas tem uma reacção decente. Eu esperava mais drama, mais gritaria, mais desmaios, mas nada, concordam tacitamente em ignorarem-se mutuamente e tudo fica bem; por fim, há um momento que está bem patente na capa, e que embora me pareça ser um desrespeito às histórias originais, não posso deixar de encarar como a victory for the nerds!

Estou com algum receio daquilo que Bendis vai fazer daqui para a frente. Estas mudanças em personagens do passado são muito perigosas, e o argumento parece pronto para começar a abandalhar a esse nível, o que muito provavelmente não será nada, mas nada, agradável. É esperar para ver, suponho.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

O Livro de Victor Frankenstein


Autor: Peter Ackroyd
Tradutora: Marta Oliveira


Opinião: Fiquei fã de Peter Ackroyd depois de ler Poe - Uma Vida Abreviada. Só mais recentemente é que descobri que o autor é um biógrafo de renome, muito focado em figuras literárias e eventos histórias de relevo, que conta com uma perspectiva diferente da habitual.

Pelo que conheço de Ackroyd, parece-me que o seu objectivo é "dar a conhecer sem aborrecer", uma máxima que vai de encontro às minhas opiniões pessoais sobre a História e a Cultura: podem ser muita coisa, mas não precisam de ser, nem são, aborrecidas.

O autor consegue isso com uma escrita fluida e natural, muito de acordo com a personagem histórica ou ficcional que retrata. Se no livro de Poe é possível ver alguns piscar de olhos ao estilo de um dos mais brilhantes contistas de sempre, neste O Livro de Victor Frankenstein, ainda que o caso seja diferente por ser ficção, é possível encontrar os ecos do gótico de Mary Shelley.

A forma como Ackroyd conta a sua história, essa, é bastante interessante. Este livro é praticamente um recontar de Frankenstein, mas mais realista. Aparecem personagens como Percy Shelley e a própria Mary Shelley, Lord Byron e Polidori, apresentados como contemporâneos e amigos/conhecidos de Victor Frankenstein, emprestando assim um tom autêntico à narrativa.

Para alguém fã do livro de Shelley, está aqui uma obra capaz de o cativar até à última página, seja pela remodelação da história de Victor Frankenstein e do seu monstro, que quase parece um relato histórico verdadeiro, seja pelo uso consciente e bem feito de um estilo algo antiquado.

Acompanhar as agruras do médico que quer criar vida não é tarefa fácil. Acaba por ser uma viagem intensa, capaz de confrontar tudo o que pensamos sobre ética e religião, usando e abusando de liberdades científicas para expôr as suas ideias e os dilemas que Shelley também apresenta no seu livro.

As personagens também estão bastante vívidas e cheias de reacções exageradas, como era comum na época, especialmente a principal, Victor Frankenstein, como não podia deixar de ser. É possível vê-lo a a atingir vários estados de aceitação, negação, horror e culpa quanto ao seu trabalho, sentimentos igualmente visíveis na criatura, o monstro que é mais vítima do que outra coisa. Muito bom.

Até a edição do livro está um mimo, o que é sempre agradável. Só há um pequeno problema que, enfim, não é assim tão pequeno quanto isso. A tradução. Ou melhor, a tradutora. Vamos lá a ver se nos entendemos: não tenho grandes queixas da tradução em si, parece-me fiel e bem adaptada, mas há pequenos pormenores irritantes que me deixaram, à falta de melhor expressão, lixado da vida.

O pináculo da desgraça acontece quando uma das personagens refere um Mr. Punch, que eu obviamente não fazia a mínima ideia de quem fosse. Uma pequena pesquisa e dois dedos de testa facilmente me deixam perceber que a dita personagem se refere a uma figura tradicional dos espectáculos de marionetas britânicos, um arquétipo de homem violento. Tudo bem. Mas a tradutora, ou quem quer que tenha escrito aquela nota, claramente não é muito esperta, pois diz que Mr. Punch é... uma personagem de um livro de Neil Gaiman e Dave McKean.

Não sei como é que o óbvio anacronismo não lhe saltou à vista, mas sei que ler aquela nota me deixou completamente furioso. É um sinal claro do mais perfeito descuido e idiotice, uma nódoa num livro que é, fora isso, completamente impecável.

Mas pronto, se ignorarmos isso como acabei de dizer, o que temos é um livro fantástico que vale a pena ser lido, e um autor que vou definitivamente perseguir. Sim, sim, não vou acompanhar, vou perseguir. É só encontrar livros dele a jeito, vão ver se não fazem o caminho para minha casa que é um doce... E aconselho-vos a fazerem o mesmo!

segunda-feira, 21 de julho de 2014

The Truth of Fact, the Truth of Feeling


Autor: Ted Chiang


Opinião: Se há autor que me tem fascinado é Ted Chiang. Aquilo que leio sobre ele, as opiniões e as críticas, são invariavelmente positivas e curiosas.

Chiang é apontado como inovador, excelente e com uma imaginação fora do vulgar. Já lhe li o Division by Zero e partilho dessas opiniões, embora não de forma tão entusiástica.

Aquilo que eu acho é que este autor é refrescante. Diferente. Tem coragem no que escreve, como escreve e como publica e divulga a sua obra. Atreve-se a fugir à formatação que atinge a maioria dos autores hoje em dia e faz algo diferente, acabando inevitavelmente por chamar a atenção.

E se o conto sobre matemática não me convenceu inteiramente, este faz-me levantar a bandeirinha branca e gritar por rendição. Ganhaste caro Chiang, ganhaste. És um mestre, um futuro autor de clássicos que ficará para sempre gravado na História da Literatura.

Sim, será um autor olhado de lado pelos "cultos" e pelos "críticos profissionais", mas esses que se vão lixar. São poucas as pessoas capazes de escrever uma narrativa bipartida, com duas histórias tão diferentes, tanto em época como em setting, mas tão iguais na mensagem que passam.

Chiang conta a história de um jornalista que escreve um artigo sobre uma nova tecnologia, ao mesmo tempo que, em paralelo, conta a história de um indígena que aprende a escrever e descobre uma nova tecnologia.

No final, ambos aprendem alguma coisa sobre eles próprios e o significado da verdade. O interessante é que o paralelismo culmina em conclusões diferentes, pólos opostos da mesma mensagem. E tudo isto feito com uma boa escrita, clara, directa, pessoal, em tom de conversação íntima.

O jornalista vive numa época avançada, em que a memória orgânica está em vias de ser substituída pela memória digital: todas as pessoas conseguem gravar continuamente tudo o que vêm, através de um aparelho implantado na retina, e surge eventualmente um software com um algoritmo capaz de pesquisar os milhares e milhares de horas de gravação e encontrar um pedaço específico, sem que a pessoa tenha propriamente de pedir por isso.

Sempre que alguém disser "lembras-te disto?", o software lá vai em busca e apresenta o vídeo relevante, numa questão de segundos. Uma excelente ideia, mas com possíveis problemas, que Ted Chiang expõe e explica.

Já o indígena vive num passado em que a sua tribo entra em contacto com europeus pela primeira vez, que além de fazer a sua aldeia pagar impostos, obriga a tribo a mudar alguns costumes e destaca um missionário para pregar a palavra de Deus e dar alguns ensinamentos a quem estiver disposto a ouvir. O protagonista, fascinado por histórias, aprende a ler e a escrever e eventualmente torna-se o escriba da tribo.

É no confronto entre pessoas e tecnologia - seja o jornalista com o novo software ou o indígena com a escrita/leitura - que a mensagem do conto se faz passar. Ambas as histórias mostram que a verdade é algo complicado, mais subjectivo do que possamos pensar, e que as nossas memórias não são propriamente de confiança, o que é bom e mau ao mesmo tempo.

O final que o autor dá ao conto é bom, para ambas as narrativas, e deixou-me certamente satisfeito. Desafio-vos a lerem!

sábado, 19 de julho de 2014

Temporada Temática: Lusofonices


Sejam bem-vindos a mais uma das minhas pequenas loucuras: uma Temporada Temática de autores lusófonos!

Gostei bastante das experiências anteriores, e como tinha uma série de livros que se encaixavam neste tema a acumular e a acumular e a acumular... Bem, cá vai disto.

No entanto, notei que a partir de certa altura me começo a aborrecer de morte por estar a ler sempre a mesma coisa. É diferente, porque se da primeira vez foram só epopeias, da segunda só Potters e da terceira só Allaryias, agora tenho um acervo bastante diversificado, de Camões a Luís Filipe Silva, de Camilo Castelo Branco a Telmo Marçal, de Saramago a José Eduardo Agualusa, entre muitos outros. O que interessa dizer é que esta Temporada é para se esticar durante, prevejo eu, ano e meio. Talvez dois anos. O truque é ir intercalando.

Vou manter as minhas leituras "normais", as que já estavam programadas, mas pelo meio vou avançando nesta temporada. É uma forma de me forçar a ler autores lusófonos e a diversificar ainda mais as minhas leituras, bem como a finalmente pegar em livros que ando a adiar há eternidades (como o primeiro da fila, Ensaio sobre a Cegueira).

Mas como se pode ver, nem só autores clássicos, nem só autores modernos, ainda que haja claramente um predomínio de autores portugueses. Acho que só mesmo o Agualusa é que foge à regra. Mas não desesperem! Apesar da bonita quantidade de quarenta e dois livros ali expostos, é provável que adicione algumas coisas.

Enfim, conforme eu for vendo que se adequa à Temporada. O critério? O que me apetecer. Eu sei, eu sei, é um bocado vago, mas confiem. O objectivo não é fazer uma Temporada eterna, para sempre que pegar num livro de algum autor lusófono, mas sim aumentar a densidade de leituras desse género nos próximos dois anos. A ideia também é que esta Temporada seja minimamente (e vagamente) representativa da literatura portuguesa.

Ou seja, aquela fila, que vocês não conseguem ver com muita clareza, vai ter alterações. Talvez tire algum do Júlio Dinis (estão lá quatro), ou do Camilo (que tem três), e adicione Lobo Antunes (que não tem nenhum) e coisas assim. Muito provavelmente também vou adicionar à lista alguns contos que se encontram pela net, especialmente de FC mais recente, como o Luís Filipe Silva e o Manuel Alves, por exemplo. Gostava de agarrar em algumas BD's e ainda incluir David Soares e João Tordo e Valter Hugo Mãe e Afonso Cruz e Mia Couto e e...

Estão a ver onde me vim meter, não estão? O que vou fazer é deixar isto evoluir de forma mais ou menos orgânica. Não me chatear muito. Há algumas leituras que quero fazer de certeza, e algumas que quero fazer seguidas, para algumas análises comparativas e afins, mas de resto é o que for apanhando. Esforçar-me um pouco para escrever umas opiniões mais extensas e umas crónicas mais direccionadas.

E quando me der por satisfeito, acabo a Temporada. Só tenho a certeza que quero que seja massiva, ler meia dúzia de livros para uma temporada é coisa de meninas. Do vosso lado só vos peço para acompanharem, comentarem e darem sugestões. Vamos lá!

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Imaginauta: Comandante Serralves

O Imaginauta

O que é este Imaginauta, para além de um nome engraçado? Não sei bem. É um projecto a várias mãos, sem grandes limites em termos de formato e conteúdo, e que por enquanto está envolto numa nuvem de mistério que tresanda a óleo de naves espaciais.

A ideia, como diz no site, é ser uma marca. Um universo partilhado a quem praticamente toda a gente pode deitar a mão. Interessante? Hell yeah!!

O anunciado por enquanto é um livro, Comandante Serralves - Despojos de Guerra, com contos de seis autores que acho que já foram anunciados em algum evento, mas que não faço a mais pálida ideia de quem sejam. Bem, até tenho algumas ideias, mas prefiro manter o mistério.

Quem tiver curiosidade pode ler esta entrevista, feita noutro blog, mas por aqui também há novidades. Pois é, apresento-vos em primeira mão as sinopses para os contos presentes no livro, com alguma especulação e crítica cega à priori da minha parte. Fiquem atentos às novidades!

Métodos de Evasão - O Comandante foi capturado e levado para o coração do império, onde longe da sua tripulação e da sua nave, está à mercê dos seus inimigos. Porém, como em tudo em Serralves, nem tudo é o que parece, e ele tem uma surpresa guardada para quem o interroga.

Este tal Serralves, portanto, é uma figura misteriosa e shady. Isso é obviamente bom, mas espero bem que tenha uma personalidade bem vincada e bem construída, que já não há paciência para aqueles anti-heróis de meia tigela que abundam por todo o lado.

Sinais - 
Das minas marcianas às selvas do Vietname há segredos que podem derrubar a Aliança. Infelizmente, na ambição para descobri-los, Serralves por vezes esquece-se que também tem muito a esconder… 

Estão o notar o ênfase no carácter duplo de Serralves? Algo me diz que o sacana vai ser mais vilão do que bonzinho, mas não tenho nada contra isso! E existe uma inevitável Aliança, não é verdade?

Dogson - 
Na juventude, Dodgson disponibilizara o corpo para se tornar um Serralves em potencial. Os anos e a experiência, no entanto, alteraram-lhe a vontade e os ideais, fazendo-o temer pelo destino que lhe poderá levar a existência repentinamente e sem aviso...

Calma, ser um Serralves? Há mais? É um cargo? A última frase leva-me a acreditar que talvez seja uma espécie de consciência que se apodera dos corpos de outras pessoas conforme for, digamos, gastando outros. Interessante, muito interessante...

Despojos de Guerra - 
Na confusão de um contra-ataque a uma tripulação de piratas espaciais, os olhos de Serralves reconhecem uma arma alienígena.

De onde veio ela? Haverá mais? Quem mais tem conhecimento da sua existência?
Uma corrida contra o tempo num dos planetas mais inóspitos do Sistema Solar.

PIRATAS!

Das Eigentum - 
Um pahoehoente resiste na Terra. Para nós, estes aliens quase destruíram o nosso planeta, contudo o Comandante Serralves irá descobrir um outro lado do inimigo.

De onde é que vieram estes nomes, oh chefe? O título parece alemão, o nome da raça alienígena parece alienígena, portanto até aqui tudo bem. Mas agora o Comandante Serralves vai descobrir outro lado do inimigo? Ok, isto até podia soar àquele enredo cliché de "os maus afinal até nem são assim tão maus quanto isso, são só incompreendidos", mas devo dizer que o facto de só existir um alien torna as coisas mais interessantes. Já não são uma força invasora ou atacante, estão reduzidos a um indivíduo, talvez assustado, talvez arrogante, mas sozinho de qualquer forma. Este deixou-me bastante curioso.

A Guerra Esquecida - 
Após uma batalha espacial, Serralves acorda, com um novo corpo, num local gelado e desolado. Não se trata, porém, de um planeta distante, mas de um ponto remoto da Terra onde fará descobertas que mudarão para sempre os livros de história. 

Ora bem, o tipo acorda com um novo corpo. Talvez morrer não seja assim tão mau. Mas espero que isto não seja uma saída fácil de situações como as dos outros contos todos, porque não me cheira que o façam e isto assim corre o risco de se tornar um plot hole que mate isto logo à nascença. Bem, nada tão dramático, mas seria desagradável, vá.

Static Falls - 
Serralves e Emily partem numa missão diplomática à recém-descoberta colónia de "Static Falls" onde tudo parece ter parado em meados do século XX. No entanto, nas entranhas daquela estranha comunidade, escondem-se terríveis segredos que poderão significar o fim do Comandante.

Olha, uma personagem feminina. Mas porque raio é que alguém há-de enviar o tipo shady para uma missão diplomática? Bem, se me queriam deixar interessado... Sucesso!

Agora, sabem dizer pulp, sabem? Isto tem ar de pulp. E todo o ar de ter qualidade, o que é óptimo. Eu cá estou curioso e posso dizer que vou comprar o livro quase de certeza. E vocês?

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Simpsons #3


Autor: Matt Groening

Opinião: Numa mudança do formato normal, este número três da revista Simpsons tem apenas uma história de sessenta e duas páginas em vez das habituais quatro histórias mais pequenas. Tendo em conta que os dois primeiros números não passaram de medianos, esta mudança foi refrescante por tornar tudo mais interessante.

Por ter mais espaço para se estender a história pode introduzir mais personagens e mais parvoíce de uma forma geral. Isto por acaso não é necessariamente bom, que muitas das personagens não têm mais do que aparições fugazes, o que é um total desperdício, mas a nível de parvoíce... Bem, quanto mais, melhor, claramente!

Vamos lá falar da premissa. Além da parvoíce e do humor típico da família amarela, tudo começa quando Itchy e Scratchy saem da televisão e continuam à porrada como se não fosse nada com eles. Causam uma grande explosão na Central Nuclear que, obviamente, dá super poderes a toda a gente nas proximidades.

E também é óbvio que estava literalmente toda a gente nas proximidades, para assistirem a um espectáculo de Krusty. Bem, todos menos o Bart, que foi a única pessoa a não ganhar poderes e que tem de salvar o dia.

Isto soa a enredo palerma típico de uma história de super-heróis, só que levado ao mais ridículo possível. E é exactamente isso o que se passa. A princípio desconfiei, mas rendi-me. A história entretém, tem plot twists incluídos, muita parvoíce e uma boa dose de piadas e situações que já conseguiram mais do que me faz erguer o sobrolho.

Acho que este comic ainda tem muito mais para dar, o potencial é imenso e ainda não foi devidamente aproveitado aqui, mesmo que isso tenha acontecido de forma claramente superior aos dois primeiros números. É continuar a acompanhar, à pala de alguém, que não estou a apreciar o suficiente para ir comprando!

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Na Sombra das Palavras


Autores: Ângelo Teodoro, João Ventura, Mário Seabra, Fábio Ventura, David Camarinha

Opinião: Fiquei muito desagradado com esta primeira obra a sair do forno da Editorial Divergência. A edição está porreira, com um grafismo agradável e esses pormenores técnicos todos. As ilustrações antes de cada conto estão um mimo, e as biografias dos autores estão curtas e directas, como devem ser. Já a qualidade dos contos...

Tenho um problema de formato, logo à partida. Estes contos foram os escolhidos de entre as participações num concurso de contos de Thriller Fantástico. E se um eu apenas consigo considerar como levemente Fantástico, nenhum deles se enquadra no género de Thriller, na minha opinião.

Antes de continuar, e a favor da imparcialidade, quero referir que eu participei neste concurso com um conto, e obviamente não fui escolhido. Mas não escrevo esta opinião de forma rancorosa ou como vingança, porque eu não acho propriamente que o meu conto seja melhor que qualquer um destes. Acho que se pode classificar mais como Thriller do que qualquer um destes, mas isso não é relevante para o caso. Asseguro apenas que a minha opinião seria a mesma caso tivesse sido aceite ou caso não tivesse concorrido.

O primeiro conto, O Livreiro, de Fábio Ventura, talvez ainda seja aquele de que gostei mais. Mas a história, apesar de ligeiramente bueda meta não me deixou satisfeito. Confuso e demasiado curto, o conto peca por ser demasiado simplista. Isto porque a ideia é boa, uma misteriosa mulher feita de papel, o encontro dessa mulher com um livreiro e as consequências desse encontro, mas ficou a faltar qualquer coisa.

Depois vem A Lista de Deus, de João Ventura, um autor de que gosto mas que aqui não me agradou. É este conto que considera apenas como vagamente Fantástico. Apocalíptico, mas com uma escrita demasiado formal e aos solavancos, são os pormenores que estragam tudo. Como por exemplo haver um especialista em línguas que traduz uma placa de uma língua morte super antiga, gravada numa placa super antiga, on the fly. Eu não sou especialista nenhum, mas isso não é bem assim que funciona, parece-me.

O Panóptico, de David Camarinha, volta a pegar no estilo ligeiramente bueda meta, mas com uma abordagem mais pausada e metafórica. E que não encaixa minimamente no Thriller. O conto até nem corre mal, mas o final é mau e deixou-me com vontade de pegar no autor, voltar a sentá-lo à secretária e obrigá-lo a escrever um final decente para aquilo.

Em O Labirinto de Papel, de Ângelo Teodoro, o que encontrei foi uma premissa interessante, com uma escrita que não é nada má (embora um tanto ou quanto enamorada de si própria), mas um desenvolvimento mediano. A escrita ficou demasiado pesada para a história tão ligeira!

Por fim, Tabula Rasa, de Mário Seabra/Coelho (a antologia nunca se decide) é uma história confusa e que não me conseguiu cativar minimamente. A escrita deve ter sido a melhor dos cinco contos, mas o enredo é confuso e a melhor parte fica por contar.

Como podem ver, tenho uma apreciação negativa da antologia. Algumas das premissas eram boas, e a escrita no geral não é nada desagradável, mas a concretização em si... Podia ter ficado muito melhor! Acho que o mais marcante, para mim, é o tiro ao lado no género dos contos, mas pronto.

Pelo menos fiquei satisfeito com a edição e seriedade com que a equipa levou o projecto. Acho que é uma editora com muito potencial para crescer, e que irei acompanhar com atenção, inclusivamente participando regularmente nos concursos, a ver se me alguma vez me calha a mim. Por agora, no entanto, vou ter que torcer o nariz à qualidade do conteúdo.

sábado, 12 de julho de 2014

Eu e a poesia


Acho que chegou a altura de me crucificar. Quem seguir o blog regularmente já deve ter percebido - eu não me esforço para ser subtil - mas eu odeio poesia.

Talvez odiar seja uma palavra muito forte, mas pronto, eu não gosto mesmo nada de poesia. De uma forma geral, sim. Ou, para os mais esperançosos e preciosistas de vocês, ainda não encontrei um único poema até hoje que me tenha agradado.

As minhas razões são várias, mas essencialmente duas: uma que nada tem a ver com a poesia em si, e outra que corre o risco de ser uma generalização excessiva, mas pronto.

Comecemos pela única que é efectivamente válida, aconteça o que acontecer. Como fã de literatura de uma forma bastante abrangente, e do Fantástico em particular, tenho um ódio de estimação aos intelectuais que predominam na crítica e nos meios académicos.

São pessoas que nem sequer reconhecem o Fantástico como literatura decente, mas sim como literatura de segunda divisão, e que depois elevam a poesia aos píncaros da genialidade e da maravilha escrita.

Logo para começar, alguém que não considere a obra de Tolkien como uma das maiores obras-primas literárias de sempre simplesmente não bate bem da cabeça. Só pode ser alguém com um profundo preconceito e incapaz de reconhecer o brilhantismo fora das diminutas paredes daquilo que acha correcto.

Reparem como o cachimbo lhe fica bem... O Nobel póstumo para ele!
E não, não precisa de gostar dos livros de Tolkien. Eu também não gosto de praticamente nada do que li de Pessoa (as excepções são... prosa), mas admiro o génio e reconheço a importância da(s) figura(s) e do(s) poeta(s) que ele era.

E quem diz Tolkien, diz Stoker, LeGuin, Shelley, Alan Moore (que ainda por cima escreve BD, mas essa é outra conversa) e muitos, muitos outros.

Estes críticos/académicos/intelectuais conseguem apenas ser snobs e fecharem-se numa redoma de suposta "literariedade", ignorando grandes sectores da Literatura, que não é só Saramagos, Hemingways e Balzacs.

Ora, esta ostracização do Fantástico juntamente com o facto de situarem a poesia num pedestal, pura e simplesmente por ser poesia, chateia-me de morte. Faz com que eu seja anti-poesia logo à partida, por princípio. Se podem ser anti-Fantástico, eu posso ser anti-poesia, e vamos ver quem é que se diverte mais.

Percebem o que eu quero dizer, não percebem?

Passemos então ao argumento que muito provavelmente é uma generalização (mas eu não quero saber). Já li poesia, já li sobre poesia, já estudei poesia e nunca - nunca! - encontrei nada que me agradasse. Sim senhor, o Pessoa era um génio, mas acho a poesia dele intragável. O Camões escreveu um épico que é um dos meus livros favoritos de sempre, tudo bem, mas os sonetos dele? Fora! E a lista continua.

Isto porquê? A forma fácil de explicar é: eu não tenho paciência para lirismos entretidos com eles próprios. Eu concedo que existam poemas, inclusivamente alguns que eu li, que são peças literárias de excelência objectiva e absoluta. Mas não suporto que os poetas, ou as pessoas que se consideram poetas, possam cuspir qualquer coisa para uma folha em branco, chamar-lhe poema e ser considerado um autor do caraças.
Tudo o que está errado com a poesia.
Lamento muito, mas o pináculo da literatura não é o Álvaro de Campos a dizer que nem teve tempo de passar a manteiga nos dentes. Ou a descrever meninas de oito anos a masturbar homens no vão das escadas. Nem o Camões a escrever odes às suas conquistas exóticas, que mais não são do que um registo que podia ser reunido num livro chamado "É assim que se apanham doenças sexualmente transmissíveis".

Também já li Cesário Verde, Jorge Luís Borges, alguma coisa de Poe, Shakespeare, António Manuel Ribeiro (vocalista dos UHF) e mais uma mão cheia de autores cujos nomes não me lembro, e a minha opinião é sempre a mesma: a poesia rapidamente se torna no equivalente literário da arte moderna.

Vocês sabem do que falo, aquela "arte" em que se pendura um quadro preto com dois metros por dois metros e uma bolinha branca de cinco centímetros de diâmetro exactamente no meio, e se fecha a loja. Porque já fizeram arte. Um quadro preto com uma bolinha branca no meio.

Que avant-garde.

Como tal, acabo por sofrer de algum preconceito relativamente à poesia. E de generalizar a minha experiência pessoal com o que já li a toda a poesia. Ambas estas posições são erradas, mas inevitáveis. Literatura não é Ciência, as minhas opiniões e posições nem sempre são necessariamente racionais. Tal como qualquer leitor, temos uma visão mais emocional da Literatura. E acontecem destas coisas.

Dito isto, eu tenho perfeita noção de que não posso "desistir" já da poesia. Provavelmente vou continuar a apregoar que é tudo horrível e uma nódoa na Literatura mundial, mas irei continuar a ler, a fazer experiências. Tenho esperanças para Poe, que irei aprofundar, e para Shakespeare e alguns autores britânicos mais antigos.

Curiosamente, de autores portugueses não espero grande coisa. Eu conheço bem o estilo de escrita português, e embora sejamos considerados um país de poetas, acho que bem mais de metade cai naquela analogia com a arte moderna.

Logo se vê. Eu prometo ir dando notícias. Só nunca irei deixar de preferir uma bela meia dúzia de parágrafos em prosa a um qualquer poema.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Saga (Epic #2)


Autor: Conor Kostick


Opinião: Depois de ler o primeiro volume fiquei bastante curioso com a continuação. É que tudo parecia estar fechadinho e explicado, mas ainda com mais dois livros na colecção.

O começo deste livro responde logo a essa dúvida, mas fiquei com sentimentos contraditórios quanto à forma como o faz: se por um lado fiquei satisfeito com o artifício que o autor arranjou, por outro fiquei bastante desiludido por se ter desligado quase completamente do livro anterior.

Eu explico. Mas ficam avisados que há spoilers a partir daqui. Continuem por vossa conta e risco...

No final de Epic, o protagonista deu cabo do jogo. Concluiu uma missão que terminou o jogo e pronto. Ficou por explicar o que aconteceu àqueles que antes governavam, que não perdem propriamente o poder que tinham só porque o jogo desapareceu. Mas tirando isso, bem, a história ficou basicamente terminada. Todos ficaram a viver felizes e despreocupados, numa sociedade "arranjada".

Mas o autor surpreendeu-me e conseguiu desencantar algo de que eu já não me lembrava. Estas personagens que jogavam Epic não são os humanos originais, são colonos num planeta que não é a Terra. Ora bem, o que aconteceu às pessoas da Terra? Resposta fácil: foram chacinados pela rainha de Saga, outro jogo de computador, que se tornou demasiado inteligente e autónoma.

E essa rainha agora quer conquistar o resto dos humanos, para que estes possam alterar o código do jogo e moldar o mundo de Saga segundo a sua visão.

Interessante. Muito interessante. Começa por soar um pouco forçado, mas até faz sentido e tal. Deixa-se passar. O que não se deixa passar é o facto de Erik e companhia, protagonistas de Epic, terem um papel mais do que secundária, e aparições muito reduzidas. A sua relevância para o enredo também é perto de nula.

E, claro, a pior coisa de todas: nenhuma das pontas soltas no final do último livro foram aproveitadas. Não se menciona nada de especial relativamente à nova sociedade que teve que ser criada depois do fim do Epic, nada. Nem vou falar do facto de descobrirem que existe um jogo novo, já que ninguém devia sequer pegar no equipamento, uma vez que o jogo que tinham, Epic, ter deixado de existir.

Mas enfim, pormenores. Sobre este livro tenho a dizer que as personagens são mais interessantes, se bem que a protagonista não me agrada por aí além. É demasiado... Inconstante. Pouco consistente. Mas felizmente há algo para compensar: a principal antagonista, a Dark Queen, chefe suprema deste mundo virtual, manipuladora, fria e implacável. Alguns dos capítulos seguem o seu ponto de vista e são espectaculares.

Tirando isso, não há grande coisa a apontar e voltamos novamente ao mesmo problema: o que fazer agora que a história está fechada... outra vez? Concedo que seja possível, e com moderado sucesso, que o autor já o fez uma vez, mas não sei se da segunda vez não vai sair mais forçado, ou então repetitivo. De qualquer das formas, estou curioso. Só não aconselho propriamente esta trilogia... Talvez a pessoas mais novas, como porta de entrada para coisas muito, mas muito melhores.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Perdido na Dimensão Z (Capitão América #1)


Argumento: Rick Remender
Arte: John Romita Jr, Klaus Janson, Dean White, Lee Loughridge, Dan Brown
Tradução: José de Freitas

Opinião: Não sou o maior fã do Capitão América. Já o disse por aqui algures, aquele patriotismo exacerbado, aquele sentido extremo de honra e dever a roçar o ridículo, o protagonismo exagerado só porque os americanos gostam de ver as cores americanas a salvar o dia e a dar porrada a nazis... Enfim.

No entanto estava curioso quanto a esta BD, por várias razões. Para começar, ouvi dizer bem pelas internetes. Depois era uma história que arrancava o Capitão Choninhas completamente da sua zona de conforto e lhe dava um tratamento mais de distopia apocalíptica. Sim, tenho uma coisinha por distopias.

Terminada a leitura, fiquei satisfeito. Sem ser espectacular, e sem que a história tenha de facto muito sumo, é uma BD interessante. A arte é porreira e adequada ao ambiente hostil, e o enredo é cativante e fora do comum para o Capitão Maricas: quando um antigo inimigo o rapta para uma dimensão paralela à nossa, a única hipótese que o herói tem é viver nela durante dez anos antes sequer de ter outro encontro com o dito vilão.

Encontra coisas que o querem matar e coisas que tem de matar, descobre civilizações inteiras e percorre um continente de uma ponta à outra, e tudo isto sempre a proteger um rapazito, roubado ao dito vilão (que já agora se chama Arnim Zola e é uma espécie de bio-terrorista em forma de consciência presa num andróide zarolho), que começa a tratar como um filho.

Essa deve ser a parte mais fascinante. O Capitão Irritante completamente reduzido a um refugiado, um fugitivo, um homem perdido numa terra desconhecida e hostil, com a responsabilidade de tomar conta de uma criança e de a educar. É um papel diferente para esta famosa personagem, e uma que lhe cai bem. Nesta BD, o Capitão América é um derrotado, e isso é fascinante de ver.

O final, como não podia deixar de ser, acaba mesmo a meio, quando tudo começa a ficar interessante. A Panini já prometeu a continuação, mas só daqui a uns meses. Não fiquei completamente deliciado com este número, mas continuo a dizer que estou bastante satisfeito com esta colecção de TPB's, ainda mais do que com a revista dos X-Men, ou a dos Vingadores. Palmas para quem teve a ideia!

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Darkly Dreaming Dexter (Dexter #1)


Autor: Jeff Lindsay


Opinião: Fã da série do princípio ao fim, não consegui resistir ao livro em que tudo se baseia. Ainda por cima estava a um preço absolutamente estapafúrdio: um euro.

Para quem não conhece, Dexter é uma série sobre um homem aparentemente normal - eu diria até que ele transpira normalidade - com uma família, uma vida profissional e social completamente insuspeita, mas que tem um segredo... É um assassino em série, um dos maiores de sempre, extremamente inteligente, com fortes princípios morais e completamente desligado de emoções.

Dexter Morgan é um auto proclamado sociopata, mas é muito mais do que isso. É uma personagem complexa e fascinante, que tem de balançar a necessidade que sente de matar com o código imposto pelo seu pai adoptivo, que cedo percebeu o que ele era exactamente e decidiu que mais valia canalizar Dexter para fazer alguma espécie de Bem.

Sim, Dexter só mata os maus da fita. E se pensam que estou a falar apenas do que aparece na série, desenganem-se. Depois desta leitura apercebo-me que a série é uma adaptação muito boa, especialmente no que toca à personagem de Dexter, que parece decalcado destas páginas.

A história é porreira, ainda que recheada de coincidências inexplicáveis a mais para o meu gosto, e o resto das personagens também se safa, mas onde Jeff Lindsay realmente brilha é na construção de Dexter, que é o narrador. A voz criada pelo autor para esta personagem peculiar é fria, distante, sardónica, implacável e hilariante a todos os níveis.

Se querem uma prova disto tudo, imaginem o que é conseguirem criar empatia com alguém que vos conta na primeira pessoa como mata este e aquele, com todos os terríveis pormenores; alguém que a meio duma conversa com outra pessoa pensa "se calhar devia matar esta pessoa"; alguém que demonstra não querer saber de ninguém e não sentir praticamente nada. Ou seja, alguém que, objectivamente falando, é uma pessoa horrível. E que ainda assim inspira empatia. Lindsay conseguiu criar uma personagem assim tão boa!

O livro é de leitura rápida, graças aos capítulos curtos, prosa directa e extrema capacidade de cativar o leitor. A história é de facto interessante e queremos virar a página mais que não seja para descobrir qual vai ser a reacção de Dexter, ou que pensamento engraçado vai ele ter face a uma qualquer coisa que achamos mundano mas que para ele é completamente inexplicável.

Isto tudo para dizer que gostei bastante do livro. Não o classifico como um dos melhores livros que já li porque ele é tecnicamente pobre e a história não tem muito sumo. Mas foi um dos livros que mais gozo me deu ler, não só por ser o livro que é, mas por já conhecer (e admirar) a série e ter uma imagem bastante vívida destas personagens. Será que consigo encontrar o resto da colecção? Não sei, mas gostava!