sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Doctor Who [T7]


Doctor Who é a minha fraqueza. Aconteça o que acontecer, pára tudo para se ver um episódio acabadinho de sair. Dorme-se menos. Não faz mal. O vício é tanto que vale a pena tudo isso. Para saberem mais sobre o que sinto em relação a esta série, leiam isto e investiguem por aqui.

Volto a falar disto - quem me acompanha com regularidade já deve estar farto - para explicar o porquê de estar a ver uma temporada de 1970, com má qualidade de imagem e sem verdadeira relevância para acompanhar a série nos dias de hoje.

É que depois de papar todos os episódios do novo fôlego da série, começado em 2005, decidi que ia ver as temporadas antigas, de 1963 a 1989, mais o filme de 1996. Sim, fiquei mesmo apanhadinho pela série e pela personagem, especialmente tendo em conta que as primeiras seis temporadas estão repletas de episódios perdidos, num total de 97, que tive de ver na sua forma reconstruída. O que é uma seca do caraças.


As reconstruções são normalmente imagens, fotos que sobreviveram de uma forma ou de outra, com o som a acompanhar. Terrivelmente aborrecido, por mais que se goste daquilo. Mas lá ultrapassei e cheguei à sétima temporada, a partir da qual já não há mais reconstruções! E os episódios passam a ser a cores! Bem, alguns estão a preto a branco, mas foram problemas técnicos com as cópias sobreviventes, não há muito a fazer. Vê-se bem na mesma!

Agora antes de começar a falar da temporada propriamente dita, quero fazer rapidamente um apanhado do que se passou até agora. O Doctor é uma personagem fantástica, um Timelord vindo de Gallifrey, um planeta distante. É super inteligente, tem dois corações, uma máquina do tempo chamada Tardis, e a capacidade de regenerar todas as suas células, em vez de morrer. Entre outras coisas, como um apurado sentido de justiça e moralidade, uma curiosidade demasiado aguçada, e uma incapacidade em simplesmente deixar as coisas acontecer.

Sim, máquina do tempo. Sim, dois corações. E sim, capacidade de regenerar. É uma das suas marcas distintivas - assim como a máquina do tempo bigger on the inside e com formato de police box, bem azulinha - e uma das suas características mais importantes. Imaginem que em vez de morrerem, continuavam a mesma pessoa, mas mudavam completamente todas as vossas células, tornando-vos efectivamente numa pessoa diferente?

A primeira regeneração
É um conceito no mínimo delicado. É ou não uma pessoa diferente? Se virem várias encarnações do Doctor em acção, tanto podem responder que sim como que não. Eles claramente agem de formas diferentes, falam de formas diferentes, têm diferentes formas de encarar as coisas... Mas também têm muita coisa em comum, repetem ideias, frases, parecem pensar da mesma forma e deixam-se guiar pelos mesmos princípios, ainda que cada versão tenha a sua interpretação própria. Não é fácil.

O primeiro foi William Hartnell, um actor extraordinário que fez um papel para lá de extraordinário: não só lançou com sucesso o programa, como deixou fundações robustas que ainda não cederam após mais de cinquenta anos, e apesar de interregnos e cancelamentos. É sem dúvida um dos meus favoritos, e só tenho pena que tenha tido um final tão triste.

O seu sucessor foi Patrick Troughton, mais novo, mais energético, menos rezingão, enfim, uma autêntica injecção de adrenalina num programa que por vezes se encostava demasiado à diplomacia do First Doctor. Nunca descurou os momentos de acção, afinal é para isso que servem os companions que viajam com o Doctor, mas tive essa sensação, que desapareceu por completo nas temporadas de Troughton.

Este Doctor já não me convenceu tanto, mas ainda foi um bom papel, e confesso que o facto de praticamente todos os seus episódios serem reconstruções contribuiu um pouco para isso. Mas teve uma boa era, com mais acção e mais desenvolvimento da personagem e da mitologia, agora que as grilhetas de "se ficarmos sem este actor, a série acaba" já tinham desaparecido. Isto permitiu bastante liberdade a Troughton e proporcionou alguns dos melhores momentos que já vi na série. E o final foi bom, muito intenso e emotivo, e só por essa qualidade, perdoei-lhe alguns defeitos!

É assim que chegamos a Jon Pertwee, o chamado Third Doctor, com um carisma muito próprio. Ainda me faltam quatro temporadas dele, com menos episódios que as dos Doctors anteriores, portanto não posso dar uma opinião definitiva, mas pelo que vi, gosto bastante! Pertwee é muito mais assertivo e menos aleatório. É igualmente louco, como é óbvio, mas tem classe.


As suas histórias demonstram isso mesmo. Não só são apresentadas de perspectivas muito diferentes daquilo que era normal, como tinham a agravante da Tardis não funcionar, devido a interferências dos Timelords quando o obrigaram a regenerar da sua sua segunda para a sua terceira encarnação. Isto muito a dinâmica, pois não temos um planeta diferente em cada história, mas não muda assim tanto, já que era frequente a Tardis avariar no início da história e só voltar a funcionar no final. Ou ser capturada. Enfim, o Doctor passava a maior parte do tempo sem a Tardis de qualquer forma.

Mas bem, a primeira história é The Spearhead from Space, que me agradou bastante como primeira história do Third Doctor. Jon Pertwee cai no papel que é uma maravilha, e o primeiro episódio (na série antiga, cada história tinha vários episódios) está muito bem escrito. A nova companion, Liz Shaw, é fantástica: esperta, cientista, respondona, gozona... Um pequeno triunfo do feminismo, se querem que vos diga. E a sua química com o Doctor é completamente instantânea!

É então que aparecem os vilões, os Autons, formas de vida artificiais feitas de plástico e comandadas pela Nestene Consciousness, uma entidade alienígena. São honestamente perturbadores!


O meu único problema com esta história, que é uma fantástica introdução para um novo Doctor, é que na parte final, principalmente no quarto episódio, Liz passa de céptica total em extraterrestres e basicamente tudo o que o Doctor diz, a crente fervorosa. Percebe-se que isto tinha de acontecer, mas era algo que exigia alguma espécie de transição, o que não acontece e todo...

Na segunda história, Doctor Who and the Silurians, aparece pela primeira vez o famoso carro amarelo do Doctor, de nome Bessie, e dinossauros! O primeiro episódio é relativamente normal, para os padrões da série, e nem sequer introduz muito enredo. Mas no segundo episódio aparecem os Silurians, ainda que apenas os vislumbremos, e temos direito a momentos fantásticos de ver o que se passa pela perspectiva na primeira pessoa de um Silurian. Está muito bem feito e consegue até ser assustador!

Esta qualidade era frequente desde o primeiro, em 1963, e surpreendente por terem tanto tempo. Afinal, estamos a falar de uma série de ficção científica com uma premissa difícil de vender do zero hoje em dia, feita há mais de cinquenta anos! Sim, os efeitos têm claros problemas, mas está tudo muito bem feitinho, para a altura e para o baixo orçamento que tinham!


O Third Doctor rodeado por dois Silurians
O resto da história desenrola-se de forma relativamente previsível, com alguns momentos muito bem feitos e bastante Doctor-ish, e outros menos bem conseguidos, mas termina muito bem, com uma decisão difícil do Brigadier (uma das estrelas da da Era Pertwee, sem sombra de dúvida) que vai contra tudo aquilo em que o Doctor acredita.

Os efeitos dessa decisão sentem-se na história seguinte, The Ambassadors of Death, durante a qual o Doctor  é bastante rude para o Brigadier. Está verdadeiramente ressentido, e isto é um excelente exemplo de algo que acontecia pouco nas temporadas anteriores: uma verdadeira continuidade entre histórias.

Mas o Brigadier continua badass, a história tem mistério, suspense, um Doctor rude mas carismático e, no mímino, interessante. Por algum motivo, andam-se a enviar pessoas para Marte, em 1970, mas nem tudo corre bem, como seria de esperar, e o resultado é um excelente cliffhanger logo no primeiro episódio!


Brigadier Lethbridge-Stewart a ser badass
Ao longo dos episódios a história só consegue adensar-se, tudo piora, o Doctor fica em perigo de vida duas ou três vezes por episódio, e os vilões, que não são bem vilões, são aterrorizantes! O verdadeiro vilão, esse, é o mais eficiente de sempre. Faz tudo sozinho e tem sempre sucesso!

No último episódio há ainda um plot twist inesperado e muito interessante, mas tudo se resolve com diplomacia e o mínimo de prejuízo. Sem dúvida uma das minhas histórias favoritas, tudo bem feito, bem escrito e bem interpretado.

Falta então a última história, Inferno, que é extraordinária, mas tem vários pontos fracos que a prejudicam bastante. Para começar, o cenário de laboratório já é demasiado repetitivo, ainda que esta seja a única vez em que faz sentido (o Doctor quer usar a energia deste laboratório para pôr a Tardis a funcionar). Depois há mortes um bocado aleatórias e, espantem-se, lobisomens. Mais ou menos lobisomens, que nunca são inteiramente explicados. Ah!



Mas mais umas vez as personagens são boas, os actores estiveram bem e o argumento é muito bom. A curta viagem do Doctor por um universo paralelo, em que o Brigadier se torna em Brigade-Leader e faz parte do plantel dos vilões... Deve ser o episódio mais negro que já vi em Doctor Who, pelo menos na série antiga.

A ameaça é que é um bocado, digamos, difusa. Não mete realmente grande medo, porque não se percebe muito bem o que é, o que prejudica, obviamente, toda a história. Apesar disso, foi uma história fantástica, que usou muito bem os seus sete episódios, culminando num final muito interessante, muito tenso e muito dramático, para depois incluir um toquezinho de comédia

"A couple of seconds in the future, and a couple of yards away."
"The trash?"
"The trash."

É um final muito típico de Doctor Who, inserido numa série de episódios relativamente atípicos. Inferno fica assim a lutar com The Ambassadors of Death para decidir de quem gosto mais, sem sombra de dúvida.


Brigade-Leader, a versão malvada do Brigadier, em Inferno
Com tudo dito sobre cada episódio, só posso acrescentar que esta série tem um poder inexplicável. Parece que foi feita de propósito para mim, daí a minha adoração - e o texto longo. Esta temporada foi das que mais gostei de ver, e embora seja praticamente impossível destronar William Hartnell, acho que já gosto mais deste Doctor do que do Second de Troughton. É claro que ainda falta muito, e gostei do Troughton, especialmente em retrospectiva, mas este é um herói como gosto de ver, com classe, sem medo de pôr as mãos na massa, muito inteligente mas também muito perigoso em termos físicos (sabe karaté venusiano!!), envolve-se em mil e uma coisas movido apenas pela sua curiosidade, teimosia e vontade de ajudar.

Sem nunca amarrotar a roupa. E além de tudo isso, é claramente o Doctor, com traços que já vi em qualquer um dos outros que conheço bem: First (William Hartnell), Second (Patrick Troughton), War (John Hurt), Ninth (Christopher Eccleston), Tenth (David Tennant), Eleventh (Matt Smith) e Twelfth (Peter Capaldi). Por essas e por outras, esta sétima temporada foi durante umas semanas a minha forma de descansar, uma oportunidade de parar e ficar vidrado a seguir as desventuras do Doctor e companhia. Está bem feita, tem bons argumentos, os actores são cada vez melhores (o método de actuar no início da série era bastante diferente), bons efeitos tendo em conta o orçamento, e não tem medo de enfrentar os assuntos, nem a violência, nem nada. Sem dúvida nenhuma, algo que aconselho a qualquer pessoa, na condição de deixar de lado as picuinhices, que pode discutir depois, e simplesmente apreciar e deixar-se envolver.

Garanto que vale a pena!

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