quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Naruto [T1]



Falar da primeira temporada desta série é um exercício um bocado abstracto. Apesar de oficialmente ela estar dividida em cinco temporadas, é mais um contínuo de duzentos e qualquer coisa episódios, que servem de prelúdio a Naruto: Shippuden, que já conta com uns quatrocentos episódios sem perspectivas de acabar.

Isto significa que a "primeira temporada" acaba sem acabar. Chegamos ao suposto último episódio e encontramos um dos acontecimentos mais importantes da série a meio. Não faz qualquer sentido. Mas toda a série é altamente palerma, portanto não me vou chatear demasiado com isso.

A verdade é que esta série é praticamente um guilty pleasure meu. A enorme quantidade de fillers, o ritmo tipicamente anime, com confrontos que duram vários episódios (quem é que não se lembra de ver miúdos a correr campo fora durante vários episódios em Oliver e Benji?) e muitos minutos gastos a repetir o que se passou no episódio anterior, efectivamente reduzindo um episódio de vinte e cinco minutos a cerca de dez minutos de coisas novas, são fatais.

E ainda assim a série é divertidíssima. Uma pessoa esforça-se por se abstrair destas falhas, e o que encontra é um mundo vasto e complexo, em que as personagens são verdadeiramente individuais e bem construídas, e os acontecimentos são interessantes.

Entre intrigas e poderes secretos, guerras nas sombras e mortes ao virar da esquina, sempre pontuados pela vida pessoal de várias personagens, a série é puro entretenimento. As lutas são fascinantes de ver, mais que não seja para descobrir as várias técnicas ninja que cada pessoa usa, que são invariavelmente originais.

Não fossem os fillers e a quantidade de tempo perdida em coisas que não interessa, esta podia ser uma excelente série. Assim é apenas gira de ver, vá. Dá para um tipo se distrair. Só é pena que depois de vinte episódios ainda se esteja a contar a história do terceiro ou quarto livro (só para terem noção do ritmo).

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Wolverine: Origem #1


Argumento: Paul Jenkins
Arte: Andy Kubert, Richard Isanove
Tradução: Paulo Moreira


Opinião: Wolverine é um dos meus super heróis favoritos. Se não mesmo o favorito. O seu tipo de humor, bem como o seu típico mau-humor, são características mais do que suficientes, mas o passado misterioso, a personalidade complexa, e o estatuto de badass ainda melhoram a situação.

Por isso este livro é ao mesmo tempo algo que sempre quis ler, e algo que nunca quis ler. Se por um lado sou fascinado por histórias de origem, revelar a origem do Wolverine sempre foi, para mim, como revelar a origem do Joker: algo que estraga a personagem, uma vez que parte do interesse vem exactamente da ignorância em que somos mantidos quanto aos detalhes.

Será que é mesmo preciso haver razão para a loucura do Joker? Um motivo, que o tenha tornado louco? Porque é que não o consideramos simplesmente um psicopata fã de caos, intrinsecamente maléfico? Não será isso mais interessante do que vermos que ele era uma pessoa normal a quem foram dados motivos para se tornar naquilo que é?

E o mesmo se passa com Wolverine. Grande parte das suas histórias dependem exactamente de não só o leitor, como o próprio Wolverine desconhecer o seu passado. Dá-lhe uma certa liberdade, torna-o mais intenso enquanto personagem, e adiciona-lhe camadas mentais de complexidade que seriam impossíveis de outra forma.

Mas a curiosidade sempre foi o meu ponto fraco, portanto peguei no livro e não desgostei tanto quanto estava à espera, mas não fiquei muito agradado. Embora interessante, há pormenores da história que são tão óbvios que metem dó. E a origem de Wolverine é menos do que... digna. A evolução da narrativa não é má, e compensa em parte o que acontece (ao mesmo tempo que explica, desnecessariamente, a sua futura fixação com ruivas), mas esta não é uma história que me vá ficar na memória.

É que esta é uma história do Wolverine em que falta aquilo que é essencial às suas histórias: o Wolverine tal como o conhecemos hoje.

sábado, 26 de setembro de 2015

Sobre o empreendedorismo

Esta semana tive uma aula sobre empreendedorismo. Foi o primeiro seminário de uma cadeira deste semestre, e foi ridícula. A própria noção actual de empreendedorismo faz-me comichões, mas esta aula/palestra conseguiu tocar em quase todos os pontos que me fazem abominar esta tendência.

Mas o que é, afinal, isto do empreendedorismo? A definição dada na aula foi algo como "ir atrás de uma oportunidade sem preocupação com os recursos que se controlam na altura". Que é como quem diz "gastar mil euros quando só se tem um". A ideia até podia nem ser das piores, tendo em conta que estamos basicamente a falar de correr riscos e podemos ir daí para um controlo preciso do dinheiro que sai e dinheiro que entra. Controlar esse fluxo ao máximo, não no sentido de maximizar ganhos e minimizar gastos, mas sim no controlo de quando é que essas coisas acontecem, pode ser a solução.

Claro que eu não percebo nada de finanças, economia e mercados de uma forma geral, portanto as coisas que eu digo sobre estes assuntos são baseadas em lógica, o que faz delas não aplicáveis à vida real.

No entanto percebo relativamente bem este fenómeno do empreendedorismo. Estamos a viver numa fase de massificação tão avassaladora, que começámos a retroceder. Há cada vez mais o ressurgimento de coisas antigas, e o aparecimento de coisas personalizáveis, ou únicas. Basta olhar para os livros. A oferta é tanta que já nem sabemos bem para onde nos virar. Começam a formar-se monopólios. Para um livro ser publicado, ou tem vendas garantidas e portanto grandes tiragens e preço decente, ou então tem um preço absurdo, que talvez seja balançado com um "edição limitada".

É aqui que entra o empreendedorismo, como pai da Chiado "Editora" e outras que tais. Agora, por módicas quantias, qualquer pessoa pode ser um autor publicado. Esses autores, bons ou maus, são todos uns palermas por se meterem nisso, mas a Chiado? A Chiado é empreendedora. Aliás, eu acho que se fossemos analisar esta "editora" de um ponto de vista de negócio, tínhamos aqui um caso de sucesso como há poucos!

O modelo de negócio, em termos simples, é que eles publicam, sim senhor, se o autor pagar x, e/ou se comprar x exemplares. Cria-se assim, ao mesmo tempo, uma oferta completamente diferente de tudo o resto, e vendas garantidas. Imagino que só uns cinco ou dez por cento é que vendam muito mais do que esses exemplares comprados pelo autor, mas por cada mil paspalhos há um Pedro Chagas Freitas, outro empreendedor profissional, que vende que nem pãezinhos quentes, por razões que me escapam.

Este modelo de negócio significa que (e volto a frisar que não percebo nada disto), muito provavelmente, a Chiado manda fazer um certo número de exemplares, vende um certo número de exemplares ao autor suficientes para cobrir os custos e ainda fazer lucro, e todos os outros livros que vender, por poucos que sejam, são lucro puro e duro.

Aqui é fácil que as opiniões comecem a divergir. Há quem chame a isto empreendedorismo, eu chamo-lhe fraude.

A Chiado é o exemplo que conheço melhor e que acho que percebo minimamente, mas há muitos mais casos de "sucesso" que não passam disto, fraude, ou então de falsa inovação e originalidade vazia.

Só que é isso que é o empreendedorismo hoje em dia. Não interessa a formação que temos, não interessa aquilo que gostas de fazer, se surge uma oportunidade, inventa, e segue. O limite é quando surgem os dois tipos de pessoas deste tipo de coisas que mais me fascinam: os empreendedores profissionais e os porta-vozes do empreendedorismo.

Falar dos primeiros é falar do Pedro Chagas Freitas, um tipo praticamente incapaz de escrever duas frases coerentes com qualidade literária, que se farta de ganhar dinheiro à custa da escrita, mas também de pessoas cuja vida é gerir dinheiro e ideias de outras pessoas para criar empresas, sem saber nada de como funciona o produto/serviço que a empresa oferece, simplesmente com o objectivo de as fazer ganhar muito dinheiro que lhe possa ir parar aos bolsos.

Falar dos segundos é falar de todos os idiotas que andam por aí a dar palestras sobre empreendedorismo. Aquela malta motivacional, normalmente todos muito modernos e despachados, com respostas rápidas, humor e um discurso tão vazio de conteúdo que até flutua no ar.

Eu estou farto de uns e de outras, e esta aula que tive esta semana apenas conseguiu relembrar-me desse facto. A quantidade de clichés, frases feitas e informação infundada é tanta que tenho a certeza que já deve dar para abrir uma empresa à volta disso e começar a fazer dinheiro.

Tenho uma ideia melhor: que tal deixarem-se de merdas e fazerem algo realmente produtivo para a sociedade?

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Ricki and the Flash (2015)



Tenho de confessar que ia com as expectativas muito em baixo, e até acabei por gostar. Não é, definitivamente, nada de especial, nem obra-prima nem filme de culto nem clássico instantâneo. É um filme relativamente bem executado, com um bom elenco e alguns pormenores que se destacam pela positiva no meio daquilo que podia ter sido uma imensa chuva de lugares-comuns.

Meryl Streep faz de Ricki, uma mulher de meia-idade que nunca largou a carreira de rocker e continua a tocar num bar, acompanhada dos Flash a banda liderada pelo guitarrista que é também o namorado dela. Por muito que ela diga que não.

Telenovelidades à parte, o interesse começa quando Ricki é chamada pelo ex-marido para lidar com a filha de ambos, recém-divorciada depois de um curto casamento. A filha, interpretada por Mamie Gummer, que é filha de Streep, está completamente de rastos, sem sair de casa e sem tomar banho, incapaz de funcionar como deve ser. O que o pai espera é que Ricki seja capaz de fazer alguma coisa.

Surpresa das surpresas, consegue. Mas não é fácil, nem o faz de maneiras normais. O filme ganha interesse nessa parte: a relação pouco convencional que Ricki tem com a filha (e os outros filhos, o ex-marido, a nova mulher deste, o novo namorado e, enfim, toda a gente) é ao mesmo aquilo que as afasta e o que as une.

O aparente desprendimento de Ricki é o que causa muitos problemas, mas no fim também é o que "salva" muita gente. Só quando se deixa de coisas e decide não tentar esconder o seu verdadeiro eu é que Ricki é útil e produtiva.

As falhas do filme são disfarçadas pela total entrega de Streep ao papel, assim como à boa execução que os outros actores fazem das suas personagens, de uma maneira geral. A personagem de Audra McDonald em especial, a nova mulher do ex-marido de Ricki, é relativamente discreta enquanto personagem, mas estabelece uma forte relação com Ricki que consegue, acima de todas as outras relações do filme, parecer real.

No fim, longe de ser um filme muito bom, Ricki and the Flash é um filme agradável. Bom entretenimento. Mas não teve a capacidade de me agarrar ao ecrã, desesperado para saber a história. É mais um filme para se ver a um Domingo à tarde, por muita qualidade que tenha e por mais divertido que seja.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Casanova (Mini-série)



Toda a gente conhece a personagem de Casanova. Muita gente até conhece a pessoa, que existiu mesmo. Mas pouca gente conhece realmente a sua história, ou tem verdadeira noção da sua personalidade.

Russel T. Davies decidiu colmatar essa falha ao juntar dois actores carismáticos para interpretar uma versão jovem e uma versão idosa de Casanova: David Tennant e Peter O'Toole. O segundo, um veterano por todas as medidas possíveis e imaginárias, é um Casanova em fim de vida, a viver praticamente escondido do mundo, num castelo do qual é o bibliotecário.

Dedica os seus dias a escrever as suas memórias e a ser constantemente desprezado pelo resto dos trabalhadores. Mas um dia uma empregada acabada de chegar fascina-se por este carismático homem e pede para que ele lhe conte a sua história, o que Casanova faz, ainda que com alguma hesitação.

E começa bem do princípio, desde os seus dias como filho de uma actriz que o abandona sem mais nem menos, passando pela sua infância perturbada e a descoberta da sexualidade que o faz florescer num pequeno prodígio em várias áreas, e durante a maior parte da sua vida adulta, com todos os seus altos e baixos.

É claro que há muitas cenas na cama de alguém, e muita gente nua, mas a série chama-se Casanova, do que é que estavam à espera? O interessante é que essas cenas não são propriamente gratuitas, nem inúteis. Digamos que fazem sentido, ao longo da narrativa. O charme e a incapacidade de manter as calças apertadas são uma parte fulcral da personalidade de Casanova, e essas cenas tornam-se essenciais para contextualizar a personagem.

São esses momentos que demonstram o quão liberal ele é, assim como o quão apaixonado consegue ser. Também é nesses momentos que se percebe como ele quase não olha a meios para conseguir o que quer, mas que ao mesmo tempo a sua verdadeira ambição é divertir-se.

Além disso, o resto da história não perde interesse por causa de tantas cenas de sexo (que, convenhamos, nem são assim tantas quanto isso, tendo em conta os padrões televisivos de hoje em dia!). Ver esta personagem a ganhar e a perder riqueza a um ritmo alucinante através dos mais (a)variados esquemas é cativante. Vê-lo a descobrir que tem um filho que mais tarde se revela um completo psicopata, é fascinante. E vê-lo a lidar com as consequências de ir para a cama com tantas mulheres é igualmente fascinante. Pode fugir, pode-se esconder, ou pode ir abertamente ter com elas, mas há sempre uma reacção.

No meio disto tudo ele apaixona-se realmente. Mais do que uma vez. A sério, a sério, duas vezes, e uma delas é mais um estranho fascínio que nem ele consegue compreender. E essas histórias são bem contadas. Essas personagens têm uma boa evolução. E tudo termina num final extraordinário, como já poucos se fazem!

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Cosmicomix


Argumento: Amedeo Balbi
Arte: Rossano Piccioni
Tradução: Florbela Marques


Opinião: A mistura perfeita entre divulgação científica e narrativa. Cosmicomix é um fascinante livro semi-biográfico com algumas liberdades narrativas. Consegue a proeza de contar várias histórias interessantes, todas integradas no tema principal da evolução das teorias sobre a origem do Universo, de forma cientificamente correcta e, ao mesmo tempo, perceptível por toda a gente.

Não é fácil para alguém que trabalhe em Ciência, seja ela qual for, conseguir motivar pessoas de fora com o seu trabalho. Ou se está a fazer algo tão absurdamente espectacular que nem é precisar explicar muito (lasers! foguetões! clonagem!), por mais aborrecida que a verdadeira explicação possa ser (inventámos um laser de cor diferente. calculámos a trajectória com uma precisão de mais 10 casas decimais. conseguimos ter duas bactérias microscópicas exactamente iguais num frasquinho.), ou então estamos tramados.

Ainda no outro dia um primo meu me pediu para explicar o que era isso da Engenharia Biomédica. A minha reacção? "Deixa-me sentar, que isto ainda demora." É complicado.

Mas este livro ganha-me aos pontos a dar esse tipo de explicações. Encontram-se figuras como Einstein, Bob Wilson, Harlow Sharpley entre muitos outros que contribuíram para o campo da astronomia. E mais importante que isso, vê-se o processo de fazer Ciência: moroso, complexo, competitivo mas com (algum) espírito de entreajuda, recheado de erros, obstáculos e coisas incompreensíveis. É assim mesmo. A maior parte dos campos da Ciência não são mais do que longas linhagens de gente teimosa a bater com a cabeça nas paredes, a experimentar uma e outra vez até chegarem a um resultado, seja ele qual for.

Às vezes é o esperado, e ganham-se Nóbeis. Outras vezes é o oposto... e ganham-se Nóbeis na mesma. O objectivo é chegar a uma resposta! E o livro no final sintetiza essa ideia, assim como a eterna busca por provas, na melhor descrição possível da motivação que existe para se fazer Ciência:

"Quem sabe?... Em Ciência o que conta são as provas. E não temos provas suficientes. Por enquanto."

Fantástico. E liberdades narrativas à parte, que ainda por cima são devidamente explicadas no final, o livro dá um bom retrato de todas as personagens e das relações que se estabelecerem entre elas, assim como das contribuições que foram tendo para esta história da origem do Universo.

Acima de tudo um livro fascinante, que aconselho vivamente a toda a gente, e em especial a leigos no assunto. Se alguém quiser compreender o fascínio e o funcionamento da Ciência, que leia este livro!

sábado, 19 de setembro de 2015

As leituras também envelhecem

Para começar, eu fiz anos ontem. Vinte e dois, para ser mais preciso. Não é muito, ainda sou um jovem, pouco mais do que um puto, mas já é qualquer coisa. O suficiente para já me lembrar dos meus eus mais novos e pensar "que desgraça".

Estava a pensar nisso mesmo e enveredei rapidamente pelos livros, que ainda são das poucas coisas que me distraem completamente do mundo e do que se passa à minha volta. Pequenos oásis que são, é sabido que um livro lê-se de maneira diferente conforme a idade (física e mental) que se tem.

É esse um dos motivos do sucesso de O Principezinho, o facto de ser um livro completamente diferente para uma criança e para um adulto. Isso e o facto de usar palavras simples e puxar à lagriminha fácil, mas é melhorar não deixar o meu ódio tomar conta da conversa.

A verdade, no entanto, é que isso se passa com todos os livros, mas com mais camadas, e invariavelmente muito mais subtis.

Faz sentido, não é? E acho que já toda a gente sentiu isso, às vezes até com dois momentos de leitura no mesmo dia: há claramente diferenças.

Mas deixando esse caso extremo de parte, uma diferença de alguns meses, para um livro, pode ser significativa. Os livros não mudam, ficam sentadinhos na estante, à espera, portanto são os leitores que precisam de se orientar.

O resultado é que connosco, envelhecem as leituras. Não só!, mas também. Os livros também envelhecem por si só. A  ficção científica tem um prazo a partir do qual passa a ser inútil, pois o tempo que descreve como futuro, já é presente ou passado, e perde o interesse. A boa ficção científica tem um prazo também, mas que pode ser largamente ignorado em virtude da mensagem que passa.

Um livro sobre a história criminal dos últimos dez anos pode-se tornar praticamente num romance histórico daqui a mais uns cinquenta ou sessenta. E a própria mensagem que um livro passa pode ficar desactualizada: um livro actualmente a alertar as pessoas para o facto da Terra ser redonda, pronto, enfim. Mas até nesses casos pode dar asneira.

No entanto, a maior parte da culpa é mesmo nossa, de quem lê. Eu sei que não tenho muita margem de manobra para comentar isto, que vinte e dois anos é pouca coisa, sim, já discutimos isso. Mas tenho perfeita noção. Mais que não seja porque tendo em conta a minha média de cento e poucos livros por ano, já li cerca de 700 livros desde que entrei para o Secundário e fiz quinze anos. É muita coisa!

Não é difícil de imaginar que livros que li nessa altura, ou até antes, e nos quais pego agora, me vão soar diferentes, pelo menos em algumas coisas. Uma grande obra-prima pode-se revelar algo mal escrito com o qual me deslumbrei. Um livro de que não gostei muito pode-se revelar uma obra-prima para mim. E nem sou apologista de que há idades certas para ler determinadas coisas. Apenas concordo que há livros que realmente permitem leituras muito diferentes consoante a idade do leitor. E todos, ou quase, sofrem de "mudanças temporais num espaço subjectivo e individual". Não que o livro mude, mas a leitura que eu faço dele muda.

É então que surgem as dificuldades. Por um lado podem existir sentimentos conflituosos relativamente ao livro. Basta eu lembrar-me muito claramente da minha primeira opinião, e dos motivos para a ter tido, e até concordar, mas ter descoberto coisas novas na segunda leitura que até compensam. O que raio dizer do livro?

Acho que se deve abordar isso com cuidado. E pensar muito bem. Um livro relido, com um intervalo temporal entre leituras bastante alargado, podem quase literalmente tornar-se em dois livros diferentes. Nunca confiem, caros leitores, nunca confiem!

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Forças do Mercado


Autor: Richard Morgan
Tradutora: Ana Mendes Lopes


Opinião: A capa toda brilhante pode enganar, mas este até é um bom livro. Escrita fast-food à là Stephen King, consegue a proeza de, tal como esse fantástico autor de terror, pôr o ênfase nas situações que vão acontecendo.

Basta imaginarem um mundo dominado por corporações e empresas afins, em que os conflitos são resolvidos com lutas na estrada. Se há dois candidatos a uma promoção, lutam na estrada, de preferência até à morte. Se duas pessoas se chatearem podem, literalmente, desafiar-se mutuamente para um duelo. Na estrada.

Esse é um dos temas dominantes da história, uma ultra-violência sem limites que representa o pináculo da civilização. O mundo é dos ricos e poderosos, mas é também do sangue derramado.

Infelizmente apresenta duas grandes falhas. O protagonista, por um lado, não faz sentido nenhum. Começa por ser um tipo pragmático mas com pouca vontade de andar por aí a matar pessoas, mesmo em duelos que é suposto serem até à morte, mas rapidamente se torna num executivo sanguinário igual aos outros.

Não há realmente uma evolução palpável, nem nada que se pareça. Ele simplesmente é duma forma, e depois é doutra. A personagem perde credibilidade e perde muito do interesse.

O outro problema é a gritante falta de um enredo. Não há propriamente uma história para contar, há sim um mundo para apresentar (que é muito interessante), uma série de personagens para acompanhar (que também têm os seus bons momentos), mas no fim mais de metade do livro é sobre nada, apenas o dia a dia naquele mundo violento.

Além destas duas há uma outra falha fatal que não é culpa do autor, mas sim da tradutora e resto da equipa técnica responsável pelo texto. A quantidade de erros, gralhas e afins é enorme, e há muitas situações em que deviam estar ali claramente umas reticiências, mas em vez disso está um ponto final a interromper uma frase de forma idiota.

Forças do Mercado consegue, ainda assim, ser uma leitura interessante e no mínimo cativante. Bom entretenimento, em suma, que precisava de ser mais trabalhado para se tornar um livro realmente bom, mas que não é nada mau.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Um Contrato com Deus (Colecção Novela Gráfica #1)


Autor: Will Eisner
Tradutor: Paulo Furtado


Opinião: É bom sinal, quando um livro me consegue surpreender. Especialmente quando o faz da forma que este o fez. Afinal, já conhecia o nome do autor, como é óbvio. Will Eisner é um nome quase omnipresente para qualquer fã de banda desenhada que investigue um pouco a sua história. Mas nunca me tinha ocorrido que além de ser uma figura mítica, Eisner foi um autor de BD, em vários formatos, e que portanto andavam por aí coisas dele para ler.

Foi, portanto, de muito bom grado que vi esta colecção ser anunciada com este livro como primeiro volume. De repente todo um novo mundo se abria à minha frente! Eventualmente fiquei com receio de me decepcionar, mas continuei curioso, como não podia deixar de ser.

Agora, após finalmente ter lido, posso dizer com toda a certeza que vale a pena. Não sabia o que esperar e tinha algum receio de encontrar aquele tipo de BD antigo, com desenhos fracos, mau acabamento e histórias simplistas.

Não podia estar mais enganado. A capa foi um bom indício, assim como os dois prefácios escritos pelo autor (para diferentes edições), mas só com as primeiras páginas é que me apercebi do quão pouco eu conhecia a história da BD.

O que encontrei foi uma arte sóbria, mas cartoonesca, a preto e branco, com reminiscências retroactivas de Frank Miller (que levou o estilo que Eisner aqui apresenta a um brilhante extremo em Sin City), e um traço limpo como há poucos. Até a forma como o texto se integra nos desenhos está pensada ao pormenor e realmente proporciona uma leitura fluida e bastante conjunta entre texto e imagens.

As histórias, que são quatro, são pequenas pérolas da narrativa, normalmente profundamente tristes, invariavelmente trágicas de alguma forma, e ao mesmo tempo extremamente realistas. O contexto de um prédio no Bronx é suficientemente bem dado para que as histórias pareçam verdadeiras. Em vez de as ficarmos a conhecer por BD, podíamos tê-lo feito pelas notícias.

É assim tão simples, aquilo que Eisner faz. Pelo menos parece simples. E é de uma eficácia extrema. Não há dúvida de que fiquei fã.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Falling Skies [T3]



Há limites para a minha paciência. Esta série conseguiu ultrapassá-los todos. Aliás, fez o impossível, e conseguiu ser mais banal, fraca, estúpida e apenas vagamente interessante. Muito, muito vagamente.

As personagens continuam a tomar decisões estranhas, e o enredo avança aos soluços, com certos acontecimentos cujo único propósito e motivo para acontecerem é exactamente esse: fazer avançar o enredo.

Pior que isso é todos esses acontecimentos estão tão mal feitos que dói. As personagens não aprenderam nada nas últimas duas temporadas, e continuam a cometer os mesmos erros estúpidos. Até durante a temporada, resolvem um problema, mas dois episódios depois é preciso resolver o mesmo problema, com outra pessoa, e já ninguém sabe.

Todo o enredo consegue dar várias voltas que não fazem a mais pequena ponta de sentido, com ataques e contra-ataques, alianças e traições que se sucedem sem nenhum fio condutor razoável relativamente às situações que as despoletam.

Os actores, esses tirando dois ou três que se safam, estão péssimos. Continuam a existir muitos momentos de "vou contar a esta personagem o que aconteceu", para que tudo fique explicado. E os diálogos são sofríveis, com muitos, mas muitos actores completamente incapazes de ter mais do que uma ou duas formas de dizer as suas falas.

Já falei do cientista nuclear que vive na cave e que nunca ninguém mencionou e que, já agora, também sabe fazer sequenciação de ADN on the fly, a partir do que tinha à mão de semear?

Enfim. A única coisa que se safou nesta temporada foi mesmo o oitavo episódio, muito bem feito, realmente impressionante e cativante, apesar de ser mais do que óbvio o que raio estava a acontecer. Mas foi um bom momento da narrativa, que deu para esquecer o resto do enredo idiota durante uma hora.

Tirando isso, tudo mau. Péssimo. De tal forma que vou deixar a série a meio, em vez de me martirizar com os 24 episódios em duas temporadas que me faltam. Estou farto de aturar esta invasão alien de meia tigela!

sábado, 12 de setembro de 2015

Trilogia da Viagem: Camões, Pessoa e M. Tavares


Já todos conhecem a minha veia literária masoquista. É aquela minha faceta que me faz ler coisas que nem quero assim tanto e que me obriga a terminar um livro, por muito mau que seja. Tem uma razão de ser: a minha personalidade ligeiramente obsessiva-compulsiva não consegue lidar muito bem com deixar um livro (ou o que quer que seja) a meio, e o meu espírito teórico pode não querer ler algo, mas precisar de ler esse algo.

É essa veia masoquista que me vai fazer ler Os Lusíadas pela terceira vez na minha vida, Mensagem pela segunda, e Uma Viagem à Índia pela primeira. Acreditem, é preciso ser-se masoquista: embora seja fã da epopeia de Camões, não é uma leitura fácil; o livro do Pessoa deve ser uma das coisas dele que mais abomino; e Gonçalo M. Tavares é um autor que me irrita profundamente.

Então porquê, perguntam vocês? Porque existe uma ligação entre estes três livros, e eu quero vê-la muito claramente. Pessoa foi bastante óbvio quanto aos seus paralelismos com a obra de Camões, e M. Tavares foi bem explícito quanto à forma como se "colou" a essa mesma obra. E eu tenho curiosidade. Lembro-me de estudar a Mensagem e reconhecer alguns traços em comum com Os Lusíadas - chega-se mesmo a fazer a comparação, nas aulas - mas fiquei sempre com a sensação de que me estava a escapar alguma coisa.

As semelhanças e as diferenças mais imediatas são chamativas, é certo: a demanda mística do povo português está bem patente em ambos os livros, mas enquanto que Os Lusíadas nos falam desde um passado distante, com esperança e vontade, a Mensagem fala-nos desde um passado recente, com amargura e melancolia. Ambos querem a mesma coisa, mas o segundo já não tem espaço para o optimismo desbragado do primeiro.

Mas ainda assim falta qualquer coisa. Isto é demasiado simples. E onde raio se encaixa o livro de M. Tavares, esse esquizofrénico talentoso, incapaz de escrever um texto decente, mas que ainda assim arrecada todos os prémios e mais alguns?

Tenho curiosidade. E a minha curiosidade é que manda. Portanto pode não ser já, mas ainda este ano hei-de ler os três de seguida, para ser capaz de falar com certezas. Ainda por cima tenho algumas esperanças de que este livro de M. Tavares seja melhor que os outros e me deixe satisfeito de alguma forma!

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

A menina das estrelas (Stargirl #1)


Autor: Jerry Spinelli
Tradutora: Maria João Berkeley Cotter


Opinião: É um livro para jovens. Entre o infantil e o juvenil, A Menina das Estrelas até é um livro acima da média, tendo em conta o público-alvo, e foi uma leitura que gostei de fazer. Passa uma mensagem bonita e interessante, e não está mal escrito de todo.

Infelizmente o livro é demasiado juvenil para me agradar completamente. As personagens são fracas, e as mais interessantes acabam por se tornar clichés baratos ou personagens tão burras que deixam de ser realistas.

A (mais ou menos) protagonista, a Stargirl, é uma personagem interessante que, à sua própria maneira, causa o caos na escola onde acabou de chegar, com o seu espírito livre e as suas acções estranhas e intrinsecamente bondosas.

Estamos a falar de uma rapariga que canta os parabéns a toda a gente, durante a hora de almoço, e que quando chega a uma aula, põe uma toalhinha na mesa e um jarro com uma flor. Estas e outras coisas são o que causam estranheza, e que por um lado a ostracizam e por outro lhe dão uma aura de mistério e fascínio inigualável naquela escola.

É por isso que a história de amor que vive soa a um facilitismo narrativo para arrancar lagriminhas e compaixão dos jovens leitores. Além de ser semi-aleatório, na altura em que surge, só começa porque a Stargirl, o tal espírito livre que parece ter uma personalidade livre das restrições sociais que nos atingem a todos, acha que um certo rapaz é giro. E é isto. Não há cá conhecê-lo, nem falar com ele, nada.

Esse rapaz, por sua vez, é uma personagem inconstante, que narra o livro e tem o dom de ser tão imprevisível e idiota como um adolescente normal. O que não é bom, porque torna-se extremamente aborrecido vê-los como casal e depois a desmoronarem por motivos idiotas. Isso já não é realista.

No fim, é uma leitura rápida, que dá para entreter, mas não passa disso. Provavelmente saboreia-se melhor com menos idade do que eu, e com menos cepticismo do que aquele que eu tenho.

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Better Call Saul [T1]



O que fazer depois do fim de uma das melhores séries de sempre? Como lidar com o fim de Breaking Bad? A resposta foi criar Better Call Saul, um spin-off/prequela/sequela/interquela desse grande programa, e do qual ninguém estava à espera. Saul Goodman, a personagem, era sem dúvida uma das melhores. e das que mais gozo dava de ver no ecrã, mas daí a torná-lo o protagonista de uma série inteira ainda vai muito.

Mas foi isso que aconteceu, e se fosse outra série qualquer tenho a certeza que o coro de fãs seria negativo: para quê voltar a pegar nisto, é só para dar dinheiro, não faz sentido, vão estragar a história, vão estragar as personagens, bla bla bla. No entanto os fãs sempre apoiaram esta decisão!

É mais uma prova da popularidade e qualidade da série original. Eu próprio sempre achei que fazia todo o sentido, Saul era uma boa personagem, e o formato prometido não corria demasiado o risco de se meter na história que já conhecemos. Ia contar a história do Saul, de como se tornou no Saul que vemos em Breaking Bad.

Vista a curta série, tenho a dizer que correu bem. Estrondosamente bem, até. Foi bom revisitar algumas personagens, como Mike, que devia ter a sua própria série, e Tuco, tão louco como sempre. Mas é Saul, perdão, Jimmy McGill, que rouba o espectáculo.

A representação está bastante honesta e credível, e deixa-nos conhecer um lado da personagem que nem sequer imaginávamos que existisse. Tem um irmão, que é alérgico a radiação electromagnética, uma mulher por quem está embeiçado, inimigos, e uma notável presença de escrúpulos.

Os episódios são do mesmo estilo dos de Breaking Bad, calmos, com pouca música de fundo, até pouco ruído de fundo tirando os banais, como carros a passar e pássaros a cantarolar, e uma vivacidade subtil que me espantava a cada episódio, assim como a série original.

O ritmo é excelente, o enredo é excelente, a forma de contar as histórias é excelente, os desvios narrativos para acompanhar outras personagens são excelentes, é tudo excelente. Até a quantidade de episódios, que me pareciam poucos ao início, se revelaram mais do que suficiente para contar uma boa história e ainda despertar a curiosidade quanto ao futuro/passado de Saul. Uma aposta ganha, sem sombra de dúvida.


segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Mort Cinder (Colecção Novela Gráfica #11)


Argumento: Héctor Oesterheld
Arte: Alberto Breccia
Tradução: Catherine Labey, Jorge Magalhães, João Miguel Lameiras


Opinião: Excepcional! Sabe bem encontrar um livro que me deixe tão inesperadamente satisfeito. O formato gigantesco já me tinha despertado a curiosidade, mas a opinião da minha namorada tinha-me deixado de pé atrás.

Felizmente, de vez em quando discordo com ela. E este livro é um caso flagrante. Gostei bastante das ilustrações, com os seus jogos de luz e sombras que depois são levados ao extremo por Frank Miller, em Sin City, e a história prendeu-me completamente.

Mort Cinder é uma personagem fascinante, com origens e propósitos desconhecidos, mas não é propriamente o protagonista. Só o é realmente quando conta as suas histórias, porque de resto é preciso abrir alas para Winston, o antiquário que encontra Mort Cinder, o ajuda e mais tarde o acolhe.

É através dos seus olhos que vemos as situações a desenrolarem-se, desde as peripécias iniciais, misteriosas e sobrenaturalmente estranhas, até às aventuras com Mort Cinder, que contam com vilões de motivos bastante óbvios.

O que mais me fascinou, no entanto, foi o mistério que envolve Mort Cinder, um homem que viveu durante eras passadas e que não morre realmente. Quem é ele exactamente? De onde veio? O que é que está ali a fazer, a tentar viver o mais sossegado possível na casa de um antiquário, depois de ter vivido centenas de vidas diferentes ao longo dos tempos?

Não sei. Aparentemente, só ele o sabe, e nunca em todo o livro ele tenta explicar a situação a Winston, que também não diz nada. E no entanto há pessoas atrás dele para conseguirem atingir a imortalidade.

Há um defeito que ponho ao livro, que parece ter sido herdado por vários filmes, séries de televisão e livros: parece que todos os objectos que vão parar às mãos de Winston, já passaram pelas mãos de Mort Cinder e estiveram muito directamente envolvidos com ele, e dão azo a uma história qualquer numa era passada em que Mort acaba por morrer. Coincidências são perigosas, nestas coisas.

Tirando isso, impecável. A arte é excelente, a narrativa também, e nem sequer se torna repetitiva, ao contrário do que diz a Jules. Também gosto que o livro se vá subtilmente encaixado na categoria de ficção científica, mas só lendo para perceber. Nem sequer são coisas muito originais, mas estão bem executadas, a todos os níveis.

Portanto não hesitem em pegar neste livro, que é excelente e vale bem a pena!

domingo, 6 de setembro de 2015

Que as citações nos caiam em cima [64]



"Ele mudar depressa de caminho, e sangue de Sol em céu cair em cara de ele, e cornos-de-paus em cabeça de ele, e Eu ter medo. Eu ver em alma d'Eu que Hob não ser de Terra, como eu e bando d'Eu. Nós nascer em Terra e viver em Terra e não-viver em baixo de Terra. Hob ser de fogo! Hob ter fogo preto em olhos de ele e sangue de fogo em cornos de ele."

A Voz do Fogo
Alan Moore

sábado, 5 de setembro de 2015

Coluna mensal na revista Nonata


Eu disse que ainda apareciam novidades. Chama-se Camõesidades (nome potencialmente provisório, mas habituem-se de qualquer forma), é sobre literatura portuguesa em todas as vertentes possíveis e imaginárias que eu me consiga lembrar, e é escrita por mim.

Podem ler aqui o primeiro texto, mas não deixem de acompanhar. Será uma viagem interessante pela história da literatura portuguesa (de forma altamente não linear) vista pelos meus olhos. A única coisa que prometo é ser diversificado e falar dos meus ódios e gostos pessoais com alguma profundidade.

Esta foi daquelas oportunidades que surgiu por uma nesga e que eu não hesitei muito em apanhar. É algo com uma dinâmica diferente daquela que tenho aqui no blog, que uso para conversar com quem me lê, e que me vai permitir explorar a literatura portuguesa de várias formas, algo que me interessa muito.

Por enquanto tenho só um plano vago daquilo que vou escrever, o que significa que estou aberto a sugestões. Há algumas temas que já sei que vão surgir, e há pelo menos uma outra crónica que já tenho a certeza que vai ser escrita: só falta mesmo sentar-me e escrevê-la.

Agora não se esqueçam é de acompanhar e de comentar! Têm aqui o site, aqui a página dedicada aos meus textos, por aqui o Facebook da revista,  e também o Instagram, que não faço a mínima ideia de como funcionam, mas sigam, ou sei lá.

É mais uma coisa a juntar à lista de coisas a fazer, é o que é!

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

A Voz do Fogo


Autor: Alan Moore
Tradutor: David Soares


Opinião: A minha curiosidade para este livro era mais que muita. Um romance escrito por um dos autores de BD que mais admiro? Venha ele! A edição é espectacular, portanto ainda antes de o abrir eu já sabia que ia ter prazer nesta leitura.

Assim foi. Separado em doze capítulos, nem sempre relacionados entre si de forma muito óbvia, este livro tece uma autêntica tapeçaria de símbolos, personagens e situações que guiam o leitor por uma pelos retalhos de uma história. O resultado final é estranhamente coeso e uniforme.

É claro que a tradução deste livro só podia ter ficado a cargo de uma pessoa: David Soares. Aqui, e podem discordar de mim à vontade, mas tenho de dizer que escolheram o homem perfeito. A sua mistura de conhecimento erudito, obsessão com os pormenores e vasta capacidade de contextualizar o que quer que seja, foi a mistura perfeita para navegar por entre o labirinto simbólico que Moore traçou ao longo dos tempos.

Toda a acção se passa em Northampton, ou nas imediações, desde 4000 a.C. a 1995. É, na sua maioria, completamente indescritível. Acontece tanta coisa nestas doze histórias, todas elas tão diferentes entre si (e ainda assim tão parecidas!), que era loucura tentar descrevê-las uma a uma.

O livro começa logo com um primeiro capítulo extenso, com um narrador primitivo que nos obriga a ler dezenas de páginas de "Eu estar caminhar de lá, querer chegar lá atrás de agora de Sol sair". Não é o mais fácil dos começos, mas está tão bem feito que não chateia. Custo um pouco a ler, mas vale a pena, pois é um dos capítulos mais fascinantes do livro.

A certa altura há um capítulo cujo narrador é uma cabeça decepada pendurada algures. Outro em que é do ponto de vista de uma rapariga enforcada. E outro do ponto de vista de metade de um casal de bruxas lésbicas que invocam diabretes para andarem a causar desgraças.

Dizer que é um livro esquizofrénico é ser simpático. Todos os narradores são radicalmente diferentes, não só a personagem em si, mas a forma como narram. Vários (se não todos) são loucos. Clinicamente loucos, sem sombra de dúvida, e isso nota-se principalmente mais perto do fim do livro. Ah, e como já disse, alguns dos narradores estão mortos.

Interessante? Obviamente! As constantes menções a fogo, enormes cães pretos e possivelmente demoníacos, os Shagfoals, assim como a feiticeiros e feitiçarias afins, mais uma série de outros símbolos que se repetem de forma mais ou meno regular em cada capítulo, são aquilo que une tudo o que se passa. E a parte mais estranha do livro todo, é que isso funciona. Eu pelo menos cheguei ao final, sem ter a certeza de muito daquilo que tinha lido, mas com imagens mentais daquilo que o livro me tinha contado.

No fundo este livro é uma história sobre histórias. As notas do tradutor que aparecem no fim, e que ainda são umas vinte páginas, mesmo ao estilo de David Soares, caem muito bem, pois contextualizam e não forçam a nenhuma interpretação que não deva ser forçada. O livro, para mim, só ficou verdadeiramente lido depois de ler estas notas todas. E embora o livro não seja perfeito, é muito bom.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Asilo Arkham (Batman #4)


Argumento: Grant Morrison
Arte: Dave McKean
Tradução: João Miguel Lameiras


Opinião: Um livro incrível a todos os níveis. Um argumento espectacular e uma arte de cortar a respiração. Asilo Arkham é sem dúvida um dos livros mais arrepiantes que já li na minha vida. Ter o Batman no Asilo, rodeado de vilões a obrigado a interagir com eles, nos seus vários níveis de insanidade, é fascinante.

Apercebi-me foi que no mundo do Batman, ser maléfico é igual a ser louco. Interessante. Mas comentários filosóficos à parte, regressemos ao livro. Acho fascinante que um dos aspectos que funciona melhor, as aparições escassas e semi-escondidas do Batman, só exista porque McKean odiava desenhar o Batman e passou o livro inteiro a evitá-lo.

De resto, aquilo que tenho a dizer é que todos os aspectos deste livro são excelentes. O contacto com vários dos super-vilões é fantástico, incluindo um dos melhores (e mais assustadores) Jokers que já vi. A narrativa que Morrison conta nos interstícios da viagem de Batman pela loucura, a viagem do fundador do Asilo pela loucura, também é interessante, cativante, e nunca parece deslocada ou desnecessária.

Ambos os autores conseguem fazer com que essa história também seja precisa e que também faça todo o sentido estar a contá-la.

O sentido de narrativa que tanto Morrison como McKean revelam é mais do que suficiente para que texto e desenho contem a sua própria história, e ainda uma terceira, quando conjugados. Mas mais do que isso, aquilo que senti foi que estava a fazer uma visita aos bastidores. Como se estivesse habituado a ver um Joker saltitão pela rua fora, ou uma Poison Ivy insinuante, e de repente se desligassem as câmaras e os holofotes e eu os visse realmente pela primeira vez. Não os super-vilões que matam milhares, mas as pessoas por detrás.

E, lá está, isso é fascinante. É um encontro imediato com a realidade - não a nossa, mas a do Batman. Consegue ser uma realidade assustadora (este é, sem dúvida, um livro de terror), mas também credível. Não é difícil de acreditar que aquele sítio existe mesmo, com aquelas pessoas lá dentro. A forma como falam, a forma como agem, a aparência que têm, tudo lhes dá um relevo impressionante. É um excelente trabalho de Morrison e McKean, que vale muito, mas muito a pena ler.