quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Children of Men (2006)



Tremendo. A história cativante e emocionante não põe de lado o vasto worldbuilding, complexo e ainda mais fascinante do que o que quer que seja que aconteça. Não que a história não seja interessante - como já disse, é cativante e emocionante - mas há uma história a ser contada em dois níveis diferentes: a óbvia, que acompanhamos de forma directa no ecrã, e a menos óbvia, que nos é contada nas entrelinhas e através do mundo que é representado.

As camadas de simbolismo são óbvias, embora os significados não o sejam, e tudo isso se conjuga para contar uma história poderosa,  com um tom muito intenso e até pesado, sem que fique exageradamente heavy-handed (está-me a faltar a expressão certa em português). Ou seja, é um tema complicado, num futuro distópico e deveras complicado, com uma mensagem forte e pesada, mas nunca é feito de forma desastrada, nem à bruta.

Em termos simples estamos a falar de um futuro que vê a Humanidade a ficar infértil quase de um dia para o outro, e todas as consequências possíveis desse facto. Tornamo-nos, efectivamente, numa espécie em vias de extinção. A vida que as pessoas levam é mecânica, cinzenta e sem grande esperança do que quer que seja. Ligam-se emocionalmente à pessoa mais nova do mundo, que tem dezoito anos, e choram colectivamente a sua morte.

Enquanto isso há uma crise de refugiados que parece ecoar, antes de tempo, a que se vive hoje em dia, mas levada a um extremo controlador e segregativo. Isto resulta, obviamente, numa série de facções em jogo, todas com objectivos muito próprios e invariavelmente egoístas. Nem toda a gente se resigna, existem rebeldes com um plano e uma esperança.

O protagonista, Theo, antigo activista, é involuntariamente arrastado para o meio de tudo e torna-se numa espécie de herói resignado. Este herói tem como característica mais curiosa um constante problema de calçado: vai perdendo o que tem nos pés, fica muitas vezes ferido, acaba sempre com os pés mergulhados em água quente, para descansar, e passa muito tempo do filme descalço, a fugir de, ou para, algum sítio. Camadas de simbolismo intermináveis.

É também impossível não notar que todos os heróis deste filme surgem dos lugares mais improváveis, e o protagonista apercebe-se disso mesmo, bem como do facto de serem precisos sacrifícios por um bem maior, uma noção que o faz resignar-se ao seu papel de herói.

Por outro lado, e aqui é que está a genialidade do filme, a recusa da câmara em acompanhar o protagonista, como seria normal noutro filme qualquer, permite mostrar o mundo e, no fundo, contextualizar todos os acontecimentos. Acontece muita coisa em pano de fundo, e há até momentos em que mesmo que o foco esteja no protagonista, a câmara não se centra nele, e a história não está particularmente interessada nele, pois está ocupada a desenrolar-se noutro plano.

É uma forma inovadora de contar uma história, que adiciona várias camadas de emoção e de envolvimento do espectador, que se sente parte daquele mundo, tão credível por não fazer do protagonista alguém particularmente especial, nem em termos de história, nem em termos de enquadramento. Para uma discussão mais desenvolvido do assunto, aconselho-vos vivamente o vídeo no final deste texto.

As sequências de acção também são frenéticas, e os planos longos durante todo o filme aumentam a intensidade ao obrigar-nos a focar, ao puxar-nos e a não largar. O resultado é um filme excelente, e com um óptimo final, em que tudo fica bem... Mais ou menos!

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