segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

A quântica dos transportes

No outro dia tive uma revelação. Como utilizador frequente dos transportes de Lisboa, passo muito tempo enfiado dentro duma carruagem do Metro ou dum autocarro da Carris. Isto significa que lido todos os dias com os problemas típicos: atrasos nos transportes, falta de lugar, viagens empacotadas, gente mal educada, enfim, toda uma panóplia de coisas agradáveis.

O mais irritante talvez seja aquela incapacidade que as pessoas têm em esperar. Vocês sabem, quando o metro pára e está uma multidão a querer entrar, e ao mesmo tempo uma multidão a querer sair. Aqueles momentos em hora de ponta quando todos os transportes parecem latas de sardinha com rodas, e quando parecem existir mais pessoas em Lisboa do que ruas a subir.

É nessas alturas que o meu eu mais primitivo vem ao de cima, e me apetece desatar à pancada a tudo o que me aparece à frente. Confesso sem grandes problemas que não hesito em forçar a minha saída e a empurrar quem estiver à frente, e até descobri que isso tem uma vantagem que não fazia ideia: as pessoas que empurro já me ensinaram uma quantidade imensa de impropérios novos.

Mas juntamente com a minha raiva contra estas pessoas, fiquei sempre a pensar em algo mais. Afinal, como é que é possível que as pessoas, tão funcionais quanto eu, não consigam perceber que é mais fácil desviarem-se e esperarem que os passageiros saiam do que tentarem forçar a entrada? As carruagens do metro têm limites físicos, impossíveis de contornar. Se uma já estiver cheia, não cabe lá mais ninguém, e se alguém quer entrar, é preciso que alguém saia.

Isto sempre me pareceu tão óbvio que nunca consegui perceber qual era o problema das pessoas. Custa assim tanto esperar uns segundos e depois entrar? Aparentemente sim, mas as razões escapam-me completamente!

Ou melhor, escapavam! Finalmente percebi o que se passava, e o problema é meu e dos outros maganos que pensam da mesma forma que eu. Pobres idiotas, fomos demasiado arrogantes para perceber o que realmente se passa. Falo por mim, como é óbvio, mas acho que em nome de todos os que pensam como eu, quando digo que se não fosse tão teimoso e convencido, já tinha este problema resolvido!

Tudo se resume a uma questão de física quântica. Aquilo que eu aprendi é profundamente idiota, e vocês preparem-se para verem a vossa vida virada do avesso. Sabem aquelas pessoas que forçam a entrada contra tudo e todos, sem esperar um nanossegundo que seja pela saída das pessoas? Sempre lhes chamei uns burros de… do… hum… do piorio, mas afinal são génios sublimados na mecânica profunda e intricada do mundo quântico: eles sabem que é possível dois átomos ocuparem o mesmo espaço ao mesmo tempo.

Ou seja, eles resolveram as equações certas e descobriram que é mesmo possível que dois corpos estejam a ocupar o mesmo sítio ao mesmo tempo, algo que consideramos impensável, nós que somos palermas confiantes nesses especialistas em Física que andam por aí nas Faculdades e no CERN e sei lá. Estas pessoas impacientes compreendem que em vez de esperarem podem simplesmente forçar a passagem e ficarem sobrepostos a quem está a sair, sem que isso impeça a dita saída.

Nunca me senti tão burro. Abençoadas sejais vós, oh grandes sumidades da quântica transportacional, e perdoai-me os meus pecados. Nunca mais me vou preocupar nem esforçar por me desviar nem empurrar quem quer que seja, vou simplesmente sair. Afinal, isso não incomoda ninguém, não é?

2 comentários:

Anónimo disse...

Mais uma grande crónica.
Mas sabes que se disseres a piada de dois átomos ocuparem o mesmo espaço ao mesmo tempo as pessoas vão-se rir por não compreenderem...
Infelizmente a falta de cultura e falta de respeito para com o próximo é um problema da humanidade.

Rui Bastos disse...

Obrigado! E não me importo, pode ser que alguém fique curioso e vá ler um pouco sobre mecânica quântica. Era porreiro que esses problemas se resolvessem, era... Mas eu também já ficava feliz se as pessoas compreendessem que primeiro deixa-se sair do metro, e só depois é que se tenta entrar!